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O espaço é seu

'Tem gente que acredita em duendes. Outros em bruxas. Eu acredito em estagiários bizarros...'

04.05.04

... É sério, eles existem! E já vi um monte deles, bem próximo à minha mesa. Se a Xuxa acordou no meio da noite e deu de cara com um duende, por que eu não posso relatar aqui minha experiência com estagiários bizarros? Está certo que a Xuxa tem mais credibilidade que eu. Mas não posso mais calar sobre estes fatos, que já me atormentam há alguns anos. Agora vou falar e assumir todas as consequências: os estagiários bizarros existem e estão por toda a parte! E são mais numerosos do que você pode imaginar. Enquanto muitos ralam pra cacete quando conseguem a oportunidade cada vez mais rara de um estágio, outros se esbaldam em esquisitices, acreditando que quanto mais esdrúxulo for seu comportamento, maior será o reconhecimento do mercado. Tá bem, tá bem, o mercado também é esdrúxulo, na maioria das vezes. Mas isso não justifica algumas das atitudes que vou relatar aqui.
Minha primeira experiência com um bizarro foi há alguns anos, acho que em 1996, quando eu nem imaginava que eles eram uma espécie em franca expansão, dominando a terra. Conversando com a menina, prestes a concluir o curso de propaganda na universidade, comentava com ela que publicitário lida com comunicação (dã... jura?) e deveria ler pelo menos um jornal por dia. Fiquei desconcertado com sua resposta em tom blasé:
- Não leio jornal. Sabe por que? Jornal suja as mãos!
Já quase nem lembrava desta ocorrência quando um novo bizarro passou a fazer parte de minha vida. Acho que o ano era 98 ou 99. O bizarro não sabia o que queria da vida, e passava horas ao telefone chavecando uma menina, que não dava a menor pelota pra ele. A cada recusa da garota, ele dirigia-se à janela e lá passava horas absorto, olhando para o nada. Certa vez, em um curso oferecido pela empresa, realizado num sábado, o bizarro não apareceu. Na segunda-feira, questionado sobre a ausência, disse que havia ido ao médico, e este lhe dissera que seu problema era de 'âmbito emocional'. Como ninguém presta nessa vida, seu apelido passou a ser 'âmbito' desde esse dia.
- Preciso montar estas pranchas. Pra quem passo?
- Ah! Fala lá com o 'âmbito'.
Mas se você acha que essa foi sua maior bizarrice, enganou-se. A cada nova semana um corte de cabelo diferente surgia por cima da divisória, anunciando sua chegada. Corte tipo militar, tipo repolho, tipo cogumelo, quase-moicano. Superou a bizarrice capilar quando apareceu com um corte que combinava o black power do Tim Maia com as têmporas nuas do Arnaldo Antunes. Ah, você acha que isso ainda não era bizarrice? Que eu estou tolhindo a liberdade de expressão? Veja essa, então: este espécime gostava de desenhar, e por certo tempo ficou responsável pelos story-boards na agência. Fez um. Dois. Três. Lá pelo quarto story-board percebi algo estranho. Todos os humanos que desenhava tinham seis dedos em cada mão. Seis dedos!!! Detectada a fraude biológica, fui perguntar ao bizarro o porque daquilo. E com a frieza do Dr. Spock, sem emoção alguma, ele falou:
- Esse é meu estilo.
E como definitivamente ninguém presta mesmo nessa vida, passamos eu e outro diretor de arte, a fazer charges onde todos as figuras humanas apareciam usando luvas de boxe. E a circulá-los pela agência, alegando que aquele era o nosso estilo. Este bizarro, já então efetivado, saiu de férias e nunca mais voltou. Deve ter sido abduzido.
Comecei então a me incomodar com isso. Será que acontecia só comigo? Eu não poderia deixar de acreditar na raça humana. Então, lá por volta do ano 2001, um novo estagiário bizarro surgiu na minha vida. E este era da pior espécie, pois era um bizarro disfarçado. Durante os três meses de estágio, trabalhou como um pé-de-boi. Rápido, eficiente e sem reclamar de nada. 'É ele!', pensei comigo mesmo. E fui favorável à sua efetivação, ao fim do contrato. Só então vi que havia sido ludibriado. Bastou ser efetivado, para assumir sua porção 'funcionário público'. A qualidade do seu trabalho caiu absurdamente. Os prazos começaram a estourar. Mas essa não foi a maior de suas bizarrices. Pra ajudar, na mesma época, o Silvio Santos lançou o programa Casa dos Artistas. E o bizarro passava horas alternando, na tela de seu computador, um trabalho cada vez mais tosco com as câmeras que exibiam a rotina dos artistas enclausurados. E ficava aparentemente irritado quando o advertia sobre os prazos, qualidade do trabalho e os erros cada vez mais gritantes.
Nessa época eu já havia me tocado que sim, estagiários bizarros existem! E passei a me armar contra eles, chegando à incrível capacidade de identificar já no curriculo se trata-se de um bizarro ou não. Curriculos com piadas, chamadas infames à sua competência, rótulos de vinho, faixas-currículos penduradas na porta da agência, tudo isso pode identificar um estagiário bizarro. E, ainda assim, com todo preparo, eles ainda me enganam. Como a menina que chegou para fazer estágio e fez do bate-papo no Messenger sua prioridade. Ou então a outra que reclamava e chorava a cada novo trabalho que lhe era confiado. Ou então o mudo, que apenas observava, observava e observava. Sinistro demais. Tinha também aquele que passava as horas do dia desenhando o personagem Wolverine, dos X-Men, que até então habitava apenas os quadrinhos. Se lhe era pedido pra desenhar uma casinha, o desespero se fazia visível em seu ser. O que ele queria era atingir o nirvana, digo, o Wolverine perfeito. Um outro também deixou lembranças risíveis quando, com apenas uma semana, apareceu usando pantufas pés-de-pinguim, com a maior naturalidade do mundo. Todos estes estagiários bizarros sumiram. Mas a cada ano uma nova safra de bizarros surge, prestes a atacar em todas as agências. Muito cuidado se topar com algum. E mais cuidado ainda pra não se transformar em um".

Eduardo Zugaib
Publicitário, diretor de criação da BBN Brasil Propaganda e cronista

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