O Espaço é Seu

Dia desses, revirei minha bagagem e viajei de volta ao primeiro samba que eu compus. Era um samba-enredo para a convenção anual de vendas de um grande laboratório farmacêutico.

Naquela época, meu conhecimento técnico para compor um samba, numa escala de 0 a 10, era algo que girava em torno de 0,1.

Só que, para minha surpresa, saiu um samba-enredo do bom, que faria o Zulu vibrar na apuração. Resultado: elogios e aprovação de prima pela agência barra cliente.

:-0 Mas por que deu tão certo?

Talvez porque eu tenha feito do meu desconhecimento uma oportunidade.

Diante daquela situação ameaçadora, e do prazo fdp, fui obrigado pelo meu desconhecimento a buscar referências internas inesperadas, migrando vivências e experiências de outras áreas para aquele job.

Eu poderia sair pesquisando sambas e mais sambas e até mesmo chupinhar algum deles descaradamente, já que “não tem veiculação mesmo”. Mas a ideia de usar o não saber, como estímulo para buscar algo novo, me atraiu com força.

Eu sei. Vivemos há um bom tempo na Era do Conhecimento. Torramos uma bela grana com livros, cursos, viagens e o escambau a quatro em busca do dito cujo. Competimos desde cedo para ver quem sabe mais. E seguimos nessa competição quando crescemos.

Mas imagine agora sua cabeça como se fosse o seu guarda-roupa e responda: você está usando ao máximo aquilo que já tem? Está aproveitando de verdade o que tem guardado?

Eu já trabalhei em agência e hoje sou sócio de uma produtora de áudio. Tanto lá como aqui, já vi muita gente com preguiça de forçar a cabeça. Gente viajada, estudada, inteligente. Mas que, antes de pensar em pensar, saía correndo atrás da internet em busca de referências.

O job do meu primeiro samba me ensinou muito. Me ensinou a espremer mais o que eu já tenho guardado. Me ensinou a extrair gotas de inspiração de onde parece não existir pertinência. Me ensinou a fuçar pra valer na minha bagagem em busca de sustento.

E, em meio àquela gafieira paradoxal toda, me ensinou a adquirir conhecimento daquilo que eu simplesmente não sei.

Rafael Bacchi, sócio-diretor da Chiclete Art Sounds

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