arrow_backVoltar

Mulheres no cinema

Elas querem + chances de orçar projetos e direitos iguais

29.03.18

A inclusão de mais mulheres no mercado de cinema é um desafio que vem ganhando mais atenção nos últimos anos, dentro e fora do Brasil. Iniciativas como o Free The Bid tentam ampliar a participação delas nos projetos publicitários. No cinema, recentemente o mundo soube de um recurso para aumentar a diversidade nas equipes técnicas e nos elencos. E soube porque a atriz Frances McDormand, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz neste ano, agradeceu o prêmio convocando as mulheres a se unirem e encerrando com duas palavras em inglês que repercutiram na mídia: inclusion rider.

Frances, que, no filme Três Anúncios Para Um Crime, faz o papel de uma mãe que luta para que os assassinos de sua filha sejam descobertos e punidos, pediu às mulheres presentes no Oscar que ficassem de pé. “Olhem à sua volta. Todas nós temos histórias para contar e projetos para serem financiados. Não falem com a gente na festa hoje, mas nos convidem para irmos aos escritórios de vocês”, disse, dirigindo-se ao público geral.

Antes de sair do palco, ela deixou as tais duas palavras ecoando entre a plateia e fora do teatro, virando trending topic nas redes sociais. A expressão se refere a uma cláusula que atores podem pedir em seus contratos, exigindo que o elenco e a equipe de filmagem tenham um determinado nível de diversidade (leia mais aqui).

Como parte das reflexões promovidas pelo Dia da Mulher – estendidas ao longo do mês –, o Clubeonline tem ouvido profissionais em distintos segmentos para saber mais dos obstáculos que elas enfrentam e o que é possível para aumentar a participação delas nos mercados. Já ouvimos Mulheres na Publicidade e Mulheres no Esporte. Agora é a vez de Mulheres no Cinema.

Fizemos quatro perguntas para cada uma das mulheres procuradas pelo Clubeonline: se enfrentou algum problema por ser mulher, o que falta para aumentar a participação delas no setor, se é viável o mercado brasileiro adotar uma cláusula de inclusão (como a apontada por Frances McDormand) e que conselhos daria para facilitar a vida da mulher no cinema. Cada uma das profissionais ouvidas – três diretoras e uma atriz – tem uma história diferente de envolvimento com o cinema. Acompanhe:

 

SUZANA AMARAL

Diretora do premiado A Hora da Estrela (1985), Suzana Amaral é cineasta, roteirista, diretora de TV e professora. Nascida em São Paulo em 1928, fez cinema na ECA/USP, na primeira turma, e pós-graduação em direção na New York University. Tem mais de 50 curta-metragens feitos para o programa Câmera Aberta, da TV Cultura.

Seu primeiro longa, A Hora da Estrela, roteiro assinado por Suzana e baseado na obra de Clarice Lispector, rendeu à Marcélia Cartaxo o Urso de Prata como Melhor Atriz do Festival de Berlim de 1986. Suzana fez consultorias de roteiro e filmou ainda Uma Vida Em Segredo (2001) e Hotel Atlântico (2009).

Preconceito? Com ela, não

Em sua longa trajetória, iniciada em 1977, nunca enfrentou uma situação de preconceito por ser mulher. Por outro lado, nunca se interessou em saber se haveria algum problema por causa disso.

Apesar disso, o que falta no Brasil para que as mulheres participem mais da indústria cinematográfica? “Falta dinheiro para os projetos. Falta dinheiro de um modo geral no cinema. Também precisamos de políticas públicas. As atuais são erradas”.

Questionada sobre a viabilidade no país de uma cláusula de inclusão como a mencionada por Frances McDormand, Suzana descartou a proposta, que considerou “propaganda barata”.  Para ela, importa mais focar no projeto que se está fazendo – afinal, a situação do setor é muito diferente no Brasil (em comparação aos EUA). “Falta muita mulher no cinema, sim. É uma carreira difícil. Acho que tem uma questão social. O cinema precisa de mais investimento”.

Mulher que começou a se preparar para o cinema depois de ter tido seus nove filhos e que fez seu primeiro longa aos 53 anos, Suzana tem uma dica para as demais mulheres que queiram prosseguir ou iniciar carreira na área. “Vá em frente. Brigue. Tenha força de vontade”.

 

..........

 

CAROLINA JABOR

Com seu segundo longa de ficção prestes a entrar em cartaz – Aos Teus Olhos, com Daniel de Oliveira, em 12 de abril –, Carolina Jabor marca 25 anos de carreira no cinema. Integrante do conselho artístico e criativo de Hysteria (núcleo da Conspiração de produção de conteúdo e curadoria feitos por mulheres), ela lançou em março a série Desnude, no GNT, sobre a sexualidade feminina.

Machismo não dito

Comecei a trabalhar muito cedo como assistente de direção. A Conspiração estava começando”, lembra ela, que diz não ter sofrido nenhum problema direto, assumido, por ser mulher. “Acredito ter sofrido o machismo não dito. Dificuldades de ser aceita mais cedo como diretora. Na publicidade, onde também atua, Carolina nunca pode orçar um filme de carro, por exemplo. “Quando vi, orçava e filmava somente filmes de produtos para mulher, donas de casa... Hilário”, comenta.

Como aumentar a presença de mulheres na indústria cinematográfica? Para Carolina, é preciso de fato dar mais oportunidades e oferecer direitos iguais.  Para isso, elas podem se aliar. “Acabei de fazer um projeto onde nos empenhamos em ter a maioria de mulheres na criação e no set e foi lindo”, conta.

Ela considera que um mecanismo como a cláusula de inclusão seria bom para o Brasil. Exatamente para que se crie um movimento pela igualdade. “Temos atrizes e atores com muita força no mercado. Deveríamos lutar por isso também”. Em Hollywood, a popularidade de algumas estrelas podem levar projetos de filmes a realmente inserirem mais diversidade nas produções. Daí a importância de artistas famosos e desejados encamparem essa batalha.

O conselho que Carolina dá para quem quer construir seu nome no cinema é acreditar em sua força. O recado dela é: “Não tenha medo de liderar, não se subestime, estude bastante e se jogue”.

Carolina estreou na direção de um longa-metragem em 2014, com Boa Sorte, estrelado por Deborah Secco e João Pedro Zappa. O filme conquistou o prêmio do público no Festival do Cinema Brasileiro de Paris. Seu novo projeto, Aos Teus Olhos, levou o Prêmio Petrobrás de Cinema na 41ª Mostra São Paulo, e o troféu de Melhor Filme de Ficção e o de Melhor Direção no 25º Mix Brasil. O filme conta a história de um professor de natação infantil que sofre um linchamento virtual imediato ao receber uma acusação de uma mãe, via rede social.

 

..........

 

KITTY BERTAZZI

Como muitas profissionais do mercado audiovisual, Kitty Bertazzi, da O2, vem construindo sua carreira entre o cinema, a TV (aberta e fechada) e a publicidade. Estudou cinema na New York University. Trabalhou com Fernando Meirelles em um dos primeiros projetos do diretor para o cinema, o longa-metragem Domésticas.

Há dez anos é diretora de cena. “Fui muito bem recebida no mercado, mas a sensação é que mulher tem de trabalhar em dobro para acontecer”, comenta Kitty, acrescentando que sempre fez hora extra. “Não tive muitos problemas, mas já deixei de ser escolhida para projetos por ser mulher”, revela.

Mulheres precisam acreditar em seus talentos

Na visão de Kitty, a participação da mulher no cinema irá crescer gradualmente. “Acho que é como toda minoria: o espaço vai sendo conquistado aos poucos. Não dá para mudar um hábito cultural de uma hora para a outra”. Mas para isso acontecer é necessário o empenho da própria mulher. “Precisamos acreditar mais na nossa capacidade e no nosso talento e mostrar isso para o público. Com o tempo, a indústria cinematográfica vai assimilar. Assim espero”, diz.

Além disso, ela salienta a necessidade de estimular jovens mulheres a estudar e aspirar cargos criativos. “Se elas não acreditarem que podem conquistar esse espaço, estamos perdidas. São elas que vão colaborar para que a porcentagem de mulheres na indústria aumente”.

Se houver, porém, uma forma de engajar o mercado nessa discussão, seria melhor. Ela considera viável o estabelecimento em contratos de itens para assegurar mais mulheres nas produções e no elenco de filmes. “Temos um movimento na publicidade chamado Free the Bid, que algumas agências do Brasil já assinaram . Elas se comprometem a ter pelo menos uma diretora mulher em cada concorrência”, explica Kitty, que faz parte do grupo. “Isso pode acontecer em outros setores também. Não sou muito a favor de imposições, mas acho importante que pelos menos se conheçam os trabalhos das mulheres e esse projeto tem isso como intuito”.

Essa medida é fundamental. “Não vamos trabalhar se não pudermos orçar e mostrar nossos repertórios. Como a porcentagem é discrepante, é necessária a inclusão sim”, reforça.

Que conselho daria a uma jovem que sonhe com o cinema? “Acredite! Corra atrás, dê o sangue e imprima um trabalho bacana. Alguém vai ver com certeza”. O conselho vale para quem já está no mercado e deseja alçar novos voos.

 

..........

 

BIANCA COMPARATO

Com 13 anos de carreira, a atriz Bianca Comparato soma mais de 20 projetos de cinema e séries. E, mesmo com produções em andamento, ela concluiu o curso de cinema na PUC-RJ em 2010. Chegou a ter aulas com João Moreira Salles sobre documentário.

Protagonista de 3%, primeira série 100% brasileira da Netflix, Bianca tem experiências diferentes no currículo: do teatro ao streaming. No cinema, começou em 2006, em um curta-metragem. Em 2013, fez o papel da jovem irmã de Renato Russo no filme Somos Tão Jovens, pelo qual foi escolhida Melhor Atriz Coadjuvante no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Bianca está em quatro filmes deste ano: Talvez Uma História de Amor, Todas as Razões para Esquecer, Doce Coração Cleptomaníaco e Morto Não Fala.

Ao falar da luta das mulheres no cinema, ela faz um resgaste de te sua história. “Olhando para trás, vejo que já me desvalorizei por ser mulher, me faltou força para lutar num meio dominado pelos homens”, diz. Após tantas produções na carreira, Bianca se sente diferente. “Isso mudou. Eu me sinto mais empoderada que para lutar pelo que é justo e pelo que acho  certo”.

Personagens femininos fortes e igualdade salarial

Para melhorar o quadro atual, seria importante ter mais roteiristas. É o que Bianca defende. “Acredito que o principal é termos mulheres roteiristas que saibam escrever bons personagens femininos, com um olhar de dentro pra fora. Aí, todo o resto vem a reboque. Se a voz primordial for feminina, já temos todo resto”.

Para a atriz, é essencial também mostrar aos homens a necessidade de igualdade. “Não temos de excluir os homens para ganhar espaço. Temos de criar novos espaços em conjunto e com igualdade salarial. É uma vergonha homem ganhar mais do que uma mulher na mesma função simplesmente porque é homem”.

Admiradora de Frances McDormand, Bianca também considera viável a criação de uma cláusula pela igualdade nas produções cinematográficas. “É muito viável. É só haver união. Às vezes, acho que é isso que falta”. Ela considerou o discurso da atriz americana no Oscar inspirador e corajoso.

Dicas para facilitar a vida de outras mulheres no cinema? “Não existe caminho fácil. Só trabalho duro leva ao sucesso. Basta não desistir”, recomenda Bianca.

 

Lena Castellón

Mulheres no cinema

/