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O Espaço é Seu

Manual de sobrevivência para criativos desempregados na pandemia

28.04.20

Uma vaga para uma dupla de criação se abriu em plena pandemia aqui na agência. Como de costume, postei o anúncio em grupos de vagas nas redes sociais. O que se viu em seguida foi algo que eu nunca havia presenciado em meus 22 anos de carreira. Recebi mais de 250 e-mails e continuo recebendo todos os dias, mesmo após ter concluído o processo semanas atrás. A maioria das mensagens era de gente relatando que havia sido dispensada pela agência em que trabalhava. Eu vi a cara do nosso mercado na pandemia. E ela não é bonita.

Passar cerca de uma semana quase exclusivamente analisando portfólios me fez perceber os equívocos que muitos criativos cometem e como bons profissionais estavam se prejudicando por conta de alguns deslizes. A intenção deste artigo é dar orientações para que você, criativo, não cometa erros, às vezes, básicos, que comprometam a sua chance de ter seu trabalho adequadamente avaliado.

Pense que neste momento o seu empregador (ou empregadora) estará analisando centenas de portfólios por dia e que essa pessoa consegue dedicar apenas alguns minutos ou segundos a cada um. As dicas a seguir são para que você consiga captar a atenção desse empregador e ele perceba a essência do seu trabalho. Infelizmente, nem todo mundo que seguir esses conselhos irá se empregar agora, mas imagino que ter conhecimento de algumas boas práticas aqui descritas pode aumentar as suas chances.

Leia os requisitos da vaga. Com. Toda. A. Calma. Do. Mundo.

Parece básico, não? Porém, mais da metade dos candidatos enviam e-mails sem ler com atenção os requisitos para se candidatar à vaga, como apresentar a pretensão salarial. Se a vaga exige essa informação e você não coloca, muitos empregadores simplesmente ignoram sua mensagem para poupar tempo.

Outro ponto importante, que tem a ver com os requisitos da vaga, é o nível profissional exigido. Se a vaga é júnior e você não é júnior, não se inscreva por desespero. Uma boa agência não irá — ou não deveria — se aproveitar do momento de "saldão do mercado" para ter um profissional mais experiente e pagar menos por isso.

Às vezes, as vagas têm particularidades em que mesmo os melhores profissionais não se encaixam. Leia com atenção todos os requisitos porque isso poupa o seu tempo e o do empregador. Eu sei que o desespero bate, mas se você não se insere em algum quesito, por favor, não insista, dessa forma você não entope a caixa de e-mails do empregador e ainda aumenta as chances daquele colega que realmente se adequa ao perfil da vaga.

E-mail de apresentação não é autobiografia.

Recebi muitos e-mails de apresentação que se classificavam em dois tipos: ou a pessoa escreve uma autobiografia ou simplesmente envia o link do portfólio, muitas vezes sem nem um "bom dia".

As duas formas estão erradas.

E-mail de apresentação deve ser breve, com poucos e curtos parágrafos, dizendo basicamente o porquê de se candidatar à vaga, acompanhado de um breve histórico e dos links com portfólio e currículo.

Seria mais ou menos assim:

'Olá, empregador,

Vi essa vaga no grupo do Facebook e me interessei bastante.

Acredito ter todos os requisitos. Tenho cinco anos de experiência e trabalhei nas agências A, B e C.

Também dei uma olhada no site da agência e gostei demais do perfil. Tem tudo a ver comigo.

Tenho disponibilidade imediata e minha pretensão salarial é tal.

Seguem os links do meu portfólio e LinkedIn.'

E, por fim, falar de projetos pessoais é legal, mas não agora. Deixe pra discorrer sobre suas habilidades extracampo num papo pessoal e, de preferência, se o contratante perguntar.

Portfólio. O meio é a mensagem.

Chegamos ao cerne da questão: o portfólio. E só sobre esse tema eu poderia escrever um livro inteiro, dada a quantidade de equívocos que as pessoas cometem.

Em primeiro lugar — e eu sei que este é um tema polêmico — esqueça o Behance. Essa plataforma é uma das que menos valoriza o trabalho criativo. O template é horroroso e a usabilidade é uma piada. Toda vez que eu clicava no link do portfólio e era no Behance (não, eu não vou fazer a piada que um bebê panda morria), respirava fundo e tentava me concentrar nas peças. Olha, tem que ter muita paciência para navegar no Behance.

Escolha uma plataforma que possa fornecer templates que valorizem o seu trabalho. Inclusive, vale a pena pagar, afinal, o portfólio é seu cartão de visitas. Eu particularmente gosto do Squarespace, e o Readymag também é bacana. Outra coisa: compre um domínio com seu nome, faça o favor de criar uma percepção profissional a respeito de você mesmo.

Mandar um PDF, link do Google Drive, anexar peças? Pelamordedeus, não!

O currículo é importante, sim.

Eu prefiro ler um currículo resumido dentro do próprio portfólio e depois dar uma olhada no LinkedIn, mas não vejo problema em receber também um CV, bem diagramado, anexo.

Mas eu prefiro o LinkedIn por um razão muito prática. Nele dá para ver quantas pessoas conhecemos em comum e facilita a famosa consulta por referência. Sim, todo empregador que se preza faz uma boa consulta sobre o histórico do candidato. Por isso, espero que você tenha se comportado ao longo da sua carreira.

Para você, redator/a.

Quando um diretor de criação está contratando um redator para a agência, não levando em consideração alguma posição mais específica, o que ele quer ver é a capacidade do candidato de executar a redação publicitária com excelência. Portanto, títulos são — e, em minha opinião, sempre serão —, a melhor maneira de avaliar o talento de um redator. Título é a síntese de um argumento complexo condensado em poucas e com as melhores palavras possíveis. Se você faz bons títulos, vai fazer bem a maioria das outras tarefas. Portanto, comece o portfólio mostrando alguns títulos. E aqui não importa o formato, pode ser título em anúncio, em post, em banner, em outdoor, tanto faz.

Na sequência, separe alguma peça — que pode ser até um e-mail marketing — com um texto maior. Algo que mostre a sua capacidade de construir um raciocínio mais longo, que demonstre a sua habilidade de escrever com o charme que os grandes redatores da história sempre fizeram. Honestamente, se você não sabe escrever um texto longo, você não deveria ser um redator publicitário.

Depois, mostre alguns filmes, spots ou qualquer conteúdo audiovisual. No final, saber contar histórias é essencial, e você vai precisar usar muito esse recurso no cotidiano de qualquer agência.

Por último, mostre que você sabe pensar em ações e ativações fora da caixa. Sei que muita gente começa com esse tipo de coisa no portfólio, mas, no dia a dia, é o que você menos vai fazer na agência, e todo diretor de criação sabe disso. É importante mostrar esse tipo de skill? Sim. Então, se realmente você tiver coisa boa para mostrar, deixa pra ser o grand finale da sua pasta, ok?

Outra coisa: não é só porque você é redator que a direção de arte do seu portfólio não importa. Importa sim, e muito. Um site com um bom design e uma boa usabilidade faz muita diferença para quem está avaliando. Esse cuidado faz o diretor de criação pensar que o redator que ele está contratando se preocupa com o todo e não apenas com a parte dele, e isso faz toda a diferença. Peça que algum amigo diretor de arte te ajude com o layout do seu site.

E, por fim, não entupa o seu portfólio com tudo o que você já fez na vida. Ter critério para selecionar o próprio trabalho também é levado em conta pelo diretor de criação. Eu gosto de ver portfólio com dez peças, no máximo.

Para você, diretor/a de arte.

Quem está procurando um diretor de arte está preocupado, em primeiro lugar, com a estética, em segundo lugar, com a estética e, em terceiro lugar, com a estética. Em quarto lugar, com a ideia, o filme e os projetos paralelos.

Portanto, o seu portfólio tem que ser deslumbrante do começo ao fim. Tem que ter KV grande, que pegue a tela de cabo a rabo. Tem que explodir aquele layout com aquela foto linda que você ficou horas “photoshopando”. Tem que sambar na cara do DC com aquela type que você fez manualmente para aquele job foda. Tem que seduzir, ser moderno, ter uma explosão de belezuras.

Acredite em mim, o DC não está muito preocupado com a sua capacidade de ter uma sacadinha pra aquele job fantasma que você fez para o prêmio da Miami, e sim com a sua capacidade de fazer um KV com craft. Entenda: sua capacidade de ter ideias vai, sim, ser apreciada com o passar do tempo, mas não é definidor da sua contratação nesse primeiro momento.

Outra coisa: eu também evitaria colocar filmes. Eu sei que um diretor de arte contribui muito para um filme, tanto na ideia como na execução, mas o diretor de criação não tem condição de avaliar, quando está vendo 350 pastas, a sua contribuição para aquele filme que está no seu portfólio. Se quiser colocar filme, coloque mais pro final ou no contexto de uma campanha que você tenha feito toda a direção de arte.

Entrevista. Essa desconhecida.

Se passar pela peneira e for chamado para uma entrevista, já tem o direito de ficar feliz. Primeiro porque, como eu disse lá no começo, é bem provável que o seu empregador tenha recebido centenas de portfólios.

Nessa hora é preciso respirar, não deixar a ansiedade tomar conta e ser você mesmo. Não adianta fingir ser quem não é só pelo desespero de tentar conseguir um emprego, esse tipo de expediente acaba fracassando após as primeiras semanas.

Vejo muita gente ansiosa na entrevista que acaba falando demais e ouvindo de menos. Escute primeiro e se atenha a responder o que foi perguntado. Não queira ficar adivinhando o que o seu empregador quer ouvir, isso acaba soando artificial.

Outra dica importante: é bem provável que a entrevista seja via videoconferência. Certifique-se de que o seu sinal de internet esteja bom, vista-se como se estivesse indo para uma entrevista presencial e cuide para que nenhum detalhe atrapalhe o papo, como cachorro latindo, crianças gritando, alguém que aparece sem querer atrás da tela etc. São detalhes, mas importantes.

Cabeça vazia: oficina da Covid.

Eu, de coração, espero que a economia volte a girar o quanto antes para que ninguém fique sem trabalho, mas, infelizmente, é bem provável que demore um pouquinho para você retornar ao mercado.

Enquanto isso, procure ocupar a cabeça com projetos que tenham um propósito maior. Além de fazer alguns cursos, e tem vários bons de graça por aí, engaje-se com algo em que você possa investir o seu talento e criatividade a serviço daqueles que estão mais precisando. Existem diversas iniciativas pipocando por aí. Muitos pequenos negócios precisando de divulgação, ONGs arrecadando recursos para os mais vulneráveis etc.

Você não precisa estar empregado para ser criativo. Você é criativo, e o mundo precisa de você neste momento. Seja útil. Produza. Movimente a roda.

Depois que tudo isso passar, espero encontrá-lo bem.

Rodrigo Esteves, sócio e CCO da Agência Memo

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