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O Espaço é seu 1

Indústria da música uma espécie em extinção?? (Mauricio Herszkowicz)

18.03.19

Quase uma espécie em extinção. Quase


Ouvi falar do SxSW pela primeira vez quando comecei a cursar faculdade de música nos Estados Unidos, em 2007. 


A indústria da música estava mergulhada na crise, sem dar sinais de melhora, e levava com ela toda uma gama de profissionais, 99% dos quais não eram artistas ou bandas. Executivos de gravadoras, produtores musicais, engenheiros de som e donos de estúdios estavam entre os mais cotados para ingressar no triste time dos “espécie em extinção”. 


As gravadoras, numa tática desesperada de sobrevivência, começaram a processar consumidores por baixar músicas em sites de torrent. Estúdios de gravação, como um lendário da Sony em Nova Iorque, anunciaram o fim das operações. E as lojas mais importantes do meio, como Virgin e Tower Records, também fechariam as portas nos anos seguintes, pregando os últimos pinos do caixão da indústria do CD.   


Nessa época de estudante, tudo o que passava pela minha cabeça era como explicar para os meus pais que o dinheiro investido (em boa parte por eles) estava bancando os estudos de um aspirante a produtor musical, potencialmente a próxima espécie em extinção. 


Fast Forward 12 anos. Nesta última quinta feira, Merck Mercuriadis, um dos principais  empresários da indústria, começou sua palestra dizendo que ficaria feliz da vida se seus filhos ou outros jovens desejassem ingressar no ramo da música, já que a fase atual promete ser a melhor da história (isso vindo do executivo que passou pelas fases de ouro do negócio, nos anos 1980 e 1990). 


O que mudou de lá pra cá? A julgar pela vibe dos meus dias no SxSW, razões para comemorar não faltam. 


Sentado ao lado de Merck, estava Nile Rodgers. Na minha opinião, se Quincy Jones é o Pelé da produção musical, Nile é Garrincha (ou Maradona, se você é argentino). Fundador da banda Chic, Nile foi um dos grandes arquitetos da Disco Music, e fez história ao produzir os trabalhos mais marcantes de David Bowie, Madonna, Duran Duran, e uma lista interminável de estrelas da música pop. Fonte de inspiração para os primeiros trabalhos do Daft Punk, Nile foi um dos produtores e “masterminders” do último trabalho da dupla dos robôs, Random Access Memories.


Merck e Nile fundaram o fundo Hipgnosis, única empresa de direitos musicais listada na bolsa de Londres. O prospect do fundo é baseado na ideia de que obras musicais possuem valor de investimento, similar a petróleo ou ouro. O fundo já levantou cerca de 300 milhões de libras e está investindo pesado na aquisição de obras pelo mundo. 


O produtor contou uma história que ilustra bem o valor potencial de uma música. Nos anos 1990, foi convidado a escrever uma música para um filme. O tal filme foi um dos maiores fracassos do ano, tão ruim que ficou poucos dias em cartaz. Ninguém ouviu a música. Ou quase ninguém. No final da década, a banda Modjo reestruturou a mesma música e lançou o single “Lady (Hear me Tonight)”, sucesso que rendeu milhões de dólares a Niles. Ou seja, uma obra pode ficar escondida ou esquecida por décadas, e ressurgir das mais variadas formas.  


Rodando por outras palestras do SxSW Music, o otimismo reinou. 


O maior segmento de todos, o do Hip Hop, há muito já engoliu o Pop e promete continuar sua expansão global, catapultando o estilo musical que surgiu no Bronx, no começo dos anos 1970, ao status de lifestyle, algo muito maior do que um estilo musical. O CEO da Complex, magazine especializado em cultura jovem, contou como na China há diversos bares e discotecas completamente imersos na cultura Hip Hop. O movimento gera e ventila negócios para diversos setores da economia.  


No mundo Indie, o famoso DIY (do it yourself, ou faça você mesmo) continua a ser mantra. Mas até mesmo o DIY possui contornos diferentes daqueles que já havíamos nos acostumado. Hoje, o artista independente possui um arsenal de ferramentas à sua disposição, aumentando suas chances de monetização e de encontrar uma audiência que o siga por anos. Ari Herstand, autor do aclamado “How to make it in the music business”, demonstrou como hoje em dia há inúmeras maneiras de ser bem sucedido no ramo, ao contrário de outras épocas, onde a única possibilidade de fazer sucesso era vendendo “x milhões” de discos. Um bom exemplo é o artista Lucidious, que não toca ao vivo, não tem gravadora nem empresário, e vem fazendo algo próximo a 20 mil dólares por mês com suas receitas de streaming. 


Falando em streaming, músicas novas e antigas estão chegando aos ouvidos do público, com maior rapidez e eficiência. Pessoas que antigamente nem estavam acostumadas a comprar CD’s ou fazer download (legal) de músicas, agora não vêem nenhum problema em pagar uma quantia fixa por mês para ouvirem o que quiserem, na hora que quiserem. Ou seja, existe um dinheiro entrando nesse mercado que não estava presente nem nos tempos de ouro da indústria. Estima-se que, até 2020, o mercado de streaming atingirá a marca de 200  milhões de usuários pagantes. Até 2030, a previsão é de que haja 2 bilhões de usuários pagantes. Muito se fala sobre a distribuição desses royalties, e se efetivamente ele está indo parar nas mãos dos autores ou não, mas, como em qualquer mercado incipiente, é de se esperar que as distorções sejam corrigidas com o tempo.   


E como falar em SxSW sem mencionar os shows ao vivo? Centenas de artistas e bandas se misturando e trocando energia com o público, numa cacofonia de fazer inveja a qualquer festival do mundo. Meus destaques pessoais foram pra cantora e rapper Lizzo e para a banda Black Pumas. Khalid e Billie Eilish também mostraram porque estão a poucos passos do estrelato global. 


A julgar pelo otimismo desse ano, que venha o SxSW 2020!



Por Mauricio Herszkowicz, diretor de criação da MugShot e autor do projeto AlterMauz, que conta com a participação de artistas como Bernhoft e Zeeba. 
Leia texto anterior do Maurício, no SxSW, aqui.
 

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