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O Espaço é Seu

Propósito empresarial veio para ficar. E agora? (Guilherme Curi)

15.07.16

Precisamos de uma missão para uma empresa. E não de uma empresa com uma missão.” Foi desta forma que encerramos o primeiro dia da Sustainable Brands 2016, em San Diego, Califórnia.

Na conferência realizada neste mês, cujo tema era "Ativando Propósito" ("Activating Purpose"), mais de 1,5 mil pessoas se reuniram para
acompanhar líderes de empresas e consultorias de todos os segmentos e tamanhos, discutindo o cenário atual no qual o mundo empresarial se vê diante de um desafio inédito: a redefinição do propósito das corporações para além da "doutrina Friedman", que nos anos 1970 pregava que a única razão para a existência de uma empresa era trazer retorno aos seus acionistas.

Os tempos mudaram, e o século 21 apresenta uma série de challenges globais e uma nova geração (os Millennials ou Geração Y) fortemente ancorada pela busca de significado em seu trabalho.

Nascida há dez anos, a Sustainable Brands se dedica a abrir espaço para a discussão de uma agenda empresarial mais sustentável, que possa oferecer soluções para problemas enfrentados em escala global, como o efeito estufa, desmatamento, trabalho infantil, lixo, consumo de alimentos geneticamente modificados, desigualdade social e urbanização desordenada, dentre outros (para uma lista completa, basta acessar as Metas para o Desenvolvimento Sustentável, da ONU).

Quando um grupo de empresas tão significativo vem a público para engrossar este discurso, fica evidente a ligação direta entre causa, efeito e responsabilidade. O atual modelo de produção, pautado pela noção de que crescimento econômico significa progresso, vem gerando um impacto sistemático no meio ambiente e na sociedade.

Até duas décadas atrás, grandes empresas se ausentavam desta discussão, no entanto, o crescimento exponencial do fluxo de informação (pela internet) e da mensuração de dados (Big Data) fez com que a Geração Y crescesse consciente das origens dos problemas enfrentados.

Mais do que isso, trata-se de uma geração com novos valores, disposta a cobrar por mudança na representação de três papéis: como consumidores, exigindo uma nova postura de empresas através de movimentos sociais organizados online (vide change.org); como empreendedores, fundando startups que rompem paradigmas, alterando o comportamento da sociedade de forma cada vez mais rápida e balançando grandes empresas (vide Airbnb, Uber, We Work, entre outras); e como funcionários, representando uma geração para quem o dinheiro virou algo secundário - o que importa é o propósito no trabalho.

Propósito é um termo abstrato e ainda em assimilação pelo mercado. Não obstante, há bastante confusão. Sob a ótica do indivíduo, cada um detém, em tese, o direito de buscar seu próprio propósito ou aquilo que o preenche e satisfaz de forma integral, pessoal e profissionalmente.

Portanto, propósito pode ser uma série de coisas bem diferentes. Mas quando o assunto são grupos empresariais multinacionais, propósito assume uma conotação bem mais específica: criar impacto positivo na sociedade e no planeta através de produtos e/ou serviços (vale ressaltar que sustentabilidade é um dos campos possíveis onde o propósito se encontra - mas não é o único).

Embora clara, esta meta é bastante ampla e também se manifesta de diversas formas, dependendo da empresa e seu ramo de atuação.

Voltando à conferência, a questão sobre como ativar o propósito pressupõe que a empresa tenha um propósito e um framework para colocá-lo em prática. Durante os quatro dias de palestras, painéis e workshops, ficou muito claro que a maior parte delas ainda não tem uma coisa nem outra.

Por mais que a conversa de corredor muitas vezes tenha sido “todos nossos escritórios pelo mundo devem ser carbono-zero até 2020”, no palco o que se viu foi mais do mesmo: muita gente falando sobre sustentabilidade, e muita gente não entendendo o que fazer a respeito. Um executivo da Unilever foi direto ao ponto: “venho à Sustainable Brands e há quatro anos ouço as mesmas propostas, mas continuo sem saber como fazer isso na minha empresa.

A impressão que fica é a de um encontro onde pregadores pregam para convertidos, e ninguém lá precisa ser convencido da importância de uma agenda sustentável e do papel das empresas na transformação que o mundo tanto precisa.

A questão continua a ser, após a conferência, quando a maior parte destes líderes retornam ao dia-a-dia e lá enfrentam o real problema: “Na minha empresa, cultura de retorno aos acionistas é o que acaba com minha proposição de sustentabilidade”, conforme confessou para a plateia de quase mil pessoas uma executiva da JetBlue.

O status quo do retorno a curto prazo, que impõe um modelo de eficiência e produtividade extremas, representa um sistema que impossibilita empresas (sobretudo as de capital aberto) a pensar no longo prazo e compreender as consequências das suas atividades produtivas. Em última análise, mesmo que haja pessoas interessadas em colocar em prática seus valores e propósitos, muitas vezes elas não conseguem vencer o sistema.

Neste sentido, os Millennials têm feito pressão significativa para mudança deste cenário. A conclusão é clara: quanto mais liderada por propósito é a empresa, mais fácil atrair e reter talentos, mais engajados são seus funcionários e melhores são os resultados. Esta conta, por mais que seja simples, nem sempre foi levada em consideração. Até poucos anos, era difícil convencer investidores e CEOs pelo mundo de que havia um business case para um approach de propósito.

Pioneiras como Patagonia, Wholefoods, Natura e IKEA aos poucos abriram espaço para um novo hall de gigantes, como REI, Google, Costco, Tesla. Conhecidas como “Billion Dollar Giants”, estas empresas provaram que o paradigma mudou - consumidores, challenges globais e junto com estes, o propósito das empresas. Em comum, todas estas companhias têm no centro de sua cultura corporativa uma missão (que cada vez mais é chamada de propósito) alinhada com os tempos atuais.

No caso do Google, “Organizar a informação do mundo.” Para a Tesla, “Acelerar a transição para o transporte sustentável.” Estes
direcionamentos possuem dupla função - alinhar a empresa em torno de um destino e comunicar para stakeholders o que ela pretende fazer.

A transição para este tipo de papel vai muito além de um posicionamento de marca. Idealmente, ele tem como objetivo tocar o centro do modelo de negócios da empresa, priorizando todas suas decisões e, em empresas mais avançadas, até mesmo seu sistema de governança.

Neste sentido, ativar o propósito passa então a ser uma questão de como partir de (A) ter um propósito que é uma missão de impacto no mundo para (B) colocá-lo em prática (B-Corporations representam um framework atual).

A Sustainable Brands tem representado um importante fórum para que esta discussão continue, mas o próximo desafio (mais do que em tempo) será como equipar os líderes que lá estão presentes com ferramentas para materializar propósito na tomada de decisão. Como muito bem resumiu um dos anfitriões, o momento é de alinhamento total: “O que nos faz humanos é igual ao que o mundo precisa e ao que faz com que empresas tenham sucesso."

Guilherme Curi, Innovation Strategist & Organizational Designer - August

twitter: @guicuri

medium: @GuilhermeCuri

instagram: Organizations of Change

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