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O Espaço é Seu

A saga do jovem soldado Zacarias (João Nuno)

04.10.18

Há cem anos, em 1917, o jovem soldado Zacarias desembarca em Moçambique pronto para combater os alemães. Estávamos no auge da Primeira Guerra Mundial, e o conflito se espalhava muito para além das fronteiras da velha Europa, chegando aos confins do continente africano.

Zacarias era meu avô e é por causa dele e desta guerra que, muitos anos mais tarde, nasci em Moçambique.

Durante muitos anos senti um grande fascínio pela a história deste meu avô, que nunca cheguei a conhecer, e suas aventuras africanas durante a Grande Guerra. A curiosidade transformou-se em pesquisa, informação que virou história e, mais tarde, com ajuda da roteirista e minha companheira de vida, Fernanda Polacow, essa história virou roteiro que está prestes a virar filme.

O longa conta a história do soldado Zacarias, um jovem que sonha viver grandes aventuras na França, durante a Primeira Guerra Mundial, mas é enviado para África integrado ao Corpo Expedicionário Português.

Estamos em 1917 e a guerra desenrola-se no continente africano, escondida dos olhos do mundo. Depois de uma penosa viagem entre Portugal e Moçambique, no porão do navio militar, Zacarias adoece com malária no improvisado acampamento militar e é deixado para trás pelo seu pelotão, que parte para o front. Doente e com constantes delírios causados pelas febres, o soldado inicia então uma longa e extenuante caminhada solitária ao longo de cerca de dois mil quilômetros, em busca dos seus camaradas de armas e dos sonhos de glória que a guerra lhe trará.

Enfrentando os perigos do mato africano, sob a ameaça constante dos indígenas revoltosos e alemães invasores, o jovem soldado penetra no místico território indígena dos Macua, em busca do seu sonho. Ao longo da sua jornada, o soldado vai tendo encontros e experiências que desmistificam o lado obscuro da África Negra e o confrontam com o horror da guerra e da subjugação dos povos. Mais do que um filme de aventuras e sobrevivência, Zacarias é um drama sobre a ilusão, a loucura dos homens e a descoberta da vida. Um descaminho do eurocentrismo, onde a arrogância ocidental se perde no abismo do mato adentro, o mesmo tema do “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad.

Há no filme uma espécie de flutuação entre a realidade e a fantasia, entre a fabricação e o cotidiano. As situações parecem fantásticas, mas são reais. Os delírios parecem reais, mas são fabricações de uma mente perturbada. Zacarias desenvolve-se num tom vagamente burlesco, onde o horror e a crueza das situações é contraposto com momentos insanos ou caricatos em que os personagens se vêem envolvidos, como um diálogo improvável entre Buñuel e Cassavetes. Interessa-me muito explorar esta ideia do real versus o imaginado, pois é um conceito que namora com a própria criação das guerras, propaganda patriota e o misticismo que se cria com os atos de bravura e heroísmo. Parafraseando Guimarães Rosa, "o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia".

Zacarias fala da guerra do homem branco em território negro. Além de um manifesto antiguerra, é uma reflexão sobre o papel dos europeus na África e da subjugação dos povos através do domínio colonial, permitindo conhecer um pouco melhor um pedaço da nossa história, esquecido pelo tempo e pelos homens. Uma reflexão sobre um período muito maior que foi o nosso direito, enquanto portugueses, em “descobrir” e subjugar outros povos que considerávamos inferiores. São feridas que continuam abertas e que ainda hoje nos turvam a mente. E é por isso que este filme, embora histórico, toca em assuntos tão atuais e universais. Precisamos falar do passado para compreender melhor o presente e preparar o futuro.

Zacarias é o meu segundo longa-metragem e está sendo filmado em Moçambique e Portugal. Trata-se de uma coprodução entre Portugal, com a Leopardo Filmes, e o Brasil, por meio da Delicatessen Filmes.

Adolpho Veloso, com a sua arte cinematográfica, é meu parceiro de guerra.  A trilha sonora está a cargo do incrível compositor norte-americano Justin Melland. Quem estiver interessado em seguir a nossa aventura cinematográfica mato adentro, pode fazê-lo por meio do Instagram em #zacariasfilm.

João Nuno, diretor de cena - Delicatessen Filmes

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