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Efeitos da crise do Facebook

O que esperar depois de tudo isso?

29.03.18

Depois de reações pouco consistentes quando surgiram as primeiras críticas por suposta influência sobre o resultado da eleição presidencial dos EUA, o Facebook está empenhado em mostrar que busca corrigir alguns de seus pontos críticos, especialmente o que se refere à privacidade de dados. Nesta quarta-feira, 28, a rede publicou um post falando de como estão facilitando os controles de privacidade para que o usuário se proteja mais.

Assinado por Erin Egan, vice-presidente e Chief Privacy Officer, e Ashlie Beringer, vice-presidente e integrante do conselho geral do Facebook, o post conta que a empresa está adotando medidas além das anunciadas pelo CEO Mark Zuckerberg recentemente – que destacavam o cuidado que teriam com aplicativos de terceiros (leia mais aqui). Uma delas foi redesenhar o menu de configurações nos celulares, para facilitar o entendimento.

Foi criado um atalho para que os usuários encontrem mais rapidamente informações sobre privacidade, segurança e publicidade. Como diz o Facebook, agora a experiência está mais clara e mais visual. A rede também adotou uma ferramenta chamada Acesse suas Informações.  Desse modo, o público tem como conferir e gerenciar informações como posts, reações e comentários na rede. É possível deletar qualquer coisa da timeline ou do perfil no Facebook.

A estrada a seguir

O post diz ainda que é responsabilidade da empresa esclarecer ao usuário como seus dados são coletados e usados. “Nas próximas semanas, vamos apresentar uma atualização dos termos de serviço do Facebook, que inclui nosso compromisso com as pessoas. Vamos atualizar também nossas diretrizes de uso de dados. Esses updates se referem à transparência – não são para ter mais direitos para coletar, usar e compartilhar dados”.

A rede fundada por Zuckerberg informa ainda que está trabalhando com legisladores, especialistas em privacidade e entidades de regulamentação.

O cerco tem se fechado em torno do Facebook. Autoridades governamentais de alguns países estão analisando que passos adotar frente ao escândalo da Cambridge Analytica. Antes de o escândalo vir à tona, o Parlamento Europeu já havia determinado que a partir de 25 de maio ficam valendo novas regras de proteção de dados que atingem o Facebook e o Google, entre outras empresas de tecnologia.

O debate em torno do caso está longe de arrefecer. Pelo contrário, gera vários outros questionamentos. No curto prazo, as implicações já são perceptíveis. Ao menos para o Facebook, como aponta Renato Mendes, sócio da Aceleradora Organica e professor do Insper. São elas: “uma crise de reputação sem fim, perda de mais de US$ 100 bilhões em valor de mercado, a saída de anunciantes de peso e processos e mais processos de todos os lados”, diz.

Mídia social mais nichada?

E entre as redes, o que se pode esperar? “Fazendo um exercício de futurologia, é possível que em algum momento no médio prazo redes alternativas com foco em privacidade possam começar a ganhar relevância. Redes hegemônicas como um novo FB? Não. Conversas de nichos sobre temas específicos e com geografias restritas”, acredita Mendes.

Quanto ao endurecimento dos países em relação às questões de privacidade de dados, Mendes observa que Europa tem sido historicamente restritiva, em um posicionamento diferente dos EUA. “Os governos desses países vão endurecer com essas empresas. Eles não têm outra saída. Precisam responder a uma forte pressão social. Isso deve implicar em perdas que o mercado já está precificando. O Parlamento Europeu sempre foi um Don Quixote nessa luta pela privacidade dos dados. Parece que chegou a hora de ouvi-lo”.

Vamos ter mais consciência da importância da privacidade?

Cientista-chefe da IBM até este ano, Fabio Gandour, um especialista em ciências da computação, diz que as pessoas, quando “entram na internet”, se esquecem de onde estão. “As pessoas acham que é como um espaço, onde se entra e a gente acende uma luz. Não estamos preparados para um mundo que ignora três conceitos da física: tempo, massa e espaço”, comparou.

Gandour traça mais uma analogia para explicar como nos iludimos com a confidencialidade da web. Se tivéssemos um grão de areia azul depositado no meio da areia da praia, teríamos a sensação de que ele está protegido pela multiplicidade de grãos. “Mas aí surgiu o data mining e o grão azul que parecia seguro pela multiplicidade agora é encontrado”. Como ele observa, as questões envolvendo privacidade não são novas. Porém temos a tendência de fingir que o problema não existe. “Somos como avestruz, enfiando a cabeça na terra”.

Em sua visão, a solução para melhor a segurança de nossos dados não está em alguma ação coletiva – ele é cético quanto à eficácia de uma regulamentação geral. “Não há lei ou ação institucional de massa que resolva isso. A sanção tem de ser individual. As pessoas têm de cuidar de seus dados, o que não acontece hoje. Isso só vai mudar daqui a duas gerações”, afirma. Um exemplo de como as pessoas expõem dados é que ele, Gandour, não posta fotos suas no Facebook, mas há centenas em que foi marcado.

Atitudes radicais, como um movimento de desligamento generalizado do Facebook, também não surtiriam efeito significativo. Porque as pessoas voltam. De todo modo, Gandour defende que os usuários aprendam a proteger seus dados e que não esperem a intervenção de ninguém. “Não dá para regular tudo. O mecanismo de punição mais eficaz que existe é o nosso”, emenda.

Uso e abuso de dados: e agora?

No post em que assume o erro do Facebook no episódio – e também em anúncio que publicou em jornais (veja aqui), Zuckerberg declarou: "se não podemos [proteger seus dados], então não merecemos servir vocês". Afinal, quanto estamos realmente protegidos na nossa vida digital? Renato Mendes, do Insper, afirma que ninguém sabe ao certo até onde o Facebook foi, em termos de coleta e comercialização de dados. “O fato é que eles cruzaram a linha”. Segundo ele, a sensação é de que estamos muito mais expostos do que imaginávamos. “Toda vez que usamos algo gratuito na internet, o produto somos nós mesmos – ou nossos dados. Esses dados são ouro para o Facebook porque são a base de seu modelo de negócio”.

Diante disso, Mendes pergunta por que, então, a rede não aprimorou seus mecanismos de proteção sobre o que tinham de mais valioso? Porque ninguém nunca se importou com isso de fato. “A grande verdade é que ninguém parecia realmente se preocupar com privacidade enquanto pudéssemos dar likes, subir mais fotos e nos mantermos conectados aos amigos”. O professor acrescenta que o uso e o abuso em relação aos dados não é algo novo. “Nós permitimos essa situação por ignorância e preguiça, quem deveria zelar por nós não fez nada e agora levantaram a cortina e descobrimos que a situação saiu totalmente de controle”.

A maioria dos brasileiros não faz a menor ideia do que está acontecendo, sustenta Mendes. É uma discussão relevante para um público muito restrito. “As pessoas só querem se divertir nas redes sociais. É por isso que os joguinhos são tão eficientes na captação de dados. Queremos dar risada, não lemos as regras e damos, com consentimento, mas sem conhecimento, nossos dados a empresas em que não deveríamos confiar. Quem deveria ser o juiz dessa história? Com certeza, não quem ganha dinheiro com essa prática.

Na teoria, a saída seria educar as pessoas. “Na prática, demandaria um esforço hercúleo para um resultado muito baixo”, completa. Para Mendes, é necessário envolver mais do que o usuário. “É mais fácil e eficiente demandar que o mal seja cortado pela raiz. Quem pode fazer isso no curto prazo além do próprio Facebook? As marcas que financiam a festa e os governos que definem as regras e punem quem não as cumpre”.

De acordo com Mendes, os anunciantes devem exigir muito mais do Facebook. “As marcas que saírem na frente nesse sentido vão ser reconhecidas em um momento que o público demanda mais posicionamento e autenticidade”, acredita. O mesmo raciocínio vale para agências. Qual o papel delas? “Não vi nenhuma se posicionando nessa conversa”.

Ele indica outro ponto pouco comentado, mas relevante: muitas das marcas que vendem online são beneficiadas pela ausência de uma legislação específica em relação ao uso de dados. Isso desperta diversas questões. O que poderá acontecer com os e-commerces, se forem seguidas as medidas restritivas da Europa? Quanto venderão a menos sem uso de remarketing? E qual seria o impacto disso em relação à eficiência da programática? Ainda não há respostas para essas dúvidas. No entanto, como Mendes estima, uma legislação mais restritiva irá obrigar uma parte relevante da publicidade online a se reinventar.

Alerta para governos

Em artigo no jornal Folha de S. Paulo (leia aqui – para assinantes), o advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e representante do MIT Media Lab, afirmou que o caso entre Facebook e Cambridge Analytica serve de alerta também para “governos que insistem na construção de bases de dados cada vez maiores e concentradas”. Segundo ele, a centralização aumenta as possibilidades de perda de controle.

Para reforçar esse ponto, Lemos lembra que, com a centralização de dados dos cidadãos indianos, o sistema de identidades digitais daquele país “tornou-se tão apetitoso para hackers que no início de 2018 acabou vazando, colocando em risco dados de um bilhão de pessoas.”  No Brasil, o Documento Nacional de Identidade (DNI), lançado em fevereiro e que pode estar disponível a partir de julho, segue o caminho da centralização.

Lemos afirmou que, sem atacar a coleta cada vez mais centralizada, o problema continuará em curso. E defendeu a adoção de arquiteturas que coloquem o “controle dos dados na esfera do usuário, nas pontas da rede”. A gestão individualizada de dados já “ocorre com as carteiras de tokens no blockchain”. Falta que os governos olhem esse assunto com mais atenção.

 

Lena Castellón

Efeitos da crise do Facebook

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