arrow_backVoltar

CCXP 2017

Fernanda Montenegro: ‘É vital fazer arte no Brasil hoje’

08.12.17

Aos 88 anos, Fernanda Montenegro viveu uma sensação que não imaginava em sua carreira de mais de sete décadas nos palcos e nas telas. Foi ovacionada de pé pelo público que tomou o auditório Cinemark, o maior da #CCXP. “Que felicidade um momento como esse. Eu não esperava”, disse muito emocionada a atriz, a homenageada desta edição do festival. Em 2018, ela completará 70 anos de atuação formal (porque já são 73 de vida pública). No mesmo ano, o filme Central do Brasil, pelo qual concorreu ao Oscar, completará duas décadas.

No palco da CCXP, Fernanda afirmou que fazer arte é vital para o Brasil de hoje. “É vital que a cultura seja desenvolvida, seja respeitada. Um país que não tem esse respeito jamais chegará a nação”. Posteriormente, a atriz atendeu a imprensa no estande da Globo montado no festival, onde falou mais do papel da cultura, entre outros temas. “Sou do tempo em que havia o Ministério da Cultura e da Educação. Acho que as duas áreas são indivisíveis. Educação é o esqueleto. A cultura, a musculatura. A educação sozinha também não faz uma nação. Quando há cultura e educação andando juntos, o aprendizado é muito mais amplo”. Perguntada sobre o fato de o ministério chegar a ser transformado em secretaria em 2016 – o que provocou uma grande mobilização de protestos de artistas por várias partes do Brasil –, Fernanda disse que a cultura precisa ter mais credibilidade política. Não pode ser tratada como o pudim de uma festa.

Na homenagem, falou sobre as sensações de pisar no palco, no estúdio de TV ou num set de cinema. O medo ainda é presente? “Não há momento vital em que a gente não tenha alguma responsabilidade. Nunca se entra no palco como se entra no banheiro”, declarou, arrancando risos. Muitos de seus comentários eram como conselhos aos jovens. Ao lembrar sua carreira no teatro – ambiente do qual diz ter surgido –, recomendou que lessem mais Nelson Rodrigues, “o maior dramaturgo do país”. Ela conviveu com o autor durante dez anos, tendo interpretado diversas peças e feito duas novelas baseadas em sua obra.

Fernanda acrescentou que Nelson Rodrigues tirava a gordura dos diálogos, para dar exemplo de sua genialidade. “Vou dar um conselho de vovó. Procurem uma livraria. Busquem informações. Em qualquer espaço de teatro deste país, ele está presente. Nelson Rodrigues foi um grande memorialista e é também o maior cronista de futebol do Brasil”.

Palco cor de rosa

Sobre sua carreira, a atriz contou sua primeira memória em um palco. Foi num espaço improvisado numa igrejinha do subúrbio do Rio onde nasceu. Seu primo havia montado uma peça e ela interpretaria um sargento. Tinha seis anos e teria de cinco a seis falas. Era um dramalhão, como se recordou. Fernanda entrou no palco e se ergueu ao ver a luz no fundo do teatro improvisado. Estava tudo cor de rosa por causa da iluminação. Foi quando se sentiu tocada. “A mágica estava ali”, disse.

Ela lembrou também que, na adolescência, ia muito ao cinema. Essa era a diversão que cabia no bolso das famílias. Como narrou, mães levavam os filhos ao cinema e ali mesmo, no escuro, amamentavam seus bebês para poder ver os filmes americanos e europeus que chegavam ali. Fernanda acrescentou que viu muitos filmes até... estar ali, numa convenção de cultura pop.

500 anos

Intérprete da mística Mercedes em O outro lado do paraíso, novela de Walcyr Carrasco, ela elogiou o autor por ter a sensibilidade de reunir um elenco acima de 80 anos em papeis relevantes. “Ele teve a coragem de fazer uma novela em que estão presentes todas as idades. Mas os mais velhos também estão bem representados. Estão lá Lima Duarte, Juca de Oliveira, Laura Cardoso, Nathalia Timberg e eu. Juntos, formamos um time de 500 anos. Estamos inteiros, em papeis ótimos. Para nós, que estamos dos 80 aos 90 anos, esse é um momento bonito”.

Ganhadora do Emmy de Melhor Atriz de 2015, com a personagem dona Picucha, em Doce de Mãe, Fernanda fez mais uma revisita a suas memórias. “Fui a primeira atriz contratada por uma TV no Rio. Porque a TV começou em São Paulo. E eu fui chamada para um trabalho porque alguém me viu num teatro. Fui contratada para um trabalho só. No seguinte, fui contratada para atuar por três anos. Já não era mais um cachê”. No Emmy, a competição era grande. Afinal, muitos países participam da premiação. “E, dentre tanta gente, eu levei. E isso foi anos e anos depois de ter sido a primeira atriz contratada da TV no Rio. Eu ia recusar? Não. Recebi”, comentou, divertida.

Ela elogiou o trabalho do diretor Jorge Furtado e celebrou o fato de o prêmio ter sido dado por ter feito uma personagem idosa. E encerrou sua passagem pelo palco da CCXP com a frase: “Só quero dizer que, se cheguei a tudo isso, não cheguei sozinha. Ninguém chega a nenhum lugar dito importante sozinho. Levem isso para suas vidas”.

Primeira vez

Na conversa com a imprensa, Fernanda disse que não tinha ideia de como era o evento. “Já fiz espetáculos para quatro mil pessoas. Fiquei tocada, pela idade que tenho, de ver a juventude querendo me ouvir”. Disse que foi a primeira vez que tem um contato grande como esse a partir de um palco.

Na homenagem, a atriz enumerou suas leituras de quadrinho na juventude. Lia Flash Gordon, Fantasma, Dick Tracy, Príncipe Namor, Pafúncio e Pinduca. Na época, os anos 30, as revistas eram chamadas de suplementos juvenis. No estande da Globo, em meio à balbúrdia de um evento que celebra super-heróis, Fernanda apontou quem considera uma heroína: irmã Dulce, cuja religiosidade não a fez ficar fechada. “Ela foi um por caminho social, criando uma associação de atendimento aos desvalidos”.

“Quis o destino”

Questionada sobre uma cena que guarda com carinho na memória, a homenageada da CCXP indicou a “briga” à mesa de chá com Paulo Autran na novela Guerra dos Sexos. Fernanda disse que tanto ela quanto Autran desejavam trabalhar juntos. “Silvio de Abreu nos uniu”, afirmou. Ao ser perguntada por este Clubeonline como foi rever no palco do evento uma das cenas finais de Central do Brasil, quando chora no ônibus, Fernanda comentou que em teatro não se vê em cena – e isso de certo modo é bom. Mas na TV e no cinema isso acontece. “Hoje vejo Central do Brasil de forma descontraída, relaxada. É um filme bonito”, declarou. Recordada que em 1999, na disputa do Oscar de Melhor Atriz, perdeu para Gwyneth Paltrow, ela apenas respondeu que a competição é imensa. “Quis o destino que eu fosse indicada. Só de estar ali, está tudo certo, está tudo bem. Vai chegar uma hora que outras pessoas vão chegar lá”.

Lena Castellón

CCXP 2017

/