arrow_backVoltar

Festival do Clube 2017

Nicolas Becker: sound design não é só sobre som

10.10.17

Nicolas Becker é uma referência em sound design. Engenheiro de som com alguns prêmios internacionais de cinema no currículo, ele chegou a estudar matemática. Mas seu destino era outro. Tanto que obteve reconhecimento por filmes como A Chegada, Gravidade, 127 Horas e O Jardineiro Fiel. Trabalhou também com a edição de som de outros títulos famosos como Ex-Machina, Batman Begins e Harry Potter e o Cálice de Fogo. Foram diversas experiências colaborativas, como ele salientou durante o painel “Arte e filosofia por trás do Sound Design, no Festival do Clube de Criação.

Apresentado e entrevistado por Cristiano Pinheiro, sócio e produtor da Punch Audio, com quem trabalhou na França, Becker abriu dizendo que o trabalho que desenvolve não se trata apenas de som, que pode ser sempre imprevisível. E, para isso, foi destrinchando o que considera sound design. Uma de suas primeiras observações foi que todo projeto deve ser visto como um protótipo, não importa o tamanho que tenha. Começa-se, de fato, pelo rascunho.

Outro ponto que destacou de imediato foi a coragem de ousar. É preciso experimentar mais. “Gosto de ideias que exijam mais riscos”. Becker mencionou Roman Polanski como um dos diretores que mais o ajudou a desenvolver sua carreira. “Ele era muito técnico e estava conectado com certas loucuras. É muito impressionante trabalhar com esse tipo de profissional”.

Becker citou também o português Manoel de Oliveira como mais um exemplo de cineasta que valorizou o processo de edição de som. O diretor, por sinal, começou sua trajetória na chamada sétima arte com um documentário mudo (Douro, faina fluvial, de 1931). “Foi bom passar um tempo com essas pessoas. Elas me estimularam a ir ultrapassar meus limites”.

Além de abraçar o risco, é bom saber trabalhar em equipe. Segundo Becker, é mais fácil desenvolver um projeto se a disposição for pelo trabalho colaborativo. Ele costuma contratar um time quando entra em um novo job. Outra medida fundamental é entender a proposta do diretor. A partir daí, ousar, se houver liberdade para tal. “Filme tem a ver com perder-se”, reforçou.

Sons do corpo

No filme Gravidade o que não faltou foi ousadia. Foram feitas diversas experimentações para se obter os diferentes tipos de sons que fizeram parte da obra. Um dos desafios enfrentados era criar levando-se em conta que não há som no espaço. Para isso, um número grande de profissionais foram envolvidos. Gravaram-se sons desde guitarras tocadas debaixo de água até os ruídos de um sistema robotizado de produção de carros na GM. No caso de Becker, sua exploração recaiu sobre algo mais natural. “Comecei a formar uma ideia sobre o toque. Sobre o som de tocar. Usei vários tipos e passei uma semana experimentando”, contou. Becker estudou e testou sons gerados a partir do corpo humano.Tínhamos algo mais realista assim”. Foram fixados microfones especiais no corpo. E foram combinadas técnicas variadas, inclusive diferentes tipos de microfones foram empregados, na captação. Tudo o que foi produzido foi integrado.

Uma cena que ilustra a verdadeira orquestra de sons criada é a que mostra Sandra Bullock, a personagem central, do lado de fora da estação espacial fazendo um reparo e tendo de parar repentinamente porque a tripulação será atingida por destroços de um satélite vindos em grande velocidade.  Momentos como esse - em que não se ouve sons dos estragos feitos na estação, mas outros que aumentaram a carga dramática da cena - fizeram o público se retorcer nas cadeiras na expectativa de ver como a personagem se salvaria daquela situação. “Foi como estar dentro da mãe para nascer. Foi como emergir. Fizemos conexões para desenvolver essas sensações”, disse o sound designer.

Becker explicou que o tempo é um bom filtro para qualquer projeto. Porque vão sendo eliminados aspectos que não se encaixam na construção do som. “Você tem ideia do vocabulário do som”, comentou, dizendo que gosta de trabalhar com ficção e também com “filmes reais”. Em seu processo, ele normalmente participa de duas semanas de filmagem e, por meio dessa experiência, elabora o que será a obra. “É como trabalhar com uma tela em branco. Você pode buscar referências relacionadas à fotografia do filme. Vou criando uma trajetória dentro da história”.

Maneiras de se conectar

Com A Chegada, Becker voltou a salientar o valor do trabalho colaborativo. “Em um filme desse tipo, as pessoas trabalham muito em colaboração. É sempre um conjunto. Até o casting é importante. O trabalho envolve música, composição, voz, som. Deve-se conhecer todo o time que atua no sound design para encontrar as melhoras maneiras de se conectar”, afirmou. Ele observou ainda que nem sempre é necessário contar com os profissionais que ocupam o topo das referências. Mais valioso é poder trabalhar com quem está muito dedicado ao projeto. “Monto uma equipe de forma a todos estarem felizes com o que estão fazendo. Num filme de luta, procuro quem goste de fazer sons de pistolas. É vital trabalhar com quem gosta do que produz”, emendou.

Pinheiro traçou um panorama entre o que se ouvia nos anos 60 e o que se ouve hoje. Saímos de um quadro em que a música ainda era muito elitista para um momento em que ela está mais democratizada, um cenário em que se vê, por exemplo, a explosão do eletrônico – que conquista cada vez mais público. Em qual das fases é mais interessante trabalhar? Para Becker, é bom trabalhar nestes tempos e também com a nova geração de profissionais. Segundo o sound designer, muitas pessoas vão a seu estúdio com mais técnicas, com novos softwares e ferramentas que até têm de ser demonstradas para ele. “Recebo gente que me explica funções que eu nem conhecia, mesmo trabalhando há mais de 20 anos com algumas dessas ferramentas. Vem gente com bom conhecimento de arte, de música, de fotografia. Elas trazem mais exatidão para esse campo”, elogiou.

O silêncio e o som de um alien

Ainda falando sobre A Chegada, ele comentou que o diretor Dennis Villeneuve havia declarado que o silêncio é a palavra mais poderosa que há. Sobre isso, Becker esclareceu: o silêncio é relativo. “Há diferenças entre uma cena em que é preciso silêncio absoluto e outra em que um pouco de silêncio é suficiente”. Isso vai influenciar a criação de uma sequência silenciosa.

Pode parecer muito abstrato, mas ele deu um exemplo. Em A Chegada, há um exército em movimento constante. Mas quando parte desse grupo adentra a nave alienígena, o som deveria ser de outra natureza. Foi necessário pensar na dinâmica do silêncio quando eles estivessem lá. Como ele aconteceria, como se desenvolveria. Não era o caso da absoluta ausência de sons. Foram combinados muitos tipos sonoros. Ou, como Becker afirmou, foi uma mistura de detalhes bem pequenos. “Silêncio é uma relação termodinâmica. Há sons mais mornos que outros”, pontuou.

Assim como o espaço de Gravidade desafiou Becker, os aliens de A Chegada representaram uma tarefa especial e demonstraram como é fundamental poder experimentar. Becker revelou que ele e seu time testaram diversas coisas. De bolas de cristal a acordes de piano. Havia acessórios para todos os lados e, a partir dessas experiências, eles tentaram transformar os sons, que “colocavam” depois diante das imagens. As reações a essa trabalho evidenciavam o quanto tinham acertado. “Pouco a pouco, você entende como os aliens interagem”, disse, como se fossem seres realmente vivos. De qualquer forma, era preciso definir o projeto. “Qual é o som de um alien?”, perguntou Becker. Quem viu o filme, sabe o resultado.

Ir a campo

Outro filme, 127 Horas, ajudou a explicitar uma característica do trabalho de Becker: fazer pesquisas e reconstruir sons e mesmo estruturas a partir disso. Pinheiro afirmou que, quando ele recebeu o projeto, o longa era mais silencioso. Mas que depois isso teve de mudar. O brasileiro quis saber se muita coisa teve de ser reconstruída. Becker explicou que para o filme – que retrata a história real de um jovem que, ao explorar um cânion pouco acessado, sofre uma queda e fica com seu braço preso por uma rocha –, foi preciso fazer investigações em campo.

O sound designer se deslocou para Utah, nos Estados Unidos, para experimentar sons e pesquisar os ruídos locais. “Gosto de ir a campo para saber a acústica do lugar”. Para a queda, Becker trabalhou com sonoplastia. E para isso construíram um abismo de pedras onde pudessem simular o som que acompanha o momento em que, dentro de uma fenda, James Franco despenca após se apoiar em uma pedra que rola.

Experiência sinestésica

Perguntado se gosta de fazer sound design para propaganda, Becker respondeu que faz sons para longas, curtas e anúncios. Porém não faz muita campanha publicitária porque é complicado administrar sua agenda. Para alguns comerciais, fez também a música – ele é compositor. Nesses casos, gosta de desenvolver trabalhos em que quase não se percebe onde termina a música e começa o sound design. É quando a música extravasa para a sonoplastia, por exemplo, quando ela se agrega ao som. “Penso no público para gerar prazer estético”, disse.

De acordo com ela, a comunicação pode ser algo bem poderoso pela experiência sinestésica que proporciona. “O som cria emoções pelas conexões com as memórias de nossas vidas”, resumiu. Becker revelou que não recorre a bibliotecas de sons. Como deixou claro ao longo de toda sua apresentação, prefere experimentar e criar algo próprio. “Você pode fazer um trabalho muito preciso com o som. E isso terá um impacto enorme”, ensinou. Maior do que produtos guardados em uma biblioteca.

 

Lena Castellón

 

Festival do Clube 2017

/