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A vaga no escritório

por: Laura Esteves*

01.09.04

Pior que ficar preso no trânsito é ficar preso no trânsito sem poder colocar a culpa nas obras da Marta.


Deve ser por isso que aqui em NY todo mundo anda de metro. Você e o CEO-chairman-VP-galatic-mega-plus ali sacolejando e lendo o seu "Da Vinci code". Impressionante a destreza que a gente pega com o tempo.


Nos primeiros meses, eu mal me segurava. Agora vou eu, a bolsa, a sacolinha de ginástica, o walkman, o livro. Vou parecendo aquele mendigo doido que tem uma buzina e vai juntando tudo em cima de uma bicicleta.


Mas a questão é: se todos vão de metro e ninguém tem vaga na garagem da agência, como esfregar na cara do seu colega que você é mais queridinho pelo seu diretor de criação?


Resposta: a Igreja tem o Vaticano, o exército tem as insígnias e as agências de propaganda de NY têm as salinhas.


Tudo começa em um "cubicle", que são as famosas baias. Se você é ruim de serviço ainda divide seu "cubicle". Uma coisa bem Carandiru, mesmo.


Com o tempo, você roda o peão e realiza o sonho do "cubicle" próprio.
Aí, dependendo do seu book (que é como eles chamam o portfolio, aqui), do trabalho que você vem fazendo e de você ser dado à flatulência, eles te colocam em uma salinha individual.


Trabalhar numa salinha é um sossego. Eles contam que primeiro era tudo aberto, como são as "agencies" aí. Depois de um tempo, mudaram pras salinhas com porta. Mas parece que as pessoas começaram a se isolar. Nego chegava, fechava a porta, trabalhava e ia embora. E só trabalhava na melhor das hipóteses. Porque num dia de inverno, com uma televisão e uma salinha, eu não ia resistir a ver se tava passando "Curtindo a vida adoidado" ou "A garota de rosa shocking", na Sessão da Tarde daqui.


E, pra completar, ia na cafeteria, de chinelinho, e fazia um brigadeiro no microondas. Depois eu dizia que no Brasil é assim que a gente trabalha.
Por essas e outras e pra acabar com os índices de Prozac na criação, eles tiraram as portinhas e agora é cada um com sua salinha aberta.


Do lado de fora tem uma fotinho com seu nome e do lado de dentro você põe o que quiser. Traz sofa, poster, mas bicho de estimação não.


A Marjorie tem um sofa de pelúcia, o Tom tem um Darth Vader em tamanho real, a Judy colocou uma cortina na porta e ficou a cara de cabine de experimentar roupa na C&A. Eu cheguei lá com umas roupinhas e fiz um número 3 gigante pra mostrar quantas peças eu queria experimentar na salinha dela.


Eu faço um estilo assim "minimalista galleria do Soho", uma grande parede branca, uma mesa aqui, um computador e um telefone.


Se eu mal decorei a minha casa que dirá ir lá na Ikea pra comprar coisas pra salinha.


Mas a competição intrínseca do ser humano não deixa o pobre coitado ficar feliz porque tem a salinha. E aí vem o problema dois: tem janela?


E ainda mais: a janela dá pra onde?


E antes que perceba, você virou um corretor, analisando se a salinha é fundos ou frente, onde bate o sol da tarde, se é face sul, se a vista é "definitive" ou há o risco de construirem um prédio que vai tirar a visão do parque...



Isso considerando uma cidade em que a maioira das pessoas deve morar em apartamentos menores do que a tal salinha.


Mas pra pensar é bom. A verdade é que você se concentra bastante e acho que acaba rendendo bem. Os homens podem acessar sites que piscam e crescem coisas, as mulheres podem ligar pro seu doutor e marcar um Papa Nicolau numa boa, sem levantar uma discussão com seu dupla sobre sua vida sexual.


Na hora de criar, um vai pra salinha do outro e aí é tudo igual. É também onde os atendimentos e os planners vêm te brifar. Aqui, todo e qualquer job, nêgo vem e fala fala fala. Quem faz os briefings são os planners, que são pessoas muito legais. Têm uma visão mais estratégica, um pouco de sociologia e antropologia, um trilhão de informações de grupos de pesquisas e o internacional bla bla bla.


Eles fazem o briefing e os envolvidos (cliente, atendimento e diretor de criação) têm que assinar.


E não tem o famoso "entrega pro tráfego" ou "pega lá no estúdio". Quando você termina o job, chama a turma e apresenta pra eles. O diretor de criação confia e trabalha paralelo, mesmo. Se das idéias que você apresentou ele tem dúvida entre uma ou outra, chama os caras e pergunta o que eles acham que é mais apropriado e talicoisa.


Aí vai apresentar para o cliente. Apresentam e o cliente pergunta: qual a recomendação da agência.


Aí começa a pre-testação. Tudo é pre-testado. Deve ter "focus group" até pra imã de geladeira.


Acho que tudo é tão caro que nêgo não pode correr o risco de uma dona de casa de New Heaven não entender que esse chá é cem por cento natural.


Os pré-testes demoram muito. Mas aqui se faz tudo com uma margem de tempo absurda. Muitos briefings de agora são pra as campanhas de verão de 2005.


Isso é outra coisa engraçada: ter que considerar a estação do ano. No Brasil todo dia é dia de picolé do Rochinha, mas aqui um comercial de verão pra um tupperware é completamente diferente dos do resto do ano. É família fazendo pic-nic, é férias, e nas férias ninguém quer lavar prato. E desce grupo de pesquisa pra testar se a dona de casa de New Heaven gosta ou não de lavar prato nas férias.


A vantagem da salinha é que eu, agora, em horário de expediente, escrevi esse blocão de texto sem ninguém perguntar "quê isso?", olhando em cima do meu ombro.


Porque a gente tá mais acostumado a ver linhas espaçadas em computador de redator.


A não ser que ele seja um daqueles que escreve o mail no word e depois dá copy paste pra ninguém achar que ele passa o dia no outlook.
Ah, vai, você também? Jura?


 


*redatora da DDB NY e colunista da seção Passaporte
laura.esteves@ny.ddb.com

A vaga no escritório

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