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Quarentena em Lisboa

Marcelo Lourenço (Coming Soon): "Trabalho como se fosse Natal"

03.04.20

O Clubeonline está acompanhando a evolução do coronavírus no mundo e coletando depoimentos ou ouvindo profissionais do mercado de comunicação a respeito do impacto da pandemia sobre a economia, sobre a indústria e sobre a vida das pessoas.

Entre os profissionais que procuramos estão alguns que vivem fora do Brasil, para compartilhar suas experiências em outros mercados, tanto do ponto de vista do negócio quanto da rotina pessoal, incluindo as medidas adotadas no país em que vivem.

Quem conta sua história de quarentena desta vez é o brasileiro Marcelo Lourenço, que mora em Lisboa desde 1999, sendo um dos criativos mais premiados de Portugal. Em 2018, começou a sua própria agência, a Coming Soon, hoje figurando no top 40 do mercado de comunicação português.

Leia também “Quarentena em Londres - Washington Olivetto: medo baixa a imunidade” e “Quarentena em NY - A primeira primavera de PJ Pereira”.

CLUBEONLINE - Há quanto tempo estão de quarentena?
MARCELO LOURENÇO - A quarentena em Portugal começou no dia 13 de março, com uma surpresa adicional: meus pais tinham acabado de chegar do Brasil para visitar as netas. No mesmo dia, as escolas fecharam e o edifício onde fica a agência foi encerrado. Fomos todos para casa. Como minha mulher disse: sexta-feira 13 é mesmo o dia perfeito para alguém saber que vai ficar confinado por tempo indeterminado com a sogra.

CLUBEONLINE - Como estão sendo estes dias: a nova rotina, a adaptação em casa, as ferramentas que tem usado?
MARCELO - No começo foi um grande stress, sem saber direito o que iria acontecer. Agora continuamos a não saber o que vem por aí, mas pelo menos já sabemos disso. O trabalho tem sido a parte mais fácil: a Coming Soon foi criada para ser independente, sem precisar da estrutura de uma multinacional. Por isso, nossos clientes já estavam habituados a falar diretamente com o “chef” do restaurante - o que facilita muito na hora de criar uma campanha remotamente. Difícil mesmo foi conseguir passagens de volta para os meus pais antes que os aeroportos fechassem de vez. O que conseguimos meia hora antes do lockdown total.

CLUBEONLINE - Do ponto de vista psicológico, como se sente depois de tanto tempo de confinamento? E sua equipe?
MARCELO - Começar uma agência independente transforma qualquer um num especialista em trabalhar de casa. Quando eu e o Pedro Bexiga deixamos a Fuel para começar nosso próprio projeto em 2018, durante muito tempo nosso escritório foi a cozinha da minha casa. Só há dois meses, quando entramos no top 40 das agências de Portugal, é que decidimos que era hora de ter um escritório. Então, é como se voltássemos às nossas raízes. Já vamos na terceira semana e já somos doutorandos em reunião por Skype/ Zoom/ Google Team/ House Party. E ainda ninguém desistiu e começou a trabalhar de pijama (o que é uma vitória)

CLUBEONLINE - Está trabalhando muito mais por causa da pandemia? Do modelo de trabalho (home office)?
MARCELO - A nossa sorte é que os nossos clientes não precisam de uma agência com uma grande sede ou com uma sala de reuniões luxuosa - querem mesmo é uma boa ideia. São os chamados “contenders” do mercado, que estão acostumados a resolver tudo rápido - não precisamos mais do que uma vídeo chamada para aprovar uma campanha. Estão todos a reagir muito rápido: desde que a quarentena começou já recebemos pedidos de novas campanhas - e metade delas já está aprovada e em fase de produção.

CLUBEONLINE - Como avalia o impacto sobre negócios?
MARCELO - Trabalhamos com marcas que são maioritariamente digitais - e a internet não fechou por causa da quarentena. Pelo contrário: multiplicou a sua audiência. Nas últimas três últimas semanas temos trabalhado como se fosse véspera de Natal. Gostaria de deixar aqui um obrigado especial para a Netflix e ao Tik Tok: sem vocês, trabalhar em casa com duas adolescentes seria impossível.

CLUBEONLINE - Algum cliente cortou o que estava previsto para este semestre?
MARCELO - Ao contrário, dobramos o volume de trabalho. Se isso vai mudar? Provavelmente, sim. Mas não sabemos - e pelo jeito ninguém sabe - quais serão as mudanças. Teremos de ser todos mais rápidos e fazer mais com menos. Ou seja: acho que vem aí uma era de ouro das agências independentes.

CLUBEONLINE - Como tem sido o dia a dia com os clientes? O que eles têm buscado mais? O que compartilham?
MARCELO - Apesar de preocupados, muitos dos nossos clientes já está a fazer planos para quando a quarentena acabar totalmente - uma data que o governo não quer definir, mas deve ser lá para o final de junho (com muita sorte). Por enquanto, estamos todos a tentar fazer a nossa parte: dar informação clara sobre como enfrentar essa fase.

CLUBEONLINE - O que pode dizer sobre perspectivas para o primeiro semestre? Para o ano? Dá para falar algo?
MARCELO - Não existe empresa no planeta que tenha contemplado uma pandemia no seu “business plan”. Acho muito cedo para fazer previsões. Só tenho certeza de uma coisa: no futuro temos todos que comprar uma geladeira maior.

CLUBEONLINE - Como avalia as medidas adotadas aí? As pessoas estão conscientes do problema?
MARCELO - Tivemos a Itália aqui ao lado a cometer todos os erros antes de nós - isso fez com que os portugueses tivessem noção da gravidade do problema e de que era mesmo preciso levar a quarentena a sério. Tirando a eventual inconsequência da moçada que vai pra praia apesar dos avisos do governo (ser idiota também pode ser contagioso), o país está se portando muito bem. Com uma boa notícia adicional: o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras acaba de dizer que vai regularizar de uma vez só a situação de todos os imigrantes ilegais em Portugal.

CLUBEONLINE - Que reflexões esta crise já tem provocado, nas suas crenças, na maneira como vê o mundo?
MARCELO - Acho que o mundo todo está vivendo como se fossemos um sujeito de 40 anos que bebe e fuma como se não houvesse amanhã. E de repente, tem um ataque do coração. E sobrevive. E o médico diz: “amigo, você teve muita sorte. Mas, pra sobreviver, vai ter de mudar completamente seu estilo de vida: beber menos, parar de fumar e deixar de se comportar como se fosse um idiota”. A pandemia é o nosso ataque do coração - para continuar a sobreviver depois disso temos mesmo de encontrar uma vacina contra a estupidez.

 

Lena Castellón

Quarentena em Lisboa

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