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Festival do Clube 2019

Creative Shop, Gut, ML e 'influencers' de mãos dadas, por autenticidade

26.09.19

Há alguns anos, quando começou a se falar mais intensamente sobre diversidade e inclusão na propaganda, a discussão principal passava por defender, entre as agências, empresas anunciantes, produtoras e veículos, a necessidade e a importância de se mergulhar nesse universo, em razão do comprometimento com a responsabilidade social inerente ao setor, mas inclusive por conta de indicadores meramente mercadológicos: dados e pesquisas cada vez mais ratificam a relação entre rentabilidade e um ambiente diverso, que abrigue profissionais negros, LGBTQ+, mulheres, periféricos, indígenas nas empresas.

Agora, apesar de ainda haver muito a se avançar em relação ao tema, o debate passou para um próximo nível: que a diversidade é essencial, é fato. Discute-se agora sobre a melhor maneira de se desenvolver e se vivenciar esse tema. "Esse é o quarto ou quinto ano que eu participo de um painel sobre o assunto. Antes, conversávamos sobre o que é diversidade, se ela é importante, a gente estava muito atrás do que está hoje. Estou muito feliz porque atualmente já estamos falando sobre o tema, evoluímos, tem um monte de marca abordando o assunto e vamos hoje conversar sobre ‘como’ fazer isso. A sensação é de que apesar de ainda estar difícil, estamos evoluindo, e isso dá um calorzinho no coração", disse Theo Rocha, diretor do Creative Shop Latam, do Facebook, ao abrir o painel "O Impacto da Diversidade no Processo Criativo", no Festival do Clube.

A mesa discutiu a diversidade a partir da perspectiva da cocriação: enquanto as agências ainda não possuem internamente muitos profissionais que representem esses públicos ligados a minorias antropológicas e estão em busca dessa adequação, um caminhos para buscar garantir que o desenvolvimento de campanhas não carregue um olhar enviesado ou estereotipado a partir das percepções do homem branco heterossexual, poderia ser a manutenção de parcerias com produtoras, influencers, creators e personalidades que representem essa parcela da população. Mas não apenas convidá-los para que eles falem sobre as marcas, mas de fato ouvi-los, de modo que todo o processo criativo seja construído em conjunto com quem tem o lugar de fala.

"A discussão agora é como o processo criativo precisa ser inclusivo, abarcando todos os pontos de vista sobre o assunto que será abordado, caso contrário não haverá autenticidade. O processo, tanto quanto a proposta, deve ser inclusivo", ponderou Rocha. Ele trouxe ao público o case #DeMãosDadas, do Mercado Livre (leia e veja aqui), criado em conjunto pelo anunciante, pele sua agência Gut, pelo Creative Shop, por creators e influencers como Maicon Santini, Mandy Candy e Alexandra Gurgel e pelo coletivo periférico Gleba do Pêssego, formado por oito jovens LGBTQI+, em sua maioria negros, que se conheceram em um curso do Instituto Criar.

"Foi uma oportunidade trazida pelo Mercado Livre de criar uma proposta de apoio à Parada LGBTQI+ desse ano. Como a logo do anunciante é um aperto de mãos, lembramos do meme ‘Ninguém solta a mão de ninguém’, juntamos essas coisas e trouxemos o tema ‘De Mãos Dadas’, que faz sentido para a marca e para o atual momento que vivemos. Creators e influenciadores apareceram dando as mãos uns para os outros em vídeos e, no dia da Parada, Lulu Santos convidou todo mundo para dar as mãos ao vivo, foi emocionante", resumiu o diretor do Creative Shop.

A conexão da marca Mercado Livre com o tema foi “natural”, segundo contou a supervisora de marketing Ana Flávia Gama, uma vez que o claim deste ano “O Melhor tá chegando” é um convite a construir um futuro melhor, um mundo melhor. “E essa construção passa pelo respeito à diversidade e às pessoas como elas são, então a conexão com o assunto acaba sendo natural”, disse.

A executiva do Mercado Livre destacou que, quando se faz uma campanha, as marcas se preocupam muito em “dizer”, mas nesse processo, o mais importante foi “escutar”. “Procuramos ouvir o que as pessoas tinham para contar, respeitando o lugar de fala delas. Ficamos dois dias imersos nessa realidade para mergulhar em como seria a melhor forma de nos comunicarmos como marca e o resultado foi uma mensagem muito mais autêntica. Por isso tivemos como resultado tanto engajamento, nossa meta mais desejada”, comemorou Ana Flávia.

Os participantes do grupo de cocriação testemunham que, de fato, se sentiram não somente ouvidos, mas que as suas ideias e ponderações foram efetivamente incorporadas à comunicação. “O processo foi totalmente colaborativo, representativo”, contou Joyce Santos, do coletivo Gleba do Pêssego. “Além de termos voz, participamos das tomadas de decisões. Foi um processo de dois dias em que estávamos todos juntos, pensando, criando, problematizando”, continuou Guilherme Candido, também do coletivo.

Uma das questões levantadas durante o processo criativo foi o fato de que geralmente somente a letra “G” da sigla LGBTQI+ ganha destaque, mas que era importante toda a comunidade ser representada, inclusive as pessoas trans. “Já trabalhei com várias marcas, diversidade não é somente algo pontual, ela existe e deve estar presente em todos os lugares, e os anunciantes também já estão entendendo isso. Claro que ainda muitas marcas só querem ‘cumprir tabela’ e usam a letra G – geralmente, um homem gay e branco. Mas o caso do Mercado Livre foi diferente. Foi uma campanha construída em muitas mãos, com a cara da comunidade LGBTQI+ e que trouxe também o universo trans, o que mais sofre com os preconceitos, e também muito esquecido”, disse o creator Maicon Santini. “Essa abertura para ouvir e esse espaço para se criar junto faz toda a diferença. São muitos pontos de vista contribuindo para que haja, de fato, representatividade”, declarou.

Mas para as agências de publicidade, pelo menos para grande parte delas, não é tão fácil dividir a criação – seu grande ativo – com outros agentes. Ainda há um certo receio de se dividir a ficha técnica da criatividade de algum projeto. Isso, no entanto, não é um problema para Gut, lançada há pouco mais de um ano com um olhar mais flexível em relação a esse tipo de possibilidade criativa. “É enriquecedor levar o conceito do cliente para trabalharmos junto com influenciadores e outros produtores, todo mundo sai ganhando. E a própria agência ganha criativamente, porque você agrega visões de pessoas que não aquelas que estão pensando atrás da mesa, com ar condicionado na cara. Temos consciência de que devemos treinar nossa escuta e saber recuar”, pontuou Camila Paier, sênior community manager da Gut.

O Creative Shop do Facebook, que tem um time bastante enxuto, já traz em seu DNA a colaboração nos processos de criação. “Como ex-criativa de agência, eu costumava criar com meu dupla ou sozinha. Era um processo muito solitário, que troca pouco com outras cabeças. Além disso, dentro de uma estrutura de agência não há ainda profissionais que representem a diversidade, trata-se de um ambiente ainda bastante elitista, excludente. Mas eu já tinha consciência de que não é possível correr o risco de falar por alguém e essa pessoa não se sentir parte da conversa”, destacou Yuri Mussoly, creative strategist do Creative Shop.

Na casa nova, eu me encontrei. Temos o DNA da colaboração, não queremos fazer campanhas, mas trazer pessoas diversas falando sobre tema específicos para marcas dispostas a ouvir”, continuou. “Com esse case de Mercado Livre foram dois dias de cocriação em que todas as pontas se sentiram abraçadas”, completou Yuri.

Para encerrar o painel, Theo Rocha convidou cada pessoa do público que ouvia o debate a fazer a diferença em seu próprio espaço de trabalho e de influência. “Acreditem que vocês podem mudar as coisas. Cada atitude das empresas, das agências, é feita por um monte de gente. Uma pessoa começa uma luta e uma empresa toda muda”, defendeu. “Precisamos refletir sobre o poder que a gente tem nos lugares em que a gente está. Se você recebe um job, você tem poder para falar que aquilo tem que ser diferente, que é necessário convidar tal pessoa para sentar e criar junto, que a mensagem está enviesada. Temos que falar, até por necessidade de existência. Se você é a favor da inclusão, não vamos esquecer que nossas atitudes são políticas. Vamos usá-las para mudar as coisas”.

Valéria Campos

Festival do Clube 2019

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