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Festival do Clube 2018

Susan Hoffman: criatividade não é coragem; é fazer o certo

15.10.18

Ter coragem é uma estupidez. A frase pode soar estranha, mas faz sentido depois que Susan Hoffman, chairwoman da Wieden + Kennedy, explica as razões da afirmação. São razões que se converteram em diversos cases criados pela agência que viraram referências globais – e que foram apresentados em um dos painéis mais concorridos do Festival do Clube. No fim, como ela demonstrou, não se trata de ser corajoso, mas de ser criativo. E correto com a marca e com os consumidores.

De acordo com Susan, muitas vezes somos movidos a propor coisas por convenção, porque acreditamos que são do interesse do cliente. Mas ela lembrou que criatividade envolve soluções de problemas de modo surpreendente.

Insistir em fazer um trabalho corajoso tem muito valor. Lidamos com muitos medos. Se um cliente é obcecado por segurança, como vamos querer que ele assuma riscos? Temos um mantra que é ‘fail harder’. Ele assusta as pessoas se não for passado corretamente”, afirmou a criativa, que foi a oitava pessoa a ser contratada pela agência (leia mais a respeito da carreira de Susan aqui).

Era de se esperar uma explanação sobre o valor da coragem, mas Susan desconstruiu essa crença. O que ela quis demonstrar com sua apresentação, batizada de “Bravery is stupidity”,  é que não existe criatividade corajosa. Existe criatividade ou não-criatividade.

Mais de vinte anos atrás, a W+K fez uma campanha para Nike Women  (“If you let me play”) mostrando meninas dizendo que serão fortes se puderem praticar esportes. A pauta do feminismo estava longe de chegar ao nível onde estamos hoje, mas essa ação foi criada porque havia um debate na época sobre uma proposta de abolir esportes para meninas nas escolas. Na opinião de Susan, esse case não se tratava de coragem. Era algo que precisava ser feito.

A criativa, que era co-CCO da W+K até setembro, junto com Colleen DeCourcy (leia aqui sobre as mudanças na direção da agência), assinou diversas campanhas para a Nike que se tornaram famosas por essa qualidade criativa, como “Find Your Greatness”. Mas ela participou também de outros trabalhos que conquistaram fama e prêmios, como “The Man Your Man Could Smell Like”, de Old Spice.

Entre suas missões na W+K estava ajudar a desenvolver projetos criativos em escritórios fora dos EUA, como o de Londres, que criou o filme “The Pony”, feito para a Three, do Reino Unido. “Uma empresa de telecomunicações que coloca um pônei para dançar, isso é corajoso?”, perguntou Susan. Cases como esses, ela sublinhou, não se limitam a uma questão de coragem.

Em sua viagem por cases que são essencialmente criativos, ela mencionou ainda duas peças da Nike super premiadas em festivais, “Da Da Ding” (da W+K Delhi, na Índia) e “Nothing Beats a Londoner” (da W+K London). “O que a Nike faz em cada região é único. Ela define algo que vai funcionar naquela região”, explicou. Susan disse que nada que é corajoso será necessariamente bom para os negócios. O foco tem de estar na meta da empresa. Qual é o objetivo, afinal?

Portanto, a questão não é, de fato, sobre coragem. Trata-se de fazer a coisa certa para a marca, para o consumidor, para a cultura, para os objetivos de negócios, resumiu a chairwoman. Se a agência se conectar realmente aos valores da marca e aos valores da sociedade, então, as decisões não precisarão ser as mais corajosas, e sim as corretas.

Ela comentou que adora a verdade, porém nem sempre é fácil encontrá-la. “A Nike nos permitiu conhecer a verdade. Penso que nossa publicidade é como se fosse parte do editorial”.

Foco no trabalho e caos na criação

Com seu estilo bem-humorado, Susan afirmou que o que torna a W+K tão criativa, “além das drogas”, é que o trabalho está em primeiro lugar. “Todos estão focados no mesmo objetivo”, emendou. Mesmo que isso envolva a liberdade de adotar até o caos como lema, que foi o que ocorreu na abertura do escritório de Londres, que foi inaugurado com um discurso de Susan. Mas caos é uma palavra cara também a Dan Wieden, co-fundador da agência.  E isso foi destacado por ela ao reproduzir uma de suas frases.

O caos faz aquela fantástica coisa que a ordem não consegue: engajar você. Ele te acerta direto no rosto e, com um alento bizarro, te propõe um desafio. Ele te obriga a se mexer, de um jeito que a ordem nunca fará. E ele te mostra todas as coisas e as merdas estranhas que a ordem vai tentar esconder. O caos quer que você cresça e te leva a fazer coisas como consequência disso”.

Outro valor da agência celebrado por Susan é não ter regras. As únicas estabelecidas desde o princípio são estas: não aja grande, não faça coisas cortantes, siga as orientações e cale a boca quando alguém estiver falando. Foram frases encontradas num caderno pelos fundadores da W+K e passaram a ser as regras da casa.

Há mais uma citação que Susan utilizou para ilustrar o estilo de criar da W+K. No caso, a frase escolhida é uma do escritor irlandês George Bernard Shaw, que afirmou que o progresso depende do homem insensato (“O homem sensato adapta-se ao mundo. O homem insensato insiste em tentar adaptar o mundo a si. Sendo assim, qualquer progresso depende do homem insensato”). Na visão da criativa, se desejarmos buscar a mudança temos de olhar para o homem insensato. “Ou, devo acrescentar, para a mulher insensata”, adicionou.

Para encerrar, Susan exibiu o filme com o jogador Colin Kaepernick, da NFL, feito para a Nike em comemoração pelos 30 anos do slogan “Just Do It”. O atleta protagonizou uma campanha em que se destaca a frase “Acredite em algo, mesmo que isso signifique sacrificar tudo”. Kaepernick, que vem se manifestando contra injustiças raciais nos EUA, chamou atenção do mundo ao não se ajoelhar durante a execução do hino americano nos jogos da NFL como forma de protesto, o que despertou a ira de Donald Trump. “Esse filme fez até o presidente ridículo fazer um comentário”, ironizou Susan. Ela emendou: “usem bem as plataformas com grandes mensagens. Temos mais ferramentas para trabalhar hoje”.

Perguntada pela plateia sobre diversidade, Susan disse que o assunto não era algo visto como importante alguns anos atrás. Mas que ela aprendeu muito sobre igualdade mais recentemente e acha que pode fazer mais pelo equilíbrio hoje. “Todos devemos entender a importância disso”.

 

Lena Castellón

Fotos: Airton Adas

 

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