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Cannes Lions 2022

Liberdade de expressão: no festival, lição premiada é lição aprendida?

24.06.22

Quando o GP de Design desta edição do Cannes Lions foi revelado (leia aqui), choveram aplausos. O prêmio máximo foi dado para “Portuguese (Re) Constitution”, da FCB de Lisboa, para a Penguin Books. O trabalho, que inclusive tem brasileiros na ficha técnica, é uma abordagem artística feita sobre cópias da Constituição Portuguesa de 1933, que marca o fim da ditadura no país. O livro foi rabiscado e teve palavras destacadas por meio de lápis azuis entregues a artistas. Sobre ele, ilustrações e poemas “refizeram” a constituição, ressaltando valores como “diversidade” (veja aqui).

Ao anunciar o prêmio, na terça-feira, 21, a presidente do júri, Lisa Smith, diretora executiva de criação da Jones Knowles Ritchie, dos EUA, disse que o case adotou uma técnica chamada “blackout poetry”, que cobre palavras. Desse modo, eles criaram poemas sobre liberdade e amor. As palavras que não foram destacadas se transformaram em bonitas ilustrações. Com isso, a obra celebra a liberdade de expressão.

O discurso é cada vez mais importante porque muitas vezes não se compreende o real valor da liberdade de expressão. Isso pode parecer óbvio, mas é fato que até hoje há quem queira impedir a livre expressão de pensamentos e até mesmo a atividade de quem trabalha para trazer informações ao mundo, sem amarras.

Esperamos que a própria organização do Cannes Lions compreenda o peso desse conceito. Em tempo: a imprensa que se credenciou para a cobertura do Festival recebeu um documento, às vésperas do evento, estabelecendo que os jornalistas deveriam respeitar o embargo para publicação de resultados de prêmios, que são antecipados aos mesmos pela organização. Isso já acontece há anos e anos, e embora bastante discutível, não chega a ser uma mordaça. Porém, foi acrescido este ano um item que impede que os profissionais de imprensa divulguem informações que tenham sido obtidas por outras fontes. E isso atenta contra um dos princípios básicos do jornalismo: a liberdade de buscar informações além das fontes oficiais. Nem seria preciso dizer aqui, mas se o profissional de imprensa, que atua neste ou em qualquer outro segmento, é impedido de trabalhar tendo essa liberdade, a sociedade deixa de ter apurações de histórias que não mais virão à tona, já que usando apenas e unicamente fontes oficiais, não somos mais jornalistas, viramos relações públicas.

No caso deste ano, aqui em Cannes, a questão, voltamos a sublinhar, não é a insistência do embargo para os resultados transmitidos pela organização do evento aos jornalistas antecipadamente. Embora isso já seja totalmente anacrônico, principalmente em tempos de redes sociais, quando o agora já é ontem. Mas há também a gravíssima proibição de o jornalista publicar informações que obteve graças à sua capacidade e relacionamentos fora dos canais oficiais. Se isso fosse imposto para outras esferas, como a política, por exemplo, então, o público seria privado de dados fundamentais para a população e incômodos para os governantes.

Portanto, ter a garantia do pleno exercício da atividade é essencial para quem preza a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

Confira abaixo o texto, na íntegra, enviado à imprensa este ano no início do festival. Até então, Cannes insistia no embargo mas nunca havia chegado ao cúmulo de proibir formalmente e oficialmente toda a imprensa cadastrada para cobrir o evento de conseguir furos. Já haviam tentado fazer isso com o Clubeonline, por exemplo, mas durante conversas sobre o embargo que travávamos com a organização, nunca por escrito. E, por conta desse tipo de postura, a equipe do Clube fez a cobertura do evento em 2018 e 2019 sem se credenciar. Para ter liberdade.

Este ano, pós pandemia, acreditávamos que os aprendizados chegariam e as coisas seriam mais amenas, mas, ao contrário, o tempo fechou de vez e a opressão se instalou com conforto. Uma lástima.

IMPORTANT EMBARGO:

We provide you with privileged, confidential and commercially sensitive information (the “Information”) about the Cannes Lions Awards (the “Awards”) under strict embargo and in return you must respect all restrictions placed on the Information.
You agree that the Information shall not be disclosed, published or shared in any way – verbally or in writing through any channel, including digital and social media – before the stated embargo expiry time (see below) or as otherwise notified by us.

In addition, you agree that you will not publicly disclose any information obtained from any other source which would undermine the embargo.

In the event of any breach of the embargo we may, at our sole discretion, take any steps necessary to protect the Information including, without limitation: (i) issuing a formal warning; (ii) immediate withdrawal of access to further Information for the remainder of the Festival, and future Festivals owned and operated by Cannes Lions or its parent company Ascential plc; and/or (iii) revocation of your press accreditation.

Procuramos a organização do Festival para ouvir os argumentos deles sobre estes questionamentos. A resposta nos foi enviada, mas só diz respeito à prática do embargo (veja logo abaixo). Nada sobre a mordaça referente aos furos. Insistimos em saber sobre a mordaça, mas aí não recebemos mais resposta.

I am sure you understand the need for us to protect the excitement and anticipation of the Lions awards for our many attendees and winners. Our embargo exists to protect the very special and unique nature of our awards. Out of respect and fairness to all entrants, we believe that any public disclosure of results should be restricted until they are announced on stage; which we don’t believe to conflict with freedom of speech.

Em 2023, por todos os motivos citados acima, a cobertura do Clubeonline ao Cannes Lions voltará a ser feita sem credenciamento, a não ser que algo mude neste modus operandi.

Cannes Lions 2022

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