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Propaganda reality show

Heineken e Reclame Aqui deixam alguns aprendizados

10.06.16

Uma ação de inegável sucesso. Assim pode ser descrito vídeo da Heineken feito para a final da Uefa Champions League, criado pela Publicis Brasil, que tomou a mídia social no dia 05. Com 12 milhões de views no Facebook – até o fechamento desta reportagem –, The Cliché mostra três homens instados a “despachar” suas namoradas para um spa na data da grande decisão do torneio europeu. Tudo isso na base da “mentirinha”. Os três rapazes recebem, às escondidas, uma proposta da marca de cerveja para ir ao Allianz Parque, e um vale-presente para ser entregue às parceiras. Eles simulam ter planejado este agrado, enquanto saboreiam a ideia de ver o embate entre Real Madrid e Atlético de Madrid em um evento organizado pela marca de cerveja na arena do Palmeiras. A surpresa é que as namoradas, aparentemente ludibriadas, acabam premiadas com uma ida ao estádio San Siro, em Milão, para assistir in loco à final, vencida pelo time merengue. O fato é revelado aos três homens em um telão, diante dos convidados do evento, em São Paulo. Se fosse um jogo de futebol, seria o equivalente a uma virada no último minuto da partida (leia mais sobre a ação aqui).

O desfecho da campanha, assegurando aos três casais a presença na próxima final da Champions, já é sabido por muita gente porque rapidamente o vídeo viralizou pelas redes. Mas a mídia social é pródiga também em propagar reações que fogem ao controle dos envolvidos. Um blog (Máquina do Esporte) colocou em dúvida a veracidade e autenticidade da ação, dizendo que dentre os protagonistas havia dois ‘atores’, sendo que um deles teria participado de outra ação recente, que também ‘viralizou’:  “Jantar da vingança”, do Reclame Aqui, com criação da Greyleia mais aqui. Neste segundo caso, um dos executivos convidados ser um ator também comprometeria a legitimidade da proposta, e ainda mais seriamente.

E o diz-que-me-diz ganhou volume, com outros blogs reproduzindo o texto.

Agências contestam as acusações

O Clube de Criação procurou as agências para saber se atores foram de fato contratados para a produção dos dois vídeos. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Publicis garante a autenticidade das respostas e reações dos três casais retratados na campanha The Cliché – a Heineken já havia respondido ao Máquina do Esporte dizendo que tinha, sim, sido contratada uma agência de casting, mas para compor a campanha, sem que qualquer script houvesse sido passado aos personagens.

A Grey, também por meio de sua assessoria de comunicação, assegura que não foram contratados atores no lugar dos executivos filmados no restaurante. E afirmou que fizeram a opção de proteger informações, mesmo sabendo que alguns questionamentos poderiam surgir. O comunicado diz que “‘O Jantar da Vingança’ é uma ação publicitária planejada e produzida, ao longo de meses (...). Executivos que aparecem no vídeo são reais, mas, como todo filme publicitário, também contamos com a participação de atores (no papel de garçons e figurantes). Desde o início, agência e cliente decidiram por não revelar a identidade de nenhum dos envolvidos, as empresas em que trabalham, bem como datas e locais de filmagem. Reclame Aqui e a Grey acreditam que o mais importante dessa iniciativa é outra questão: gerar discussão em torno dos direitos do consumidor”.

O Clube apurou que o rapaz que estaria, segundo o Máquina do Esporte, nos dois trabalhos e é chamado de 'ator', nunca atuou na vida, mas é modelo e já fez fotos para catálogos de moda e coisas parecidas, o que não atrapalharia em nada sua escolha para participar da ação, que se fez obviamente pelo fato de o anunciante ter buscado pessoas com perfil estético mais próximo ao da elite (é o mesmo caso do outro rapaz que aparece no vídeo e é modelo, mas foi chamado de 'ator' pelo blog). Mais do que isso, nos aprofundamos bastante na apuração (por esse motivo a demora na publicação desta matéria) e, até o momento, não conseguimos descobrir nada que levasse a crer que um dos rapazes de Heineken aparece também no vídeo da Grey. Esse fato é muito importante porque devolve, a princípio, a credibilidade ao projeto do Reclame Aqui, desde que, óbvio, os executivos sejam de fato executivos, ainda que de empresas menos conhecidas - pois acreditamos que se fossem de grandes empresas, líderes em reclamação no Reclame Aqui, eles já teriam sido identificados pelo mercado.

Assim sendo, e deixando de lado suspeitas que se revelam até aqui infundadas, os objetivos das campanhas foram atingidos.

A Heineken, que foi Anunciante do Ano em Cannes em 2015, marca um gol no Brasil ao apontar, com criatividade e uma produção digna da Uefa, que é essencial ampliar os horizontes e derrubar ideias preconcebidas, como as de que mulheres não gostam de cerveja e de futebol. A rápida adesão do público feminino à campanha é prova disso. O Reclame Aqui, por meio do 'jantar', deu aos consumidores que sofrem em seu dia a dia com o descaso de centenas de empresas,  o prazer de saborear o gostinho da vingança, como um prato frio.

Mas é interessante aproveitar o ruído gerado pelas acusações para pensar um pouco mais nessas ações que prometem envolver ‘pessoas reais’, histórias reais’ e portanto garantem ao consumidor 100% de autenticidade nas reações registradas. A linguagem remete ao estilo dos realities shows, que já foram muito questionados em seus primórdios na TV, há cerca de 18 anos, mas que hoje encontram seu espaço, com processo já assimilado pelo telespectador. Com a publicidade, essa história ainda é nova. Os primeiros cases do tipo por aqui talvez tenham uns cinco, seis anos, e sejam aqueles premiados do Bar Aurora (nesse caso, sem uso de agência de casting): um em que se entregava uma conta gigante (de cerca de 70 mil dólares) aos clientes, e o outro, o do manobrista bêbado (Drunk Valet). Fato é que se o consumidor desconfia da autenticidade da propaganda, é preciso atenção. É preciso ouvir o que ele está dizendo.

Outros vídeos já tiveram questionados a veracidade das respostas de seus personagens ou o alcance da ação, muitas vezes uma estratégia de um tiro só. Ou seja, uma ideia que existiu como experimento e que não progrediu e não “escalou” ou que impactou um número reduzido de pessoas, mas que dava a impressão de ter atingido um contingente maior.

O Clube foi ouvir o professor Eric Messa, coordenador do núcleo de inovação em mídia digital da FAAP, para analisar esses ‘ruídos’ na comunicação.

Clube de Criação – O público anda desconfiado de campanhas que trazem as tais ‘respostas reais’, ou seja, reações apresentadas como autênticas? Está havendo um exagero na busca por esse tipo de estratégia?

Eric Messa – Discordo de que seja um caminho exagerado. No esforço de 'sobrevivência' das marcas, a linguagem publicitária está passando por um processo de reinvenção. A sociedade está mais crítica à propaganda. Na comunicação, não basta mais destacar os diferenciais de um produto. De fato, a publicidade precisa se inserir no cotidiano das pessoas. Os consumidores aceitam mais as campanhas que se relacionam com o real. Dove conseguiu fazer isso. O que está acontecendo agora remete aos realities shows. Eles são um sucesso na TV porque as pessoas querem ver como se sai um cidadão normal no programa. É uma maneira de elas se sentirem participando. Essas discussões sobre se há ator participando de uma campanha lembram o início dos realities shows, por aqui. Na primeira e na segunda temporada do Big Brother Brasil (2002 e 2003), se discutiu muito se os participantes eram autênticos. Depois, isso se diluiu, porque a sociedade construiu uma massa crítica em relação aos realities da TV. Todo mundo aceita a ideia de que há uma edição, de que há uma orientação. O telespectador tem repertório a respeito desse processo e é ele quem escolhe quem 'sai da casa'. Na publicidade, essa discussão ainda está começando.

Clube – Como avalia a repercussão em torno dos vídeos de Heineken e Reclame Aqui?

Messa – Fiz um post a respeito da campanha de Heineken, mas porque critico o excesso de ‘plasticidade’ do comercial. Em seguida, fizeram comentários dizendo que 'estava tudo combinado'. Foi então que soube da acusação de ter atores e até de que um deles teria participado do filme do Reclame Aqui. Acho que a publicidade tem duas opções. Uma é fazer com que tudo seja de fato real. Outra é simular a realidade. Há um caminho a ser percorrido. Um comercial de varejo, claro, não pode fazer isso. Preço é preço. Mas outras campanhas podem. O importante é que o caminho seja transparente. O comercial estereotipado está sendo rejeitado, aos poucos. Não vejo problema algum em uma campanha ter casting. Mas se o filme do Reclame Aqui diz que quem está lá é um diretor de empresa e se, na verdade, fosse um ator, daria razão à polêmica, claro. Porque obviamente seria enganação. A estética é de câmera escondida, o que se propõe a ser real. Poderia ter sido feito um filme encenando a situação, mas não com aquela linguagem. Por outro lado, não critico a publicidade que usa a linguagem do reality show. E como se faria sem um casting? A agência iria para um lugar pegar ao léu uma pessoa e começar uma ação? Sempre poderá ter alguém que vai dizer que não vai participar ou autorizar. É mais complexo. Num casting, é quase óbvio entender que há uma orientação, mas basta dizer que é uma ação da Heineken e pronto. Não há problema nisso. A crítica seria se as pessoas tivessem recebido um script. Desse modo, se justificaria uma reclamação. A questão a ser feita é uma só: os personagens tinham script ou não? Receberam um roteiro? Se não receberam, como afirma o anunciante, e a conversa foi espontânea, tudo bem. Mas, de maneira geral, acho que a publicidade tem dificuldade de entrar na onda da transparência.

Clube – Como evitar esses ‘ruídos’?

Messa – A massa crítica em torno da publicidade com linguagem de reality show ainda está sendo construída. Estamos numa primeira fase, em que há muito auê sobre uma campanha ser verídica. É importante se questionar a respeito de cada ponto levantado pelo consumidor, que está se munindo de repertório, para que os publicitários aprendam o que o público aceita e o que não aceita. Essa construção é uma combinação com a sociedade. O interessante é que a publicidade quer ir por um caminho, mas parece temer esse caminho. Vejo campanhas que abraçam determinada direção, que parece ótima, mas que de repente param. As agências devem se questionar: por que construir algo que dure apenas o tempo de um filme, e não projetos que durem dez anos? Essa discussão sobre a linguagem de reality show surge em um momento em que a publicidade passa por experimentações. E vai haver ruído mesmo, durante está fase de experimentação ou transição. Vejo valor nas agências que experimentam projetos e caminhos. Não quero que se vete a criatividade. Mas li a respeito de uma ação internacional em que se criou um aviãozinho em formato de passarinho para se jogar protetor solar em crianças. Como se o protetor fosse cair direitinho nas crianças. Imagine se o consumidor não vai achar que isso é falso? Mas, ainda assim, prefiro acreditar nos exercícios de experimentação e valorizar os que estão em busca do novo.

Sobre Corinthians e DM9

Vale registrar que a DM9DDB foi citada em matéria da Folha (aqui), em maio, que discorre sobre ação que teria sido feita pela agência em Itaquera (SP), em partida entre Corinthians e Novorizontino, e que teria usado atores no lugar de torcedores. Procurada, a agência não quis falar sobre o assunto. Conseguimos apenas ouvir de fontes, em off, que se tratava de uma 'experimentação', um teste para 'transformar a voz dos torcedores em mídia', ou algo assim, e que geraria recursos para o Clube de Futebol. Mas a tentativa não teria dado certo, porque não houve adesão suficiente, e, quando divulgado o videocase, a torcida teria contestado fortemente. Então, a agência deixou o projeto de lado. Também, pelo que descobrimos, o videocase não foi nem será inscrito em Cannes. Se houve a contratação de figurantes, seria para que os mesmos tentassem estimular os torcedores de verdade a gritar nomes de marcas que patrocinam o time, contaminando toda a arquibancada. Algo que faz sentido, tratando-se de uma experimentação.

 

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