arrow_backVoltar

O Espaço é Seu

Enjoy the ride (por Miguel Benfica)

28.10.14


Saio da agência. Pego a chavinha da Boris Bike. Ajusto o banco, monto na bike e começam as cenas. Entro na cycle lane. Ali é hora do rush. Um monte de bicicletas andando organizadamente, todas na “contra-mão”. Nenhuma na calçada. Todas parando no sinal. Coloco música no Iphone. Acabou mais um dia de trabalho. Celular no Airline Mode. Assim posso escutar minhas músicas favoritas e apreciar a paisagem. E que paisagem, todos os dias. Que me recoloca no mundo real depois de tantas horas diárias dentro desse mundinho chamado agência.



O que vejo é bem melhor que um Getty Images. Tem de tudo ali. Principalmente quando vou pelo caminho mais longo e cruzo o Hyde Park. A estudante japonesa perdida. A turma de meninas lindas e suas malas low cost esperando o check in. O cachorro que se perde por querer. O avô que ensina o netinho sobre aquelas folhas caindo. A senhora que tira os sapatos e caminha na grama depois do trabalho. A lua. A lua cheia. A lua tentando aparecer no meio da chuva. O temporal frio que insiste em lembrar que você não está no Brasil. O speak corner. Um dia ainda subimos ali só pra falar mal da Dilma Dedé! Prometo. O turista italiano perdido que, sortudo, pára o talvez unico ciclista que fala italiano naquela hora e pergunta doveeee fica o metrô? E eu digo, que metrô? Ele: o que fica perto do Tesco.., como se só tivesse um Tesco em Londres. O pôr do sol batendo no jardim que a Lady Di gostava de passear. O grupo de meninos aprendendo a cavalgar. O taxista irritado com o ciclista que passa pela faixa de pedestres. O beijo. O garoto que volta sozinho de skate pra casa. O casal de cisnes fazendo spinning no meio do lago. A mulher com a burca e seus dois filhos voltando da escola enquanto me pergunto caramba, como o porteiro da escola sabe que aquela é a mãe deles? O franzino ciclista que me segue e me usa como vácuo para fugir da chuva. O esquilo de novo. O reflexo do sol no lago. A ponte que nao caiu durante a Guerra. E também durante a outra Guerra. E que agora assiste a uma briga de trânsito. Mas uma briga polite. Só uma leve buzinada. O pato que pára no meio da calçada como quem diz “who the fuck are you?” E amedronta a menininha. O casal de amantes que dorme no banco esperando a hora de correr para Heathrow. O careca que corre mais do que eu na bike. Como odeio esses carecas velhos fortes que insistem em provar que eu não deveria ter deixado de ir na academia ontem. O double deck vermelho que me espera fazer a curva. O taxi que faz as curvas mais malucas que já vi. O beijo de novo, agora dentro do taxi. O cara que passa carregando seu coffee, pobre coitado que não sabe o que é um café italiano davvero. A gordinha. Como tem gordinha aqui. O velhinho tentando ler as letras pequeninas do 'whatsap'. O turista. O local. A linda e bucólica Portobello road. Que já foi apenas uma música do Caetano e Gil e hoje faz parte do meu caminho de volta pra casa. A feirinha. O outro turista. O cara que toca o (mesmo) blues na esquina da rua onde filmaram A place called Notting Hill. A chuva. A chuva de novo. O arco-íris no final da curva. O cara de terno comendo no meio da rua um sanduíche que parece vindo direto de uma airline falida. O prefeito que passa na sua bike. Sim, aqui as bicicletas públicas não são chamadas de Boris bike a toa. É porque o prefeito as usa todos os dias. Gordinho, também o vi passando. O jornal caído contando da ameaça de Ebola. Os amigos jogando bola com as suas gravatas soltas, sapatos mocassim e nenhuma esperança de ganhar outra Copa. E eu chego em casa. Cheio de ideias. Quem sabe o que vou fazer com elas? Quem sabe um texto tão bom quanto os do Kassu? Quem sabe. Por enquanto, a única certeza é a de que, já que a vida é curta, a gente tem que aproveitar o caminho.



Por Miguel Bemfica, fundador da Escola Cuca, Global Creative Director e ciclista.

 


O Espaço é Seu

/