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Festival do Clube 2018

Foto de guerra: “a morte só tem sentido se tiver imagem”

23.09.18

O que leva um bem sucedido jornalista e fotógrafo a abandonar a estável carreira em uma editoria de economia para se enfiar em trincheiras e escombros do Oriente Médio e do Leste Europeu, entre bombas e barbáries diversas, enfrentando a incerteza do próximo ataque e até do próximo pagamento, na imprevisível posição de freelancer? Foi tentando descobrir se há lógica nessa escolha que Fernando Costa Netto, fotógrafo e sócio da DOC Galeria, recebeu no palco do Festival do Clube um exemplo literal de tudo descrito acima: Yan Boechat.

Nascido no Rio de Janeiro, Boechat – que tem apenas um parentesco distante com o “primo rico”, Ricardo Boechat – era focado no trabalho de texto, fotografando apenas como lazer. Com o passar do tempo, as lentes foram dominando a maior parte de sua entrega para diversos veículos, iniciando pela economia e passando por política, até chegar à área de guerras e conflitos. “O fato de ser jornalista de texto, ter um contato mais aprofundado com o conteúdo que aquele meramente estético, fez sim muita diferença no meu trabalho como fotógrafo”, afirmou.

Netto, que foi um dos fundadores da revista Trip e diretor-geral do finado Notícias Populares, lembrou que a fotografia de guerra no Brasil é algo recente (“Cravo que teve início real em 2011”) e perguntou qual o motivo racional de se dedicar aos registros bélicos. Yan respondeu: “Acho que são momentos relevantes da história e me atrai saber que eu estou registrando tudo isso. Me fascina mais que denunciar os horrores da guerra. A produção jornalística é incapaz de frear tudo isso e o que me incentiva é poder acompanhar cada fato desse com meus olhos. Para mim, é um privilégio”.

Acompanhando conflitos duros no Oriente Médio, como a Faixa de Gaza (Palestina), Mossul (Iraque) e várias cidades da Síria, Boechat observou que, além da devastação, há diversos elementos geralmente desconhecidos do grande público sobre a região, que geram uma visão deturpada. “Quando falamos dos países árabes lembramos só de guerra e devastação. Mas Erbil, no Iraque, é uma cidade riquíssima, linda. Muitos pensam que o Oriente Médio todo é uma grande guerra, e não é. Muitas vezes você vê uma bomba caindo em um lugar e, a dois quilômetros dali, um vendedor de frutas está na rua com sua mercadoria, enquanto as pessoas caminham normalmente. De alguma forma, a vida continua”, comentou.

Essa percepção do Oriente Médio é nova na história. Eles eram muito bem organizados, com árabes, judeus e outros povos vivendo de forma pacífica – com muitos católicos, inclusive, até hoje. Pensamos que todo mundo é igual e com uma só religião, o que não é verdade. Então, essa construção de um lugar intrinsecamente violento é nova, e valeria tentarmos desconstruir”, completou.
O conflito real

Boechat destacou que cobrir guerra é muito diferente do que se vê na ficção, onde tudo é ação pura e frenética. Além disso, a presença em tantos conflitos, com cenas e situações extremas, transformam qualquer ser humano, por mais frio e profissional que ele consiga se manter. “A ideia de que a guerra é um contínuo filme de ação é bem equivocada. Estar no front é muito, muito caro. Ficar três dias parado, sem que nada aconteça, é desesperador. Pode parecer absurdo, mas chega uma hora que você torce para um carro-bomba estourar perto de você”, contou.

O fotógrafo disse que, ainda que adore estar naquele ambiente, ele não é do tipo corajoso. “Tento ser bastante cuidadoso, estabeleço alguns limites e até abro mão de algumas fotos muito boas pela segurança. Consigo atuar de forma bem tranquila, apesar de sempre assumir o risco de que algo pode dar errado. Eu curto o momento e, se não vier a melhor foto do mundo, não veio. Isso acaba facilitando o trabalho”, assegurou.
Liberdade e sensibilidade

Boechat se acostumou com o ambiente hostil da guerra e com as situações extremas que ela traz. Esse fato, porém, fez com que se acendesse um alerta sobre o julgamento cotidiano de situações extremas. “Outro dia postei no Facebook uma foto em que duas pessoas tiravam selfies com um corpo pendurado atrás delas. Um editor me ligou minutos depois questionando a publicação por lá e me dizendo ‘cara, isso é matéria’. Percebi que talvez esteja perdendo a sensibilidade. É muito fácil se acostumar com a barbárie. Ela está no nosso DNA”.

Mesmo assim, o jornalista critica a maioria dos veículos por censurar grande parte das imagens, pelo teor pesado de seu conteúdo, uma vez que são elas que mostram a realidade – e muitas vezes dão sentido aos acontecimentos. “A guerra é mais feia do que as imagens publicadas, mas os jornais não deixam a gente mostrar – eu acho que deveriam. Nós mesmos, fotógrafos, acabamos nos censurando e criando uma espécie de ‘estética da guerra’”, disse. “A morte só tem sentido se tiver imagem. Algumas coisas que acontecem lá, como o conflito entre Israel x Palestina, são mais simbólicas do que efetivas. E só com um registro em imagem isso ganha algum sentido”, completou Boechat.

 

Karan Novas

 

SERVIÇO

Festival do Clube de Criação

Quando: Setembro, 22, 23 e 24 - 2018 - sábado, domingo e segunda-feira

Local: Cinemateca Brasileira - São Paulo – Brasil

Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino

Hosted by: Clube de Criação

www.clubedecriacao.com.br

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55 11 3030-9322

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Transporte oficial: Cabify

Temos serviço de Shuttle para quem quiser estacionar no Hotel Pullman Ibirapuera
Horário: das 08h30 às 22h30
Trajeto: Pullman / Cinemateca / Pullman
Tarifa especial para o Festival: R$ 35 o período

 

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