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Fake news II

'Em até 2 anos, metade das notícias da internet será falsa'

20.02.18

Diretor do El País desde 2015, o jornalista Antonio Caño é enfático: a escalada das fake news – as notícias falsas, criadas conscientemente para deturpar uma situação ou um fato – representa um risco não somente para a imprensa, mas para a sociedade. A desvalorização do conteúdo acurado e a prevalência das emoções sobre a realidade levam à desaparição da verdade. Se nada de concreto for feito para combater esse fenômeno, ele calcula que, em até dois anos, metade das notícias na internet será falsa.

Se não há verdade, tudo é espetáculo”, declarou o jornalista espanhol durante palestra apresentada no segundo dia do 2º Encontro Folha de Jornalismo, evento que marca o aniversário do jornal – que completa 97 anos. Ele ressaltou também que “a pós-verdade é o pré-fascismo”. Caño afirmou que o exercício da democracia é inseparável da imprensa livre. Ela é o melhor instrumento para proteger o cidadão dos abusos do poder, o que ocorre inclusive nos governos democráticos.

De acordo com o diretor do El País, o jornalismo de qualidade hoje se faz mais necessário do que no passado. De certa forma, portanto, a imprensa vive uma idade de ouro. “O El País tem mais leitores do que nunca em sua história”. Por outro lado, em alguns países – notadamente do Leste Europeu - a prática de se criar notícias falsas tem crescido. Caño disse que o objetivo dessas “fábricas” é gerar desestabilizações.

No caso das eleições americanas, por exemplo, ele não acredita que as fakes news tivessem o objetivo direto de eleger Donald Trump, e sim de colocar em descrédito a imprensa americana e, assim, anular o papel crítico dos jornais. “Não podemos deixar que forças obscuras nos imponham mentiras”, acrescentou.

Além disso, há outro ponto a ser debatido. “O êxito das fake news se dá também porque existe um público disposto a acreditar nelas”, observou. A razão desse comportamento é o sectarismo, que vem aumentando. Com a sociedade polarizada, as pessoas escolhem acreditar em notícias inventadas que atendam seus desejos. Isso porque é aquela realidade que querem viver. “É necessário que os jornalistas combatam o sectarismo. Nossa obrigação é criar leitores críticos de tal modo que eles possam criticar inclusive nossas próprias informações. Essa medida nos protegeria da intoxicação das fake news”,  completou.

Diante desse cenário, Caño acha importante a participação de governos nas discussões sobre a proliferação das notícias criadas com maus propósitos. Entretanto, é arriscado transferir uma regulação para autoridades governamentais. “Não se pode colocar portas no campo. Mas é preciso reconhecer limites. É preciso agir com inteligência. Temos de debater aonde queremos chegar e em que áreas devemos atuar”. Pelo lado dos veículos, ele defendeu que os meios de prestígio se aliem em defesa do jornalismo e da democracia.

Caño apontou que a massificação de notícias falsas foi observada em processos como as discussões sobre o Brexit na Inglaterra, as eleições presidenciais na França, a acolhida de imigrantes na Alemanha e na crise da Catalunha na Espanha. Ele lembrou que este ano as ingerências políticas alimentadas por fake news devem ocorrer em três grandes países da América Latina: Brasil, México e Colômbia, todos com eleições para acontecer neste ano.

É importante ainda envolver as gigantes da tecnologia nesse debate. “Google e Facebook deveriam trabalhar com os jornais para combater essas intervenções. Essas empresas deveriam estar do nosso lado”, disse. Para Caño, os veículos precisam dessas plataformas e elas precisam de conteúdo de qualidade.

O diretor do El País comentou ainda que, no passado, a imprensa cometeu o “pecado da arrogância” por se colocar num pedestal. “Olhávamos a sociedade do alto e não percebemos que era uma relação desigual”.

O jornalista salientou que épreciso reconhecer que a balança mudou e hoje os jornais não estão em situação tão favorável quanto no passado. A imprensa sofreu perdas na publicidade e no conhecimento da audiência. “O Facebook sabe mais do leitor do El País do que nós mesmos. Eles podem prever comportamentos que nós não temos como calcular. É praticamente impossível a um jornal acumular recursos que nos permitam competir com Google e Facebook”.

 

O Clubeonline conversou com Antonio Caño depois de sua palestra no evento da Folha. Confira a entrevista:

ClubeonlineDurante sua palestra, o senhor falou que a imprensa cometeu o “pecado da arrogância”. Compartilhar mentiras pelas redes sociais não é novidade, mas parece que o problema só ganhou dimensão no último ano. Foi um erro não ter dado mais importância a esse comportamento do público antes?

Antonio Caño – As mentiras não são novas. Mas as campanhas sistemáticas de desinformação, em um âmbito tão massivo e de forma tão constante, sim são novas. Acredito que houve uma arrogância da imprensa em não prestar atenção aos cidadãos, porém creio que o fenômeno da pós-verdade é diferente hoje – e muito maior – em comparação ao que conhecíamos até então.

Clubeonline – Outro ponto importante em sua palestra foi  a observação de que o impacto das fake news não se dá somente sobre a imprensa, mas sobre a sociedade. Para o indivíduo comum, talvez não seja tão importante discutir a imprensa, porém isso muda de figura quando se trata do impacto sobre a sociedade. Não seria necessário mudar o discurso para atingir mais pessoas?

Caño – Claro. Isso me parece fundamental. Em última instância, a desaparição dos jornais como instrumento não é tão grave. Antes, muitas coisas já desapareceram. Desapareceram as carroças puxadas por cavalos. O problema é a função social da imprensa. Essa sim é a função insubstituível. Porque isso prejudica a sociedade num pilar fundamental, que é a liberdade. É ela que garante aos cidadãos ter informação independente. Não há cidadão livre se ele é desinformado ou mal informado. Essa é a realidade o assunto da fake news.

Clubeonline – Da mesma forma é importante trazer as marcas para discutir esse tema?

Caño – Todas as marcas estão afetadas por esse problema. A sociedade costuma rechaçar as marcas estabelecidas. Não só os jornais. Todas as marcas estabelecidas têm sido submetidas a um juízo muito severo por parte da sociedade. Considero que elas fariam bem ao se preocuparem com esse assunto e também ao se relacionarem com a sociedade de outra forma. Se elas não participarem desse debate, irão sentir o peso disso depois.

 

Lena Castellón

 

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