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8 de março (parte I)

O que pensam mulheres de destaque do nosso mercado

08.03.17

As primeiras manifestações que influenciaram a criação de um Dia da Mulher surgiram por reivindicações trabalhistas. No final do século XIX, grupos de mulheres formados a partir de movimentos operários protestaram em diferentes lugares da Europa e também nos EUA contra jornadas insanas (cerca de 15h diárias) e salários ínfimos, que vinham sendo impostos a funcionárias de fábricas desde a Revolução Industrial.

De lá até os dias atuais, as pautas se ampliaram, discutindo, além do trabalho, temas ligados à sexualidade, à saúde, à violência e ao papel da mulher na sociedade. Na indústria de comunicação, a participação das mulheres no mercado também vem sendo debatida há algum tempo. Nos anos mais recentes, instituíram-se prêmios que estimulam a reflexão em torno disso e foram lançados eventos para valorizar a atuação feminina e amplificar vozes. Apesar disso, o setor ainda está bem distante de um cenário de igualdade.

O Clubeonline procurou mais de 30 profissionais de distintas áreas do mercado para apontar neste espaço o que falta para que mudanças mais profundas aconteçam. Consultamos também essas pessoas para falarem de evolução (o que se diferencia hoje do tempo em que entraram no mercado) e de inspiração. A partir desta quarta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, até a sexta-feira 10, publicaremos as análises das mulheres que responderam às três perguntas que formulamos.

1 - Já falamos muito sobre a necessidade de ter equilíbrio de gênero na indústria da comunicação e de ter mais lideranças femininas no mercado. O que falta para mudanças mais perceptíveis acontecerem?

2 - Você viveu ou sentiu mudanças importantes do início de sua carreira até hoje?

3 - Que mulheres hoje te inspiram? Por que?

Tire um tempo para ler as respostas. Se não der hoje, retorne. É importante ouvir o que estas mulheres têm a dizer.

ANDRÉA BARATA RIBEIRO – Produtora e sócia da O2 Filmes

O que falta – “Começar de fato a abrir espaço para as mulheres. Quantas diretoras de criação existem no mercado? Pouquíssimas. Esse cargo é, na grande maioria das vezes, ocupado por homens. Acho que por isso, inclusive, existem tantos comerciais de cerveja sexistas e horrendos. Mulher mostrando peito e bunda como se isso fosse uma coisa muito cool. Acho horroroso e sei que a maioria das mulheres também acha. Minha única forma de protesto contra isso é não beber tais marcas que exibem as mulheres como um carnão no açougue. Me recuso a consumir esse tipo de produto que expõe a mulher dessa forma.”

Evolução – “Em relação à questão de ser mulher, não sinto grandes diferenças reais nos dias de hoje. Já fui a muitas reuniões em que, mesmo estando liderando a reunião, o sujeito prefere olhar para o assistente homem e se dirigir a ele. Já ouvi relatos de amigas profissionais descrevendo a mesma situação. Muitos homens ainda têm dificuldades de aceitar as mulheres no comando. Mesmo as diretoras mulheres. Sinto que elas têm de provar muito mais do que os homens para se manterem no mercado. Vivencio isso há 25 anos na publicidade. Está mudando devagar, bem mais devagar do que o necessário.”

Inspiração – “Admiro as mulheres de forma geral, pois são guerreiras natas. Nós, muitas vezes, somos obrigadas a ser Wonder Woman para dar conta de tudo. Trabalho, casa, família e toda essa cobrança estética inviável que a publicidade impõe. Viva as campanhas que exaltam a vida real, que fazem com que a gente se sinta possível e que colaboram para a mudança de atitude na sociedade. Ser Mulher Maravilha cansa e nos deixa deprimidas. Acabamos sempre nos sentindo aquém do ideal imposto pela imagem falsa de quem devemos ser. Admiro as mulheres do dia a dia que conseguem, apesar de tudo, inclusive salários 50%, 60% menores que os homens, se manterem firmes e seguirem a vida com dignidade.”

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DANIELA CACHICH - Vice-presidente de marketing da PepsiCo Brasil Foods

O que falta – “Como vice-presidente de uma multinacional, posso dizer que finalmente estamos conseguindo despertar a visão de equidade nas empresas. Está ficando evidente que a equidade gera resultado e crescimento de negócios. Ter o mesmo tratamento, oportunidades e privilégios de executivos homens parecia algo fora da realidade. Ainda é uma jornada, mas vejo que as mulheres estão conseguido conquistar mais o seu espaço. Acredito que ainda falta mais união entre as mulheres. Muitas críticas e cobranças que sofremos, vêm de mulheres.”

Evolução – “Sempre considerei as mudanças como motivação para seguir em frente. E, mesmo diante dos obstáculos, me alimentava de energia e seguia em frente. É muito importante saber que as dificuldades nos fazem crescer, nos fazem aprender a nos posicionarmos, a nos fazer ser ouvidas e, principalmente, nos fazem mostrar que a competência não está ligada ao gênero, mas ao profissional.”

Inspiração – “Convivi com mulheres na minha família que me inspiraram a seguir na carreira. Minha mãe é minha maior incentivadora. Ao longo da minha carreira, tive grandes inspirações como Silvia Lagnado (McDonald's) e Andrea Salgueiro (Unilever), mulheres que não só acreditaram em mim, mas que me mostraram que era possível chegar lá. Isso é fundamental! Precisamos ter inspiração! Hoje estou na PepsiCo, uma empresa que valoriza as mulheres, e esse é um grande motivo para eu ter me juntado a essa empresa. A CEO global da PepsiCo há 10 anos é uma mulher e instituiu o empoderamento feminino como um dos pilares da sua visão de negócios que chamamos de ‘Performance com Propósito’. Com quase metade de mulheres compondo o quadro de lideranças sêniores no Brasil, que é o dobro da média de mercado, a PepsiCo vem desenvolvendo diversas ações para fomentar a continuidade e desenvolvimento profissional desse público.”

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GAL BARRADAS – Sócia e co-Ceo da BETC Sao Paulo. Co-presidente do Havas Creative Group Brazil

O que falta – “Em primeiro lugar, informação. Muita gente não entende por que este assunto é importante, sobretudo para o mercado publicitário. Nosso mercado movimenta US$ 33 bilhões/ano. Quando lembramos que 85% do poder de decisão de consumo no mundo estão nas mãos das mulheres e que ainda hoje elas sofrem toda espécie de preconceito e/ou violência no mercado de trabalho e na sociedade, não parece absurdo? Não é importante ouvir o que elas têm a dizer? Pois no século XXI ainda é difícil ver uma reunião em que as mulheres não são sistematicamente interrompidas pelos homens, sem poder expor suas ideias até o fim, em que suas ideias são apropriadas por seus chefes, em que as mães são mal recebidas após a maternidade, e assim sucessivamente. Falta compreensão no nível dos direitos humanos e também econômico! As mulheres são decisoras, mas também uma importante força de trabalho. Um ambiente diverso é mais justo, mais tolerante e mais criativo! Em segundo lugar, é preciso semear uma cultura de diversidade dentro das empresas. A Igualdade de Gêneros não busca a supremacia feminina, mas a igualdade de direitos, de oportunidades. Em empresas onde a meritocracia e a produtividade são reais, os melhores mostrarão resultados, independentemente do gênero. Mas para isso acontecer é preciso acabar com os preconceitos e dar oportunidades iguais. Cultura é cultivo e tem que ser verdadeira, exercida, semeada e mensurada diariamente.”

Evolução – “Felizmente, as rápidas transformações pelas quais o mundo passou nos últimos dez anos levaram às mulheres a possibilidade de informação e conhecimento que contribuíram para que, finalmente, pudessem atuar em prol do seu posicionamento no mercado de trabalho, no ambiente familiar e sociedade em geral. Mas ainda falta muito!! Depende dos homens e das mulheres estabeleceram o mútuo respeito e a colaboração.”

Inspiração – “Profissionalmente, Mercedes Erra, sem dúvida, é um nome que me inspira totalmente. Sua história de sucesso, tendo construído com Rémi Babinet a maior agência da França e uma das mais bem sucedidas no mundo inteiro - e mais criativas –, e a sua luta pela igualdade há 22 anos (quando este assunto era ainda mais difícil) fazem me sentir honrada e feliz em poder conviver com ela. E para toda a minha vida, a minha mãe, Yeda Barradas, que foi a primeira mulher a se formar em arquitetura na Bahia nos anos 50. Ela foi empresária de sucesso na área de educação, fez um trabalho maravilhoso pelas causas sociais na Bahia nos anos 80, teve sete filhos, é uma esposa excepcional, e ainda hoje é uma mulher admirada e respeitada por todos que a conhecem. É uma dessas pessoas inesquecíveis pra quem a conhece. Acho que a lição que tanto minha mãe quanto a Mercedes deixam é que o que importa é o jeito de pensar. Não importa a era (anos 50, anos 90, hoje). Tendo consciência e capacidade, não há que se temer nada. Devemos nos posicionar e ir adiante. Pode nao ser fácil (ninguém disse que é), mas é totalmente possível.”

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JOANNA MONTEIRO - Chief Creative Officer da FCB Brasil

O que falta – “Ação. É preciso ter um olhar justo e corajoso para promover oportunidades para pessoas que, no fundo, os dirigentes já sabem que seriam grandes players naquela função. É preciso reconhecer competências novas que podem ser um game changer para a empresa. E como eu já disse é preciso coragem.”

Evolução – “Vivi muitas mudanças. A importância de olhar mais para a entrega, para o resultado, para a produtividade. Isso coloca as mulheres no jogo. A profissão está ficando mais interessante, mais profissional, mais justa.”

Inspiração – “Muitas mulheres me inspiram. Elas estão mais unidas e se ajudam mais. Estão descobrindo como essa troca é importante. A Lais Bodansky, diretora de cinema, é uma das mulheres que mais me inspira, pela sua força e personalidade. Quebrar regras com sensibilidade inteligência é tão difícil e tão necessário.”

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KEKA MORELLE - Diretora de arte da AlmapBBDO

O que falta – “A primeira coisa é parar de perder mulheres para outros mercados criativos. Quantas histórias conheço de amigas e profissionais incríveis, que trocaram as agências, veículos, empresas para poderem aplicar sua criatividade em algum segmento mais aberto e menos impositivo, onde tinham mais acolhimento para os diferentes momentos de vida? Por que as mulheres trocam? Precisamos ter mais conversas sobre.”

Evolução – “Posso dizer pela minha experiência que nunca foi tão bom ser mulher nesta indústria. Até então vivíamos incomodadas e quietas. A discussão trouxe clareza para o tema e as mudanças estão acontecendo. Vamos aproveitá-las.”

Inspiração – “Michelle Obama, claro. Ela deve estar sempre em todas as listas de mulheres inspiradoras. Na indústria, minha inspiração é Jessica Walsh. Tive o prazer de participar de um projeto chamado Ladies, Wine and Design, idealizado por ela e que chegou ao Brasil pelas meninas do 65/10. Foi muito transformador. Eram encontros com meninas de diferentes perfis, experiências, idades, ideais, para trocar experiências, falar sobre design e beber vinho. Quer algo mais simples e transformador? Conheci meninas incríveis, ajudamos umas as outras.”

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LAURA ESTEVES – Diretora de criação da Y&R

O que falta – “Acredito que há um interesse maior do mercado, dos clientes e dos próprios homens neste equilíbrio. A mudança é lenta, mas gradativa.”

Evolução – “Desde o início da minha carreira, sempre tive a sorte de ter lideranças que promoveram meu crescimento. Hoje mais do que nunca me sinto extremamente privilegiada pela oportunidade única de ter um chefe que me faz sentir a (o) profissional mais reconhecida (o), encorajada (o), apoiada (o) e realizada (o) de todo o departamento. Assim, meio sem gênero mesmo, que acho que é como ele me vê. Puramente pelo trabalho. E, acreditem, não tem nada mais delicioso para uma mulher do que ser vista (o) assim.”

Inspiração – “Existem as Malalas, Marie Curies e Fridas que tanto nos inspiram. Mas sempre gostei muito da Nora Ephron. Acho ela incrível num jeito que parece ‘fazível’ para outros mortais. Ela tinha talento para tudo que fazia e é dela uma das minhas frases preferidas sobre gêneros. ‘Above all, be the heroine of your life, not the victim’.”

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SOPHIE SCHONBURG – Vice-presidente de criação da McGarryBowen

O que falta – “É verdade que temos mais lideranças femininas hoje em dia do que jamais tivemos. Porém, a mentalidade e o modus operandi ainda são essencialmente masculinos. Antes mesmo de cobrar mudanças dos homens, as mudanças têm de vir de nós mesmas. Aceitamos regras criadas por homens, horários criados por homens, posturas criadas e propagadas por homens. Muito mais do que mulheres no poder, o que o mundo precisa mesmo é de uma energia mais feminina. Uma energia que é, na sua essência, muito menos belicosa do que aquela que nos acostumamos. E essa energia pode estar tanto numa mulher, quanto num homem. Ter consciência disso é o primeiro passo para uma mudança mais poderosa.”

Evolução – “No meu começo de carreira, mulheres na criação eram minoria gritante e o assunto não era, nem de longe, debatido. Melhoramos, mas estamos a anos-luz do ideal. Outro dia ouvi um desaforo que resume muito bem a situação: ouvi que eu estava onde estava só porque era mulher. Ou seja, passei a vida tentando dar passos apesar de ser mulher e eis que, de repente, uma conquista vira uma mera questão de cota. Ironia ou mau gosto, tanto faz. Apenas me dá uma certeza: tem muito chão pela frente.”

Inspiração – “Mulheres que me inspiram estão longe dos holofotes e dos discursos. São as mulheres anônimas que nunca chegaram nem perto de um microfone. Mães solteiras, arrimo de família, que acordam antes que todos para levar os filhos à escola ou que estão no ponto de ônibus antes de o sol raiar, correndo riscos que um homem jamais correria. Mulheres invisíveis, que encontram forças do além, são, para mim, a imagem que deveríamos procurar no espelho todos os dias pela manhã.”

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8 de março (parte I)

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