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Atletiba nas redes

O jogo que fala sobre o futuro do mercado

03.03.17

Paixão nacional do brasileiro, o futebol ofereceu na noite da quarta-feira 1º uma oportunidade de torcedores e marcas vislumbrarem o futuro. Atlético Paranaense e Coritiba disputaram o clássico conhecido como Atletiba e tiveram o jogo transmitido pelo Facebook e pelo YouTube nas páginas dos clubes. O confronto havia sido barrado no dia 19 de fevereiro, quando já se planejava exibir a partida por essas plataformas. O motivo alegado pela Federação Paranaense de Futebol, na ocasião, foi a falta de credenciais da equipe que captaria as imagens.

Nenhum dos dois clubes fechou contratos de direitos de transmissão do campeonato paranaense na TV com a RPC, afiliada da Rede Globo. Daí, a decisão de liberar o jogo para as redes sociais, o que foi feito com narração e comentários do Esporte Interativo. O jogo, que teve a presença de marcas durante a exibição nas duas plataformas, foi vencido pelo Atlético Paranaense por 2 a 0.

Trata-se de um precedente importante para o mercado pelas oportunidades que se abrem com a transmissão de evento esportivo pelas redes. Os números totais mostram que a partida rendeu 3,7 milhões de visualizações, somando-se os desempenhos em cada uma das plataformas utilizadas pelos clubes.

Essa audiência deve ser olhada com cuidado. “Não significa que todas essas pessoas viram o jogo inteiro. Posso ter visto alguns minutos e ter voltado e isso registraria mais um view”, explica Alexandre Ugadin, head de mídia da Wieden+Kennedy. A verdade é que, além da audiência, há outros pontos importantes em questão.

TV e rede social

Tiago Santos, diretor geral de mídia da Crispin Porter + Bogusky Brasil, fez uma análise comparativa entre os dados disponíveis a respeito desse clássico do futebol paranaense. Em 20 de março de 2016, o jogo foi exibido pela Globo e teve um alcance de 1,3 milhão de domicílios e 2 milhões de indivíduos no Paraná. Isso significa 37, 17% de alcance domiciliar e 19,41% de individual.

A audiência da TV é ainda bastante representativa, sendo uma estratégia essencial para marcas que desejam ter impacto massivo. Por outro lado, é importante considerar que as plataformas digitais têm crescimento exponencial.

Mas o que esse jogo trouxe de lições para o mercado? “A questão é que ele abriu precedentes”, reforça Ugadin. Um dos pontos se refere ao lado financeiro. Toda a renda obtida com a publicidade exibida no estádio foi dividida entre os dois times. Isso representa um novo caminho para o futebol e outros esportes. Pelo viés do consumidor, também surgem possibilidades. “Vejo dois pilares de audiência da TV, que são o jornalismo e os direitos de transmissão esportiva. Dificilmente alguém larga tudo para ficar apenas na Netflix”, exemplifica Ugadin. Porém, com a exibição do jogo de quarta-feira, quebrou-se um paradigma.

Outro evento aponta que é hora de repensar as transmissões pelas plataformas digitais. Ugadin menciona a recente decisão do YouTube de lançar um serviço de TV (o anúncio foi feito durante o Carnaval). Por US$ 35 mensais, o usuário do YouTube TV (com direito a seis contas) terá acesso a cerca de 40 redes, como ABC, CBS, Disney, ESPN e Fox (leia mais aqui no blog oficial do YouTube – em inglês). “Isso muda muito o cenário da mídia”, diz Ugadin.

Fábio Saad, vice-presidente de mídia da Wunderman, observa, entretanto, que a transmissão de jogos nas redes não restringe o papel da TV. “Não vejo como concorrente. Esse tipo de transmissão é muito válido, desde que a discussão em torno dos direitos tenha sido feita”, afirma. O valor mais interessante nisso, analisa, é o mix audiência engajada e real time. “Estamos falando de outro público, diferente daquele da TV. Ele é mais nichado, mas é engajado”. Ele lembra que quando o Terra fez a transmissão dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, em que eram exibidas todas as modalidades no site, o ponto central era ter exatamente esse espectro amplo. Agora há novos desafios.

Patrocínio

É difícil neste momento estabelecer os próximos passos. Afinal, como comenta Saad, não existem formatos e produtos pensados para esse cenário. Entre as perguntas que surgem está quanto uma transmissão dessas geraria de audiência. De qualquer maneira, um campo a ser investigado é o do patrocínio. Marcas que não têm como investir em pacotes de grandes broadcasters teriam formas de se inserir na transmissão e captar públicos específicos. “É importante explorar o que há em torno de um evento desses”, declara.

De acordo com Saad, novos eventos transmitidos pelas redes levam a uma mudança no mindset. A cabeça do mídia hoje está voltada para a “TV ao vivo” quando se fala de esportes. Seria preciso repensar esse modelo. “Não seria necessário trabalhar com audiências massivas, e sim diferenciadas”, insiste. Sobre métricas, ele acredita que é importante contabilizar os unique visitors. Views são interessantes, mas qual o impacto? “Imagino que mais bacana é o nível de engajamento. Isso vale mais do que views”. Há muito a se discutir, emenda. Este é um terreno novo.

Interatividade

Para Adilson Batista, sócio-fundador da Today, a partir da experiência do Atletiba é possível desenhar oportunidades em um prazo até curto. Ele observa que a audiência da TV é boa, no entanto é passiva. Nas redes, a interação com os torcedores pode ser bastante intensa, criando meios de empresas se inserirem nesse contexto e investirem, por exemplo, em live marketing ou em ações geolocalizadas. “Uma marca que não pudesse comprar uma cota de patrocínio de um campeonato poderia criar uma estratégia para patrocinar um jogo exibido no Facebook. Poderia ser até algo mais regional”, aponta.

E pode-se pensar em outras modalidades sendo transmitidas por essas plataformas, caso do vôlei. “O pessoal do skate já exibe campeonatos pelo Facebook. E os e-sports têm feito transmissões pelo YouTube”, comenta. Ou seja, os meios estão sendo explorados já.

Apesar disso, ainda é cedo para se compreender o que pode acontecer daqui em diante, de acordo com Batista. O Atletiba é um caso a ilustrar um caminho. “Esporte envolve paixão. Seria bacana ver a interação com os torcedores. Como vamos mover essa audiência? Temos de aprender”, completa. Em sua visão, exibições como a do clássico paranaense podem criar audiência e, a partir de novas experiências, gerar fidelidade. E há ainda as chances de explorar melhor a fragmentação. Assim surgiriam as oportunidades.

As interações não escaparam ao radar dos clubes. O Atlético Paranaense divulgou na quinta-feira 2 dados da transmissão. Segundo a agremiação, mais de oito milhões de internautas foram alcançados durante o live, do início ao final da partida, um número bem superior ao total visto pelo público comum na contagem dos views nos canais oficiais. O Atlético Paranaense informa ainda que cerca de 850 mil interações foram contabilizadas, na somatória dos resultados colhidos no Facebook e no YouTube pelos dois times (confira mais detalhes informados pelo Atlético Paranaense aqui).

Experiência em casa

Foi a própria rede que informou a Tiago Santos que o Atletiba estava para acontecer. Ele já sabia que a partida seria exibida pelo Facebook e pelo YouTube, porém, na hora, viu as mensagens a respeito do jogo e logo se conectou. Sua experiência serviu de tema de debates com sua equipe, na agência. “Apertaram o botão do play de algo que não tem volta”, resume.

Em sua opinião, até mesmo as TVs terão de repensar seus modelos. Atualmente, campeonatos de futebol – e outras modalidades esportivas - têm direitos negociados para TV aberta, internet e TV fechada. Grosso modo, internet significa site. A inserção das plataformas de vídeo transforma esse quadro.

Santos lembra de um jogo da NFL (a liga de futebol americano) que foi transmitido pelo Yahoo em 2015. Foi uma exibição feita de forma independente da TV. No entanto, na época a experiência gerou críticas. A qualidade não era boa e a conexão se perdia constantemente. Não foi o caso dessa vez. “Foi uma transmissão em HD. Minha conexão é boa e não teve o problema de travar como aconteceu com a NFL. O Atletiba mostrou que é possível ter qualidade”, esclarece.

As lições que ficaram para ele e sua equipe de mídia são: é preciso colocar na cabeça que não existem travas e é necessário pensar em mais alternativas. “Não existe o ‘não dá’. A transmissão foi revolucionária por demonstrar isso”. Como cidadão comum, Santos via na tela as métricas em tempo real. Via quantas pessoas estavam acompanhando pelo Facebook. Com ferramentas apropriadas, as oportunidades seriam mais bem exploradas. “Ter dados em real time abre um monte de janelas”, diz. Para os clubes, novas receitas podem surgir. Para as agências, novos desafios se desenham. “Para mim, este é como o momento em que a gente descobre que pode montar uma banda na garagem e gravar um álbum para tocar em qualquer lugar do mundo”.

Por sinal, ele acompanhou um live da banda Foo Fighters que exibiu na semana passada, na íntegra, um show feito na Inglaterra pelo Facebook. Uma transmissão profissional, com diversas câmeras. São, de fato, novos tempos.

 

 

Lena Castellón

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