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O espaço é seu

A Dança do Teflon (Fernando Campos)

08.07.08

Sr. Secretário Beltrame,


Seria extremamente falso de minha parte começar esta carta/artigo com um “caro”, um “prezado” ou mesmo um mais formal “excelentíssimo”.

Não posso, em sã consciência, considerar caro, prezado e, muito menos, excelente o representante de um governo que comete a atrocidade que o governo do sr. Sérgio Cabral cometeu com o menino João Roberto Amorim Soares, brutalmente executado pela sua Polícia Militar neste fim de semana.

O ocorrido foi simples e aparentemente sem muita margem para dúvidas: ao que tudo indica, a polícia militar do Rio de Janeiro metralhou uma família dentro do seu veículo - veículo este que tinha sido desviado pela motorista justamente para dar passagem à polícia numa perseguição a um terceiro veículo ocupado por suspeitos de roubo.


Segundo o senhor, os policiais fizeram “uma confusão” com os carros e simplesmente enfiaram 15 balas no veículo da família, ocupado por uma mãe e seus dois filhos, duas das quais atingiram mortalmente o menino, encerrando sua vida aos 3 anos de idade.

Um engano. Uma confusão. Mais ou menos assim como quando trocamos o nome de alguém ou esquecemos um número de telefone? Esse tipo de confusão? O pai, taxista, estava no próprio bairro trabalhando e hoje é mais um personagem trágico da história recente desta cidade, mais um que será esquecido como tantos que nos comoveram durante alguns dias e depois sumiram nos arquivos dos jornais e nos arquivos da nossa própria memória, da memória da cidade.


Sim, a responsabilidade também é nossa. Afinal, sr. Beltrame, nós o colocamos aí, no lugar de destaque de onde o senhor deveria sair hoje mesmo, caso tivesse dignidade ou senso de autocrítica. Se conseguisse admitir o fracasso retumbante de uma administração que coloca - ou ao menos aceita - que imbecis armados sejam pagos pela população e executem famílias.


Mas não. O senhor e o sr. Sérgio Cabral performarão, nos próximos dias, a famosa Dança do Teflon, tentando fazer com que o fato não grude em suas carreiras políticas. Darão entrevistas, consternados e decididos a punir exemplarmente os culpados, e repetirão a Dança do Teflon até que outro crime aconteça (cruzem os dedos para que seja em outro Estado) e a “onda passe”. E então seguirão em suas campanhas políticas, em seus carros oficiais, em seus pedidos de desculpas públicas sempre que algo de errado acontecer e quando parecer absurdo demais culpar um terceiro. Como foi neste caso.


Senhores governador e secretário de segurança, não aceitaremos seus pedidos de desculpas. Aceitaremos, sim, de bom grado, seus pedidos de demissão.


Fernando Campos é sócio-diretor de criação da SantaClaraNitro e ex-presidente do Clube de Criação do Rio de Janeiro


Comentários

José Netto -  Texto lindo e emocionante, mas gostaria de lembrar que esse é "apenas" mais um caso, entre tantos outros que aconteceram e que com certeza ainda vão acontecer. A mudança não parte apenas de um texto no CCSP, é preciso que haja mais atitude, talvez o tão esquecido dos mandamentos: Amar ao próximo, só que isso é muito careta! Fernando um puta abraço, gosto muito de você e do seu trabalho. zeneto.ribeiro@gmail.com


 Arnaldo -  Úm desabafo que pede por mais vozes: Estadão, Folha, O Glogo (principalmente ), etc.


 

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