arrow_backVoltar

Dá 6h mas não dá 5h30

por: Laura Esteves*

14.09.04

Às 5h30, quando você tá pensando em pedir um América ou mendigar uma barrinha de cereais da secretária, tem publicitáiro aqui indo embora, pensando no que vai fazer para o jantar.


É verdade. Muita gente vai embora nesse horário. Principalmente nos outros departamentos que não a criação. Criação, acho que seja onde for, vai ter sempre os troncos de enchente que agarram e não saem de jeito nenhum. Por costume, por muitos não terem filho esperando e por trabalho mesmo.


O virar a noite aqui eu ainda não presenciei. Já vi, em véspera de concorrência, um povo que ficou até as 3h da manhã.


E quando eles mencionam "weekend" realmente querem dizer final da semana. Já tive que trabalhar no "weekend" algumas vezes, por aqui, mas, sendo redatora, qualquer bloquinho de papel de pão resolve.


Então, vou pro parque. E vou falar que foi bem melhor do que ficar fechada dentro da agência olhando o dia lindo lá fora.


Mas voltando ao horário. Eles chegam cedo e não saem pra almoçar. É comer um sanduíche na mesa, encher o teclado de farelo, matar o pessoal do cpd de raiva e dar linha na pipa às 6h.


Eu tento mas não consigo entrar nesse ritmo. Pra chegar cedo, nunca fui das piores, mas o tal do não sair pro almoço é que me pega. No Brasil, a gente sempre usou a hora do almoço pra resolver um monte de coisa. Cochilos no caso de você ter saído na noite anterior; almoço com amigos, cada um ali reclamando da sua própria agência; ir na academia.
E depois de anos e anos saindo na hora do almoço, vou falar que é difícil.


Tanto quanto sair às 6h, com o sol lá fora. É tanto tempo de sobra que você não sabe nem o que fazer. Meio triste, mas é verdade. Aí a gente acaba se acostumando a sair da agência e ir pra casa. No máximo jantar fora ou ir num cinema. Então, ter esse mundão de minutos pra mim é diferente. Agora no horário de verão então, que escurece às 9h da noite, às 6h parece que é o começo do dia.


Mas ao mesmo tempo é bom. Quem tem filho chega em casa e encontra o filho acordado, quem não tem pode tentar ir pro bar e provindenciar um logo logo.


Mas pra mim tá difícil entrar nessa rotina. Então, é bem comum dar 2h da tarde e chegar a Laura, de cabelo molhado, falando "Helloooooo". Aí, dá de noite e fico eu e a tia da limpeza, que já é bem minha amiga. É da Iugoslávia, já me contou a vida toda.


Mas aos poucos vou entrar no ritmo.


Ou vou convencê-los a entrar no nosso. Já tem cinco da criação que começaram a sair na hora do almoço comigo. Daqui a pouco, tá todo mundo virando a noite, trabalhando final de semana. E as esposas vão vir atrás de mim pra saber quem é a brasileira que espalhou essa semente do mal, essa idéia de trabalhar durante a noite.


Igual ao inglês, eu posso e tento melhorar o meu, mas, enquanto isso, tô ensinando um atendimento de Esso a falar português. Ele é louco para morar aí e tenta bravamente falar Kaypyynha que é a bebida do momento por aqui. Caso as aulas de inglês escrito não funcionem eu posso tentar ensinar todo mundo a fazer roteiros em português.


 


*redatora não nine to five da DDB NY e colunista da seção Passaporte
laura.esteves@ny.ddb.com

Dá 6h mas não dá 5h30

/