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Um brasileiro em Singapura

Algumas coisas que descobri por aqui (Erick Rosa)

30.04.15

Algumas coisas que descobri sobre Singapura após quase um ano por aqui.

A primeira impressão. Se eu tiver que descrever pelo whatsapp para o meu irmão: é uma mistura de Shanghai com Miami. Ou daquela bola da entrada do Epcot Center com aquela Main Street da Disney. Mas da Disney de Tóquio. E a sensação que você teve ao ver a bola da entrada do Epcot na primeira vez, quando era pequeno e ainda parecia de um futuro impossível. E a main street da Disney pela limpeza, organização e um quase aspecto de estúdio, com as fachadas impecáveis e nenhum guardanapo que seja no chão.

Singapura tem uns pedaços, uns trechos que me assustam. No bom sentido. Eu olho para um prédio, para o outro ao lado. Para um terceiro mais ao fundo e fico pensando: “Como raios isso tudo passou num comitê? Ninguém ficou com medo de levantar esse negócio? Ninguém pediu para fazer uma pesquisa antes? Não teve nenhuma associação que achou que poderia ficar estranho?” Sim, porque não é apenas um prédio, ou um espaço, ou um único parque que tem essas características que deixam claro que o sujeito que fez e construiu teve carta branca, cheque branco, briefing livre e orçamento gordo. Para todos os lados tenho essa sensação de que, em algum momento, chegaram à conclusão coletiva de: “Bora experimentar, galera. Levanta prédio torto, em formato de árvore, de barco, piscina suspensa, de Lego, de Tetris, de sei lá o que for. Mas sem graça, retângulo espelhado, não! Não, não e não. Pira, sem medo de mostrar a primeira ideia ou mesmo a última.” Então Singapura tem isso. Não é o Rio de Janeiro. Não tem a praia do outro lado da avenida. Mas do lado de cá dos prédios, da cidade, ainda me impressiona todos os dias.

A comida é outro lado que impressiona. É uma misturada tão grande de países que todos os dias você pode encontrar algo diferente. E para nós, ocidentais, acaba que existe um incentivo até financeiro, além do paladar. Comer como no ocidente, aqui, é caro. Quase como acender charuto com nota de dólar. Não de 100 dólares. Mas quase isso. Queijo, por exemplo, é caro. Muito. Carne, carne mesmo, carne farta australiana daquelas do Varanda Grill, aí é esbanjar. Tudo, tudo que você consome em Singapura, chegou de navio. Aqui não existe plantações de __________ ou vaca dando mole num horizonte desses. Então, se você entrar numas de comer queijo francês e presunto espanhol todas as semanas, você quase quebra o orçamento. Esse queijo atravessou o mundo num container refrigerado para chegar ainda fresco no seu prato. O que é bom. Não o preço. Mas o fato de, aos poucos, você entender que comer como um local faz muito mais sentido. Os peixes da região, pratos típicos. Arroz, massa, porco e por aí vai. E não falta opção. Tem tantas, mas tantas nacionalidades em Singapura, que num mesmo Hawker Center (os mini mercadões daqui de comida)-- você encontra um vietnamita ao lado de um tailandês ao lado de um chinês ao lado de um japonês.

Por falar em comida, a bebida. O Happy hour. Happy hour não é apenas um espaço de tempo que acontece logo após o trabalho. Apesar de que no Brasil existem algumas promoções no happy hour. Aqui existe um preço diferente para a bebida. Ou o famoso "compre um, leve dois". É algo institucionalizado. Existem cardápios com dois traços para preços ao lado de cada bebida até. O preço feliz e o quase. Bebida também é cara aqui. Não é tão comum você bater na mesa no final do dia e gritar: “Bora tomar um chopp?!” Até acontece. Mas é mais raro. A cerveja tem um preço salgado que faz com que as rodadas intermináveis de chopp, dessas que acontecem num bar como o Espírito Santo aí em São Paulo, sejam raras. Em ocasiões especiais. Com o tempo descobri que rodada de cerveja com a galera da agência é mais comum e mais em conta nesses mercadões. Garrafa de litro como a de 600ml dos botecos do Brasil. Mais barata, clima comunitário. Aí sim, mas sem o entorno do bar da moda. Mas com mesas vizinhas ainda mais interessantes. Do grupo de senhores jogando cartas ou dominó. Dois jovens depois da faculdade. Uma mulher atenta a um capítulo emocionante da novela coreana na TV ao fundo do bar. Os mercadões tem de tudo (Hawker Centers.) Turista agarrado num Lonely Planet atrás de um arroz elogiado por um chef famoso, locais de todas as classes. Num caos super bem organizado. Para comida e bebida, é onde se sente o pulso de Singapura.

Ainda sobre happy hour. O verão aqui é o ano inteiro. Não verão do Rio de Janeiro. Mas um verão de primavera quente do Rio de Janeiro. Uma temperatura que varia de 28 a 34. Com umas chuvas que mais parecem uma chuveirada daquelas de sauna. Cinco minutos com uma força de trincar o asfalto e logo o sol está de volta. E isso, o ano inteiro. Nunca, desde que cheguei, coloquei um leve moletom. Meus filhos vivem de Havaianas. Escola de Havaianas, parque, rua, festa, sempre com os dedões dos pés respirando ar puro.

Sobre o calor. É algo que você sente, mas também não sente. É um país que tem provavelmente os melhores e mais potentes ar-condicionados do mundo. Para você ter uma ideia, o contrato do meu apartamento tinha umas seis cláusulas sobre a manutenção do sistema de ar condicionado da casa. De três em três meses, uma equipe de quatro pessoas entra porta adentro munida de ferramentas e leitores digitais para ajustar, melhorar, consertar-- enfim, assegurar que o ar-condicionado está perfeito. Qualquer variação de temperatura e uma luz incandescente acende avisa: “Erick, eu, se fosse você, ligava para o pessoal do ar, só para garantir.” Táxi, shopping, elevador, tudo. Ar-condicionado no talo.

Bom, mas aí aparece um fim de semana em que você quer aproveitar o calor num dos países vizinhos como a Indonésia, por exemplo. O aeroporto, que é pertíssimo da cidade, tem voos low cost para todo canto. Taí uma coisa de Singapura que com o tempo você aprende. É cara. E pode ser muito. Capa da The Economist de cara. Mas se você procurar, fuçar, conhecer as coisas, entender, por exemplo, que se comprar uma passagem para Bali com algumas semanas de planejamento-- sai bem em conta. E passar um fim de semana em Bali é simples. Um espanhol amigo aqui na agência já vi sair numa sexta no almoço e voltar no primeiro vôo de segunda. O trânsito aqui permite pular num taxi e, em 15-20 minutos, chegar no aeroporto em praticamente qualquer hora do dia.

Mas e antes desse final de semana chegar? Os dias da semana no trabalho? Trabalha-se muito. Mas, ao mesmo tempo, não é comum prolongar a noite ou ter que ir para a agência no fim de semana. Muita gente traz o almoço de casa ou pega num Hawker Center, pá, pum e toca o dia. Com isso é muito comum ver o pessoal focado e não adentrar a noite. O que eu, com três filhos pequenos, acho ideal. Uma coisa sobre Singapura é o fator “Hub”. É aqui que fica a sede de muitas empresas. Seja de forma regional ou mesmo global. E, com o tempo, isso significa que muitas das suas reuniões acabam atravessando uma série de fusos. Então, volta e meia é importante entender que, para acertar algum trabalho com Londres ou o Brasil, você vai ter que virar faixa preta terceiro dan de conference call. E se no início eu apanhei um pouco, hoje acho que já tenho uma melhor ideia de como entrar e sair de um call desses transatlânticos sem sair arranhado.

E para terminar, tem o fuso. O fuso muda de vez a tua vida. Se você viver na Europa ou nos EUA, uma hora você se adapta. Aqui a diferença é tão violenta que eu notei que, com o tempo, fui perdendo o contato com amigos e família. Não é falta de carinho ou saudade. É matemática. Eu escrevo um email ao final da tarde daqui— quase 17:00 de uma segunda-feira para um amigo contando o meu final de semana. Ele não vai ler quando eu mandar. Ele está dormindo. Agora ainda são 5 da manhã da mesma segunda que está acabando para mim. Quando ele chegar no trabalho, vamos dizer, umas 9 da manhã, eu já estou jantando aqui. Quando ele finalmente ler perto do almoço, eu já vou estar quase na terça-feira e dormindo. Quando ele responder ao fim da tarde, sou eu que estarei acordando já no outro dia. E o ciclo recomeça do meu lado. E de repente as conversas ficam completamente fora de sincronia. Bem “first world problem”, mas é verdade.

Bom, desculpe se me prolonguei demais. Mas volta e meia recebo emails de criativos que estão começando ou que pensam na possibilidade de trabalhar fora. Quase todos com uma enorme curiosidade de como é aqui na Ásia. Mais especificamente em Singapura. Então, como a Laís é gentil de sempre oferecer este espaço desde os tempos de Lisboa, achei que seria interessante dividir um pouco do muito que aprendi sobre a vida aqui. Recomendo vivamente e confesso que ainda tenho muito para conhecer. Apesar do pequeno tamanho da ilha. É um mundo. Com pessoas fantásticas, um povo acolhedor, pluralidade de religiões, crenças, etnias. Tudo. Esses dias meu filho mais novo de três anos, quase quatro, o Francisco, a caminho de um café comigo, encontrou uma de suas professoras. Ela sorriu para ele. Ele acenou freneticamente e disse algo que eu não entendi. Ela respondeu algo que eu também não entendi. Eu perguntei: "P’quico (esse é o apelido dele), o que vocês falaram?" E ele respondeu: “Chinês. Chinês, pai.” Eu levei um susto. E emendei: "Por que você nunca falou chinês em casa?" E ele: “Você entende português, pai. Ela não.” Singapura é essa mistura toda. E se lá em cima, no primeiro parágrafo, descrevi como um misto de Shanghai com Miami, aqui, na última linha, diria que Singapura é uma girada que você dá— daquelas bem rápida no globo terrestre — com o globo ainda em movimento.

Erick Rosa, diretor executivo de criação da Lowe & Partners Singapura

Um brasileiro em Singapura

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