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Inspiração

LiveTalks: o que faço para mudar o mundo?

24.10.16

Pode a publicidade mudar o mundo? A pergunta não é inédita, mas continua sem uma resposta à altura. Poder para a transformação o mercado tem. O que falta ao segmento, então? Talvez perguntas mais adequadas. “Será que estou empregando meu talento da forma certa”, questionou Lucas Mello, CEO da LiveAD, na abertura do LiveTalks, criado pela agência junto com a Profile para inspirar profissionais de diversas áreas da comunicação. Realizado desde 2013, o evento organizou nesta quinta-feira, 20, palestras de 15 minutos com temas que iam de sustentabilidade à arquitetura, de superação a racismo, e que levavam a uma reflexão sobre como tornar o mundo um lugar melhor.

Essa proposta podia não estar explícita em alguns dos momentos, como em uma palestra que abordou as ideias preconcebidas em torno dos gamers (um público ainda marcado por estereótipos e que movimenta uma indústria bilionária), porém sempre havia a disposição de gerar o questionamento. O gamer é exatamente o que imagino que seja?

A edição do LiveTalks deste ano brincou com a ideia de promover uma expedição em busca de inspiração, já que cotidianamente somos bombardeados por informações, o que pode nos atrapalhar na identificação de histórias que estimulam um novo olhar sobre o mundo.

O Clube de Criação esteve no evento e aponta aqui alguns exemplos e experiências de vida, como a da refugiada Sylvie Mutienne - que fugiu de militares no Congo, deixando para trás sua vida de advogada para ser faxineira no Brasil -, que provocam reflexões e que abrem a mente para novas aspirações ou redefinições de papéis.

Confira:

- Marko Brajovic, arquiteto croata com projetos em que há metáforas ou designs inspirados na natureza. Há dez anos atua no Brasil e entre seus trabalhos estão a mostra no MIS sobre David Bowie, em 2014, e o pavilhão do Brasil na Expo-Milão de 2015. É autor do livro In Nature We Trust, um manifesto naturalista. “Vivemos uma transformação das estruturas sociais, que saíram da centralização para a descentralização. Democracia hoje se discute nas ruas. Estamos numa evolução pós-industrial, que está baseada sobre paradigmas orgânicos. Antes, tínhamos uma arquitetura de compressão. Agora é de tensão, de inter-relação, de sinergia. Na arquitetura, as forças também devem ser integradas. O melhor design que existe é a natureza. Uma floresta é um exemplo de inter-relacionamento entre um indivíduo e um grupo. A floresta é coletividade, é reciprocidade. É um polo tecnológico. E o Brasil é rico nesse sentido.”

- Peèle Lemos e Yentl, casal de publicitários. Ele de Goiás. Ela, do Rio Grande do Sul. Conheceram-se em São Paulo, trabalhando. Peèle recebeu um convite para trabalhar em Miami e o casal migrou para os EUA, iniciando uma trajetória de mudanças pelo país e de retorno ao Brasil, que culminariam em novas experiências, como fabricar queijo de cabra e viver dentro da área de Inhotim, ao trabalharem para a instituição. Hoje, moram em um sítio em Catuçada, cidade do interior paulista com 800 habitantes, e de lá desenvolvem projetos de design que propõem uma nova vida contemporânea, na qual estão presentes alimentos orgânicos, ritmo mais ligado aos ciclos da natureza e com a compreensão de que viver pode ser mais simples. “Nos EUA, aprendemos a ser mais autônomos. Resolvemos viver em outros ambientes. Fazemos da roça um laboratório vivo, em que fica claro que os processos são inter-dependentes. Porque se eu não separo o bezerro à tarde, de manhã não terei leite. Entendemos que a natureza é abundante. Uma galinha põe mais de 300 ovos por ano. Compreendemos que as relações podem ser mais simples. Existem outras moedas. Nosso custo de vida ficou baixo. Mas uma das moedas é o tempo. Tempo é o que a gente aproveita para fazer as coisas. Hoje, quando vamos à cidade grande, como São Paulo, ela não nos consome. A gente se aproveita dela. Nosso sítio fica a 5 km do centro da cidade e vamos até lá de carro. Sempre encontramos na estrada a dona Cecília, uma senhora que vai andando até a cidade. Oferecemos carona e ela nunca aceita. Um dia insistimos e ela nos explicou porque não queria a carona. ‘Se eu pegar carona, aí vou chegar cedo demais’. É uma lição”.

- Sylvie Multienne, advogada congolesa e refugiada no Brasil. Em 2013, já no final do dia, ela recebeu uma ligação, avisando que seu marido havia sido preso por ter participado de uma manifestação contra o governo. Sylvie não conseguia localizá-lo. Foram três semanas até descobrir algo a respeito dele. Ele ligou, fugindo da prisão e disse apenas para ela sair de casa. Desligou e Sylvie não soube mais notícias dele. Mas ela não quis deixar seu lar. Naquela mesma noite, sua casa foi invadida por militares, que a ameaçaram e a seus filhos. Sylvie decidiu deixar o país. Meses depois, partiu num navio cargueiro. Ficou carregando seus dois filhos por 40 dias, em um espaço exíguo. Chegou a São Paulo sem saber como tinha vindo parar na cidade. Acabou em um abrigo, feliz por ter acesso a cama e chuveiro. Sua maior preocupação naquela época era ter dinheiro. Aceitava qualquer trabalho, inclusive faxina, porque tinha de alimentar seus filhos. Um dia, foi à entidade que a ajudava, a Cáritas, para tentar obter um remédio para seu filho. Então ouviu lá alguém gritar: ‘cadê a pasta do fulano?’ O nome que captara era exatamente o do seu marido. Levou um dia para confirmar. Era seu marido. Ele veio para o Brasil sem saber onde estava sua família. “A gente se encontrou de novo. Meu marido é meu destino. Mas o Brasil também é meu destino. O Brasil me escolheu. Continuo lutando. Mas eu agradeço. Agradeço ao Brasil”. Sylvie aceita qualquer trabalho, como diz, com um sorriso no rosto. Seu marido está fazendo bicos. Agora eles têm mais uma criança: Beatriz nasceu no Brasil.

- Luana Gérot, ex-modelo e criadora do Instituto Identidades do Brasil, de direitos humanos com foco na luta pela igualdade racial. Quando modelo, sofreu preconceito, no Brasil e no exterior, por ser negra. “Nem sempre tive orgulho de ser quem sou. Ser negra é um processo. Já tomei banho esfregando a pele para deixar de ser quem sou. Uma vez disse para minha mãe que não queria ir mais para a escola. Ela me levou até lá e soube que me chamavam de saci. Reclamou com a professora, que disse que aquilo era brincadeira de criança. Minha mãe me tirou de lá. Uma vez disseram que, por ter 1m10cm de perna, poderia ser modelo. Disseram que tinha uma beleza exótica. Existe isso, como na música da Mc Soffia: meninas pretas não são bonitas. São exóticas. Virei modelo. Comecei a ver muitas coisas. Vocês já repararam que os xampus para cabelos normais só mostram cabelos lisos? Isso quer dizer que meu cabelo não é normal? Em 2009, depois de ter falado sobre racismo nas passarelas, perdi meu trabalho numa agência. Então, lancei um blog chamado O lado negro da moda. Olhei muito para dentro de mim para entender algumas coisas. Um estudo do Instituto Ethos aponta que levaremos 150 anos para igualar o número de executivos negros ao de executivos brancos nas empresas. Não podemos esperar tudo isso. Com o instituto, procuramos engajar empresas na discussão da igualdade racial. Hoje eu sei: ser negro é uma conquista. Olhar para dentro ajuda a mudar o mundo. Perguntem-se: o que dentro de vocês faz deste mundo um lugar melhor”.

- Susana Schnarndorf Ribeiro, paratleta gaúcha, ganhadora de uma medalha de prata de natação nos Jogos Paralímpicos Rio 2016. Pentacampeã brasileira de triatlo, um dia Susana não conseguiu respirar direito. Estava sufocando sem saber a razão, mas controlou-se e voltou a respirar. Teve uma sucessão de problemas e procurou auxílio médico. Recebeu diversos diagnósticos e prognósticos. Entre eles, o de um médico que lhe disse que tinha seis meses de vida. Susana sabe o que tem. Há 11 anos é portadora de Atrofia de Múltiplos Sistemas (MSA, na sigla em inglês), doença degenerativa rara que ataca seu organismo, afetando movimentos, a respiração e outras funções. Habituada a treinar bastante desde cedo, sua vida mudou completamente. Estava perdendo movimentos. Uma vez lhe recomendaram hidroginástica. Ela experimentou, mas não gostou. Na ocasião, resolveu tentar nadar no outro lado da piscina, onde conheceu nadadores da seleção brasileira paralímpica que estavm treinando no mesmo local. Foi quando se reencontrou. Tornou-se paratleta, sagrando-se campeã mundial em 2013. A doença, porém, a desafia continuamente. Porque seu corpo está parando. Mas não Susana. Em 2014 e 2015, seu quadro piorou muito. A Rio 2016 estava no sonho, no entanto, ainda estava longe de se concretizar. Foi reavaliada e mudou de categoria na natação. Conseguiu classificação para a Rio 2016 e seus filhos puderam vê-la pela TV na abertura dos Jogos Paralímpicos. “Tive a oportunidade de ser feliz de novo quando entrei para a natação paralímpica. Quando aquele médico falou que eu tinha seis meses de vida, reagi dizendo que ele poderia sair do consultório, atravessar a rua e ser atropelado. Eu ainda iria ao enterro dele. Disse isso e fui embora. Ninguém sabe quanto tempo de vida existe. Passei por dois anos ruins e não sabia se iria para a Rio 2016. E eu fui e consegui uma medalha de prata. A gente tem de acreditar na gente. Tem de se levantar, agradecer e ser feliz.”

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