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Spcine + Clube de Criação

Como estão acontecendo as filmagens lá fora?

04.06.20

Conhecer as estratégias e os cuidados do mercado de produção no exterior, em países em que a atividade foi liberada – seja para publicidade ou conteúdo -, foi a proposta do segundo webinar realizado pela parceria Spcine e Clube de Criação. O debate "Experiências ibero-americanas de retomada de filmagens", que aconteceu nesta quarta-feira, 03, via Zoom, jogou luzes sobre protocolos, diretrizes de segurança, tecnologias e soluções, que podem orientar discussões sobre o que fazer no caso brasileiro.

O webinar foi aberto por Laís Bodanzky, presidente da Spcine, e Joanna Monteiro, presidente do Clube de Criação, que falaram sobre o estabelecimento da parceria que visa debater temas urgentes para a indústria do audiovisual. O primeiro painel foi “Imaginários para um Audiovisual Antirracista” (confira aqui como foi).

O segundo, que aborda as experiências de filmagens fora do Brasil, é imediatamente seguido pelo terceiro debate, voltado para o mercado nacional que se questiona como será a retomada no país e particularmente em São Paulo (aconteceu nesta quinta-feira; reportagem sobre as discussões será publicada nesta sexta-feira). “Este assunto é importante para o mercado. O setor de produtoras está sofrendo bastante”, afirmou Joanna, destacando que conhecer as boas práticas pode ajudar na adoção de medidas no país.

Conduzido pelo brasileiro Ian Haudenschild, diretor de produção com expertise em projetos internacionais, o webinar trouxe experiências do Uruguai, com Daniel Fernandez, presidente do Sindicato dos Técnicos e Profissionais do Cinema e do Audiovisual; da Espanha, com Laura Diez, produtora executiva da Tantor Films; do México, com Adrian Cervantes, cineasta e produtor executivo também da Tantor, mas locado em Guadalajara; Portugal, com Nick Page, produtor executivo da Page Films.

Confira highlights do debate

Países

Daniel Fernandez – “Estamos trabalhando com um protocolo. Fomos o primeiro a abrir (na região). A pandemia no Uruguai nos afetou de maneira distinta, em relação à quantidade de infectados (não são muitos, em comparação à proporção vista no Brasil e em outros países da América do Sul). O protocolo significa uma mudança cultural. Houve um trabalho coletivo e muita colaboração para isso. O protocolo foi assinado com o Ministério do Trabalho. É uma mudança no campo trabalhista. Tem muito menos gente nos sets. O trabalho começou pela publicidade. Com o cinema e as séries ainda vai demorar. Temos uma revisão programada para o dia 17 de junho”.

Adrian Cervantes – “O México é um país muito grande. As decisões são tomadas pelos estados. Em Cidade do México, as filmagens não foram retomadas – isso está previsto para 15 de junho. Em Guadalajara, sim. Desde o mês passado. Dependendo da região, as condições de produção são mais fáceis ou difíceis. Temos trabalhado com menos gente em Guadalajara.”

Laura Diez – “A retomada foi paulatina. Começou pelas zonas com menos casos. Agora, desde o dia 1º de junho, pode-se filmar em todos os lugares da Espanha. Os sets permitem no máximo 25 pessoas. Tudo deve ser esterilizado. Os sets também devem ser desinfectados. As empresas precisam comunicar as medidas. Nossas horas não mudaram: são 16.”

Nick Page – “Não vi dificuldades em filmar com protocolo. Todos estão contentes de voltar a filmar. Há um esforço mundial nesse sentido. Todos os departamentos, os clientes, os ‘film commisions’ estão se unindo.

Budget

Adrian – “Os orçamentos não aumentaram muito. Porque tem menos gente. Por questões econômicas, o peso mexicano ficou mais fraco em relação ao dólar.”

Daniel – “O peso uruguaio também perdeu muito valor. Não parece haver equilíbrio. Aumentou o trabalho nos sets, os cuidados requerem mais horas e temos mais custos por causa das regulações. Parecemos todos astronautas.”

Laura – “Os budgets diminuíram muito. Os clientes também não viajam, como antes. Não precisam se deslocar. É interessante observar como as empresas que alugam material agregaram serviços. Estão se profissionalizando nisso. Fazem trabalhos de desinfecção, de marcar sets.”

No set

Nick – “A rodagem está mais estruturada. Você ensaia muito bem antes de filmar. Não tem mais o hábito de ‘filmar sem parar’. É um processo mais exato. Os sets estão mais focados, há mais silêncios, as pessoas estão mais concentradas. Filmamos em um apartamento. Uma equipe chegou pela manhã, estudou o espaço e fez todo o planejamento. A primeira coisa que se faz é a desinfecção. Todos passam por isso. E todos têm a temperatura tomada. Quem passou por isso, é identificado com um adesivo marcado por cor. Separamos por cores quando as pessoas vão gravar por áreas. É tudo é baseado em distanciamento social.”

Espaços abertos e fechados

Daniel – “No Uruguai só foram liberados lugares fechados, por enquanto. Recebemos hoje (dia 03) a autorização para primeira rodagem feita em ambiente aberto. O uso do espaço público depende das autorizações das prefeituras.”

Laura – “Fizemos em lugares abertos e fechados. Montamos sets numa praia, num parque e num apartamento. Nos lugares abertos é tudo muito controlado.”

Adrian – “As locações em áreas externas são muito mais limitadas. E há questão ainda de o lugar ser privado ou público. Colocamos num estádio de futebol oito pessoas, mas o estádio é privado.”

Seguro e riscos de contaminação

Laura – “É impossível saber se uma pessoa pegou covid-19 num set. É impossível saber quando e como alguém se contagia. Seguradoras não estão oferecendo opções para o caso de haver cancelamento devido à covid-19. Elas estão tratando o assunto mais como um desastre natural.”

Nick – “O seguro que tenho para service é de responsabilidade civil. É complicado ter seguro de produção (no atual cenário). Um cliente perguntou o que acontece se a gente encontrar um ator com covid-19. Ele é levado para um lugar isolado e a emergência é chamada. Agora acontece de termos mais de um ator principal para publicidade. Normalmente, é apenas um, exceto se for filmagem com criança. Ter um backup não é comum para adultos.”

Ian Haudenschild – “Como, em produção publicitária, a filmagem dura só um dia não haveria essa necessidade. Com um filme de ficção ou série isso é diferente.”

Pré-produção e assistência de direção

Laura – “A chave do sucesso é ter muito boa comunicação. Se antes isso já era normal, agora se tornou muito mais necessário, já que o cliente não está com a gente. É necessário ter tudo confirmado antes, como vestuário e make-up. Para não perdermos tempo em discussões. E decision makers têm de estar disponíveis para consultas remotas.”

Daniel – “O primeiro assistente de direção é de fundamental importância. Ele vai ajudar a organizar. Mas ele sempre foi fundamental, tanto na publicidade quanto nas filmagens de ficção. De fato, estamos disputando o mesmo jogo, porém com outras regras. Antes jogavam 11, hoje jogam sete.”

Kits e cuidados

Ian – “Luz ultravioleta, ozônio, álcool gel. Os equipamentos estão passando por uma geral de desinfecção. O ozônio gera um gás. Coloca-se o objeto em um case, onde ele permanece por três a 15 minutos. No caso de uso de peróxido de hidrogênio, que também chamamos de água oxigenada, a gente passa num pano e aplica em tudo.”

Laura – “Contamos com um ponto de entrada em que fazemos testes de temperatura e as pessoas passam por etapas de desinfecção. Equipamentos todos também saem desinfectados. Repetimos esses processos a cada quatro horas ou toda vez que mudamos de lugar. Nos sets temos usado peróxido de hidrogênio. A União Europeia não confirmou se o ozônio é seguro, se não tem efeitos colaterais importantes. A OMS também não confirma que o ozônio não seja prejudicial.”

Nick – “Usamos um kit com máscara, com luvas, com plásticos para cobrir os pés. Esse kit custa por volta de sete euros por pessoa. Quando há contato mais próximo, por exemplo, se o diretor de fotografia se aproxima de um ator, aí se usa um visor. Temos tendas para desinfecção. A primeira é para pessoas. A segunda é para equipamentos. No kit, estão os adesivos coloridos que usamos para marcar as pessoas. Na Islândia, estão usando braceletes para identificar quem fez a desinfecção.”

Adrian – “Não existem padrões para todo o país. Há quem use água oxigenada. Há quem use ozônio. Para todos, a distância social é de um metro e meio. Há gente que policie? Isso é mais difícil de implementar. Somos nós que temos de revisar (se as medidas estão sendo cumpridas). Eu cuido de mim e cuido do outro. Se conseguirmos isso (incutir essa ideia nas pessoas), os protocolos terão mais sucesso.”

Daniel – “Não é obrigatório apresentar teste negativo para covid-19. Em todas as filmagens, tem um médico ou um profissional que cuide das medidas sanitárias. Parece-me que nosso setor tem mais cuidados do que outras indústrias. Nossa preocupação vai além do pré e da filmagem. Precisamos cuidar do descarte de resíduos e também de como sai do set. Porque um profissional vem com uma roupa de casa, usa o traje que disse que lembra o de astronautas e depois ele vai voltar para casa, onde está sua família. Ou vai a um supermercado. Temos de ter cuidados na entrada e na saída. O protocolo no Uruguai determina que todos estejam muito bem cobertos, de mangas compridas.”

Laura – “Temos a obrigação de ter um técnico de riscos. Ele é da área de segurança do trabalho. É importante ter esse técnico no set porque ele também elabora relatórios.”

Nick – “Temos um novo desafio na parte de conteúdo. Vi um white paper de profissionais dos EUA. As medidas colocadas ali mostram a intenção de voltar a filmar conteúdo. Vi uma entrevista do primeiro assistente de ‘Missão Impossível’ e ele fala de voltar a filmar em setembro. Na publicidade, as equipes são pequenas. Mas no conteúdo, são gigantes. Há viagens. Por isso, são muitas perguntas sobre a viabilidade das medidas propostas.”

Ian – “Isso lembra que provavelmente vamos ter vários protocolos, criados para diversos lugares. Talvez um sindicato dos EUA não permita viagens. E também grandes companhias, como Unilever, estabeleçam seus protocolos.”

Nick – “Todas as companhias de streaming, da Netflix à Amazon Prime Video, estão organizando seus protocolos.”

Tecnologia

Adrian – “Temos usado Video Assist remoto. Porque o cliente talvez não queira ver material via YouTube. Estamos desenvolvendo projetos com um software, o Video Village, no qual você pode revisar o que foi feito, pode deixar notas (o recurso permite também transferir e armazenar arquivos e ter controle de processos).”

Laura – “A plataforma Video Village foi criada por produtores. Passamos os primeiros meses de confinamento fazendo testes para produções para streaming. Ter comunicação encriptada no set é espetacular. É quase como ter um Zoom, mas para vídeo.”

Voltar a filmar

Daniel – “O cinema é resultado de um trabalho coletivo. Temos de buscar soluções coletivamente. O cinema tem um valor intangível. Por isso, é importante cuidar da cadeia toda, principalmente dos profissionais. Sem trabalhadores, não tem cinema.”

Spcine + Clube de Criação

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