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Até que o recruiter nos separe

Por Laura Esteves, redatora da DDB/NY e soltinha na marola

06.09.05

Eu sou praticamente a Elizabeth Taylor dos duplas. Já tive tantos que já nem me apego muito mais. Mas desde que eu mudei pra cá, eu dei fim à promiscuidade e praticamente fiquei com o mesmo diretor de arte.

Como todo relacionamento, tem a fase do nunca nenhum diretor de arte me fez sentir desse jeito, bilhetinhos em post its, “mentira que não está finalizado, ainda é layout, jura???? Mas está perfeito”….

Tudo funciona até que uma das partes tem a brilhante idéia de vamos trabalhar na mesma sala? O que no relacionamento significa aquele momento insano no meio da noite que um namorado vira pra você e fala: por que ao invés de carregar sua sacolinha todo dia você não muda pra cá de vez?

No caso da dupla, não partiu da vontade de nenhuma das partes.

Foi o recruiter que depois que a agência ganhou a conta de Subaru, Lipton e Diet Pepsi precisou juntar as duplas na mesma sala pra modi caber mais gente.

Eu fiquei arrasada. Eu sei que é bobeira, ainda mais trabalhando a vida inteira no estilo Carandiru de criação, com um quase sentado no mouse pad do outro.

Mas é que depois que você experimenta morar sozinha, voltar a ter roommate é uma tristeza. 

Ainda levei a pior porque fui eu que mudei pra salinha que era dele, ou seja, entrei tipo a namorada, assim com uma caixinha de papelão com meus pertences, tipo “benhê, tem uma gaveta onde eu possa colocar minhas coisinhas?”.

No começo tem aquela cordialidade “tem certeza que a música não está muito alta?”, seu telefone tocou, bom dia, quente hoje hein?

Depois de um tempo, o bom dia é trocado por uma levantada de sobrancelha seguida por uma olhada no relógio tipo “bom dia, quer dizer boa tarde” e outras delicadezas do relacionamento entre humanos.

Como todo bom casal, a gente começou a se evitar, chegar mais tarde, telefonemas como “não me espere para o briefing, vou atrasar”.

Mas pelo menos no casamento de verdade, você tem o escritório pra fugir e ficar lá fazendo compras no ebay até dar bem tarde e você não ter que esbarrar no cônjuge.

E eu nem tenho minha mamãe aqui pra soltar a máxima: vou dormir na mamãe hoje.

Mas aí você pensa com calma nas coisas lindas, os filmes, os anúncios que construímos juntos e tenta, num último suspiro, o que parece consertar todo desentendimento de casal: vamos viajar.

Pois não é que apareceu uma reunião em Amsterdam e lá fomos nós. Com toda a esperança de que lá, do outro lado do Atlântico, longe dos problemas da rotina da agência a gente ia voltar a se entender de novo.

Mas nem isso resolveu e eu que nunquinha reclamei de dupla na vida, fui conversar com a recruiter e ver o que fazer.

Me senti péssima. Falar o quê sem comprometer a carreira do cara?

Aleguei imcompatibilidade de métodos no que a recruiter riu e falou: a gente tava apostando quanto tempo você ia aguentar.

Me deu um alívio e eu acabei descobrindo que o fofo é simplesmente a pessoa mais difícil de trabalhar e estava sem dupla há 3 anos.

Fizemos a separação ser da maneira mais cordial possível, eu juntei meus trapinhos e me pirulitei.

Eu tenho um cachorro colorido de gesso que achei por bem ficar comigo. Mas pra quebrar assim o clima de despedida soltei um "mas você pode ir visitar ele nos finais de semana”.

Os dias seguintes foram maravilhosos, liberdade de ir e vir sem ter que dar satisfação, ser redatora de novo e não a dupla do fulano.

No começo, a gente evita se esbarrar, passar pelos mesmos restaurantes que ia antes, mas até que um dia, você esbarra assim no corredor e depois de olhar de cima a baixo e tentar ver quão miserável ele está, você sorri e diz: você parece bem. E ele: você também. Bom te ver. E cada um vai pro seu lado do corredor.

Aí começa a fase de conhecer outros diretores de arte. Ver os portfolios. E o recruiter fica tipo Sílvio Santos querendo formar casalzinho: Laura, conheci uma diretora de arte que você vai adorar. Dá uma olhada na pasta dela.

E lá fui eu ver a pasta da minha pretendente. As pastas aqui são como são aí, sem grandes diferenças. Vi a pasta com o print e quando eu fui ver o rolo, percebi que agora que eu mudei de salinha, não tenho TV aqui (como apartamento de divorcidado, minha nova salinha não tem basicamente nada além de mim).

E num ato Nelson Rodriguiano, lá fui eu assistir o rolo da minha dupla. Onde onde? Na salinha dele. O fofo não tava lá, claro, mas ainda assim me senti uma teúda e manteúda assistindo o rolo de outrem ali, onde juntos já fomos felizes. O DVD ainda quente dos nossos comerciais…

E o pior de tudo: eu gostei. O próximo passo depois que a gente gosta de um porfolio (book, como eles chamam aqui) é chamar a pessoa pra ver se a gente se dá bem ao conhecer.

Marcaram o dia e a hora e ela veio. Nos demos bem na hora. Os dias seguintes foram maravilhosos.

Aqui é bem relax em relação a horário, onde e como você trabalha.

O que importa é você entregar o trabalho no prazo. Então acontece, principalmente agora que é verão e todo mundo quer ficar o máximo ao ar livre possível, de você ir com seu dupla pro Central Park ou pro Rockfeller Center que é aqui do lado. 

As vezes faz bem, desopila, quando todos os comerciais que você consegue pensar são estorinhas que se passam dentro de um escritório, por exemplo.

Eu tava feliz da vida, ela também, a gente fazendo projetos pro futuro… Aí vem a recruiter e fala que o meu diretor de criação não foi muito com a cara da minha nova dupla.

Eu tentei argumentar, tipo filha que o pai não gosta do namorado, mas nadinha fez eles mudarem de idéia e ela acabou indo embora. 

A gente ainda se fala, as vezes. Escondido. Nos finais de semana, ela aluga uma casa de praia perto da minha e aí a gente se encontra e conversa. Eu queixo que não encontrei ainda outra pessoa tão legal quanto ela, ela reclama da vida promíscua de freelancer.

E lá tava Laura feliz de estar solteira de novo.

Mas pelo visto meus dias de Olacir de Moraes vão acabar.

Já me marcaram outro date pra conhecer uma nova diretora de arte, nessa quinta, às 4:30.

Já tô pensando o que vou vestir.


laura.esteves@ny.ddb.com
 


Comentários

Flávio Barreto de Lima - Sinceramente, essa Laura me lembrou a personagem de Reese Witherspoon, em Legally Blonde/Legalmente Loira. Ou talvez, mais recente, a personagem da Daniela Escobar na novela América. Nos dois casos, ou melhor, nos três, ninguém sabe se sente inveja ou pena, não necessariamente nesta ordem. Quem olha assim de fora e vive a realidade do Brasil, analisa: três meses para um job, salinha particular com TV/DVD, trabalhar separado do dupla, horário livre, saídas para espairecer, viagens à Europa e ainda "briga" com seu dupla porque não sabe trabalhar num mesmo ambiente? Fala sério! Isso é coisa de quem não pisa no chão. Se eu não soubesse que ela é quem é, diria que não passa de uma filhinha de papai mimada e mal acostumada que teve muita sorte na vida. Admiro o trampo da Laura, mas esta seção Passaporte só tem a perder com essas EGOTRIPs Surreais (para os mortais aqui do Brasil). Uma coisa é certa: esse tipo de "notícia" deveria ser guardada para as amigas mais íntimas dela. Não quero nem imaginar o que os estudantes de publicidade vão dizer. Laura, no País das Maravilhas é o mínimo.
flavioblima@gmail.com


Mauro - A seção Passaporte, a meu ver, existe exatamente para isso, meu caro Flávio: trazer relatos de outras realidades, o que a Laura faz com o máximo talento. Para falar da "nossa" realidade temos todas as outras áreas do Clubeonline. Não seja mal humorado e expanda seu universo. Abraços
maurotroiano@uol.com.br

Franco
- Quando eu morrer quero ser igualzinho à Laura.
franco@demais.com.br
 
Neide Cavalcanti - Parabéns, Laura. Amei o texto. Bem, quem não teve a sua sorte, que amargue a tristeza de ser pobre e não ter belas fábulas a contar. Fazer o quê????
xute@hotmail.com


Flávio Barreto de Lima - Acredito que devo desculpas à todos. Vocês têm toda razão, o Passaporte é um lugar para se contar experiências e causos legais que os brasileiros que trabalham aqui não conhecem, ou ainda vão conhecer. Desculpem a ignorância (em todos os sentidos). Abraços.
flavioblima@gmail.com


Allan Leite - Depois de tudo o que li, gostaria de saber os proximos capitulos, lua de mel e filhos por exemplo...
allan.leite@ig.com.br

Luiz Carlos Lucas Salles - Laura, vc também merece um iate com o seu nome. O bom humor que passa por ti é a cara do Passaporte. Um parabéns arretado procê. Um cheiro da Paraíba, também. 
lucas@9ideia.com.br 

Sergio Glasberg - Lendo o texto, logo me veio à cabeça o seriado Sex and the City. Não me apeguei ao cenário ou ao clima cosmopolita que a cidade de Nova Iorque nos convida. O frescor e o bom humor são os protagonistas da estória. Não posso negar que é muito charmoso ficar o máximo ao ar livre possível e ir com seu dupla pro Central Park ou pro Rockfeller Center. Adorei, Laura. Boa sorte.
glasberg@sfilmes.com

Chris - Diz aí, Laura. Não tão precisando de estagiário não? Eu sei inglês hein. Sucesso!


Dennis - Que texto!!! Que história (ou que estória, como queiram!)!!! Adorei a inteligência do texto ao narrar um fato tão corriqueiro no mercado publicitário (de lá, claro!). Laura, você é o máximo. Quando você vai escrever um livro de contos?
gildennis@yahoo.com.br


Bruno Salgueiro - Posso pedir sua mão (para escrever textos), em casamento? Sou Diretor de Arte, ou pelo menos me considero como tal. Beijos
bruno.salgueiro@141worldwide.com


 Alexandre Torres - Hehehehe os textos da Laura são excelentes para se ler... aletorres@aletorres.com.br


 


 



 

Até que o recruiter nos separe

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