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Um brasileiro em Singapura

Brijo (por Erick Rosa)

12.12.17

Em 2008 fizemos um concurso na Leo de Lisboa. “Leve o Maradona até a agência, ganhe um estágio.” Naquela altura, o Mão de Deus era o técnico da seleção Argentina e estaria na cidade para observar o Di Maria no glorioso Benfica. O Fábio construiu um Maradona de isopor, filmou o mesmo de um ângulo que parecesse ser quase de verdade – e o levou até a porta da agência.

Concurso vencido, oferta de estágio, estágio.

Acelera para 2015, o próprio Fábio, aqui em Singapura já, me conta sobre os detalhes, o backstage do início daquele estágio do parágrafo anterior. Descobri que para poder estagiar com o salário mínimo, ele acordava às 5 da manhã para entregar folhetos no trânsito. Na hora do rush, na segunda Circular, um dos pontos com maior trânsito de Lisboa, ele repassava os folhetos para acrescentar preciosos euros ao diminuto salário-ajuda-de-custo que ganhava. Ninguém sabia disso. O Fábio nunca contou. Acabei por saber disso quase dez anos depois, numa conversa de bar aqui em Singapura.

Volta para 2008. O Fábio não teve tempo para terminar a faculdade. Auto-didata com todo e qualquer software. Tentativa e erro até acertar. Com uma dose de humildade que não cabe em duas pessoas – e uma vontade que emocionava diariamente o Renato (meu dupla na direção da Leo Lisboa naquela época.) Todos os dias ele aparecia na nossa sala com um maço de ideias e layouts.

Corre para 2014. Existe uma vaga para diretor de arte aqui em Singapura. Uma ligação, trocas de texto e o Fábio estava a caminho desse canto do mundo. Primeira semana e o Fábio me pergunta: “Aula de inglês, será que eu consigo que a agência pague?” Certo de que não tínhamos a verba – e ainda mais certo da força de vontade dele – respondi que aula não conseguia oferecer mas que tinha certeza que logo ele estaria confortável com o inglês. Uma coisa é falar inglês de vez em quando. Outra coisa é passar o dia em reuniões, calls e apresentações, de ponta a ponta, em inglês. Numa agência com mais de 25 nacionalidades.

Avança para novembro de 2017. Umas duas semanas atrás. Reunião, concorrência – com um desses clientes multinacionais que assustam até o profissional mais experiente. Chego na agência um pouco antes das 10 da manhã. E na sala principal vejo, de longe. o Fábio apresentando para uma sala cheia. Com fluência nativa e conduzindo a reunião e a equipe como um Pep Guardiola da época do Barcelona, com aqueles absurdos 90% de posse de bola. Tik-tak.

Brijo. Com os anos, em qualquer trabalho, surgem expressões que tem um significado mais especial para o grupo que trabalha muitas horas juntos. São quase frases, muitas vezes apenas uma palavra, que tem o poder de resumir um monte de coisas de forma breve e quase ininteligível para quem não é do grupo. Brijo é, na verdade, brilho. Temos um colega aqui na MullenLowe que é do Uruguai. Falamos em portunhol entre os três. Martin, Fábio e Eu. O “brijo” nasceu daquela estratégia mágica do portunhol de trocar as palavras com “L” por um “J” puxado. Portanto, no meu portunhol, sempre que ele e o Fábio apresentavam uma ideia legal eu dizia: “Brijaram!”, como em “Brilharam.

De lá para cá, ficou ainda mais simples:

Erick, a reunião acabou agora.
Brijo?
Brijo.
Brijo.”

Fábio, recebi uma mensagem de texto do cliente de Londres. Brijo.
Brijo!
O Martin está com você?"
Diz para ele: Brijo.
Martin, brijo!

Pula para uma semana atrás. O Fábio me diz que quer voltar a viver na Europa. E tão importante quanto o desejo, ele tem a proposta. Uma agência de Berlim. Sonho de infância dele, viver na Alemanha. “Brijo! É brijo!”, foi a minha reação. Ele abriu um sorriso e disse: “Brijo.

Volta para 2016. O Fábio já estava aqui há quase dois anos. Eu e ele estávamos trancados numa sala tentando resolver um trabalho, um brief, um job. Detalhe: ele estava comigo apagando um incêndio que não era dele. Chamei ele para ajudar, um quase desespero, sem tempo, sem prazo. Mas também sem drama. “Se resolvermos, boa. Se não tiver nada, boa também.” [Nessa altura, o nosso colega uruguaio que inspirou o “brijo” ainda não havia entrado na agência. Portanto, no lugar de “brijo”, o clássico “boa.”] Resolvemos, portanto, “Boa.” Sem exclamação. Sem estresse. Perguntei para ele naquela quase noite: “Tem saudade de Lisboa?” E ele: “Muita. Tenho saudade da Europa. Aquela coisa toda. História, cafés, cervejas, noites e bandas ao vivo, em todas as equinas e todos os dias. Mas tá tudo certo. Lisboa, Europa – está lá. Estou a gostar dessa aventura. Difícil, difícil mesmo é acompanhar o meu Benfica. Os jogos sempre começam depois das 4 da manhã." Importante: o Fábio tem uma tatuagem do fundador do Benfica na perna.

Salto quase grande para hoje. Dezembro de 2017. O Fábio está fechando arquivos. Terminando projetos. Fazendo back up. Ele ja tem data de mudança. Braço direito e esquerdo. Meu e de muita gente. Tudo de uma só vez indo embora. Dia desses eu disse para ele: Você vai fazer falta. Muita. Ele riu. Riso menor. Não gargalhada. Riso de quem sabe com precisão o quão querido, boa gente e talentoso é.

Pula para o antepenúltimo parágrafo. Nesse espaço do Clube escrevo sempre sobre Singapura. Neste, escrevo sobre alguém que deixa a cidade. A saída dele coincide com o fim do ano. A volta dele para a Europa, o ciclo dele aqui em Singapura. Com o fim de dezembro e este texto— chega o fim dessa fase dele desse lado do fuso.

Brijo. Essa palavra que nasceu de um portunhol sofrido é a maneira mais correta de descrever o Fábio. Improvisa, bate corner, cabeceia. Faz gol de bicicleta e rabisca esquemas táticos que entortam qualquer problema. Tudo ao mesmo tempo. Sereno e sorrindo. Boa índole ambulante.

Dez anos atrás ele levou o Maradona até a Leo de Lisboa. Nesse ano novo ele vai levar um caminhão de talento para Berlim.

Um 2018 com muito “brijo”.

Para o Fábio e para você.

Erick Rosa, diretor executivo de criação da MullenLowe Singapura

Leia a coluna anterior de Rosa, aqui.

Um brasileiro em Singapura

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