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Mulheres na publicidade

Alguém ainda quer ser sócia de agência?

08.03.18

Na história da publicidade brasileira, poucas mulheres chegaram a ser sócias de agências. Entre as maiores do país, aquelas que detinham grandes contas, eram raros os exemplos. Essas mulheres se tornaram referências. Basta perguntar a alguém que conhece o passado recente da propaganda quem eram as líderes e empreendedoras que os nomes virão: Ana Carmen Longobardi, Ana Lucia Serra, Christina Carvalho Pinto, Magy Imoberdorf...

Posteriormente, outros nomes surgiram, como o de Gal Barradas – que deixou a BETC em janeiro deste ano (leia mais aqui). Hoje, entre as maiores agências brasileiras, destacam-se Cintia Gonçalves, que, em maio de 2013, se tornou sócia da AlmapBBDO, Olívia Machado, sócia da Africa desde seu fundamento, Roberta Medina, do Grupo Artplan, e Sheila Wakswaser, na sociedade da Lew’Lara\TBWA desde 2012.

Do grupo de “pioneiras” mencionado no início, apenas uma se mantém na publicidade: Christina, que em 1996 lançou a Full Jazz. As demais deixaram o mercado. O Clubeonline procurou algumas dessas mulheres para resgatar parte da história e discutir de que forma se pode incentivar as profissionais de hoje a abrir seus negócios – caso essa ideia seja atraente no atual cenário da comunicação.

QUEM SAIU

Ana Lucia Serra: ciclo encerrado

Sócia da Galeria Carbono, inaugurada em março de 2013, Ana Lucia Serra diz que não sente a menor saudade da publicidade. Não porque tenha ficado alguma impressão negativa ao longo de sua carreira no mercado de comunicação, que durou mais de 30 anos. “Não tenho saudades porque fui feliz. Fiz minha parte e saí com a sensação de missão cumprida”.

Nessa trajetória, sofreu algum problema que tenha surgido por ser mulher? “Fui privilegiada. Não enfrentei preconceitos, não tive dificuldades por ser mulher. Comecei cedo na publicidade, com 17 anos, e cumpri todas as etapas, a partir do estágio. Fiz carreira em atendimento e fui subindo. Nunca tive problema de salário. Tive alguns dos melhores daqueles tempos”.

Em 2000, fundou a Age, junto com Carlos Domingos e Tomás Lorente. Antes, havia passado por Ogilvy, EuroRSCG e DM9. “Levei uns 15 anos no mercado até abrir a Age”, lembra. Em 2008, a agência foi vendida para a Isobar. Ela saiu da publicidade em janeiro de 2013, meses antes de abrir a galeria.

Reclamações dos homens: mulheres chatas

Ana Lucia conta que adorava contratar mulheres, o que defendia abertamente. Isso porque ela costumava ouvir reclamações de outros profissionais ao terem de trabalhar com mulheres. “Eles diziam que mulheres são chatas. Já eu as achava mais organizadas. Mulher tem várias funções na vida e se torna mais organizada. Vivia falando isso”.

Por que é difícil chegar à sócia?

Sem ter presenciado alguma situação de preconceito escancarado, Ana Lucia relata que, em sua vivência, notou que muitas mulheres tinham medo de assumir posições de liderança. Havia muitas diretoras, mas diversas se acomodavam nesse nível hierárquico. “Algumas mulheres sentiam que tinham atingido um cargo bacana, que não atrapalhava a vida pessoal, e assim se acomodavam na posição. Isso é o que eu via; é um ponto de vista pessoal. No meu caso, tive minha primeira filha quando estava na Ogilvy. Não tive problemas. Minha outra filha nasceu quando eu estava na DM9. Sempre consegui ter equilíbrio entre a carreira e a família. Trabalhei bastante, mas estive nos momentos importantes das minhas filhas”.

Ser sócia era algo em que não se pensava

Ao menos era desse jeito no passado. Ana Lucia confidencia que não tinha essa ambição quando entrou na publicidade. Foi seu crescimento no mercado que a conduziu até o lançamento da Age.

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QUEM ESTÁ EM TRANSIÇÃO

Gal Barradas: momentos diferentes do mercado

Uma das mulheres que empreenderam e permaneceram no segmento é Gal Barradas, que está em fase de estudar seu futuro. Recebeu propostas para trabalhar em empresas, mas ela tem um business plan pronto para apresentar ao mercado, se for esta a decisão que tomar. Não é a primeira vez que faz isso.

Em 1995, se lançou como sócia na Manga Rosa Multimídia, que tinha uma parte de seu negócio ligada à tecnologia. “Eu procurava as agências para falar de internet e eu saía de lá com um pedido de CD-Rom”. Gal se recorda que seu sonho era mostrar que a tecnologia ainda seria muito importante para a comunicação. O problema é que, naquele tempo, tudo tinha de ser programado. Não havia plataformas prontas, como um Facebook. Por isso, a tecnologia foi crescendo na empresa a tal ponto que o lado da comunicação foi se diluindo. “Perdi o tesão. Dali, fui para a W/”.

O desejo de fazer algo diferente a levou em 2009 a montar novo business plan. Gal tinha um projeto de agência, que estava voltado mais para as redes sociais. Naquela época, ela ressalta, o entendimento da importância dessas plataformas ainda não estava maduro. Tanto que muitas companhias deixavam seus perfis na mídia social a cargo de um estagiário. “Minha proposta tinha a intenção de fazer as empresas mergulharem nas redes. Fui com o business plan para o mercado, mesmo sendo um momento de crise”.

Numa dessas visitas, Gal foi recebida por Marcelo Castelo, da F.biz, que propôs sociedade. Desse modo, entrou para a empresa. Quando ela começou a crescer, sentiu que tinha de mudar. “Gosto de transformar, de fazer acontecer. Vi que a agência estava consolidada. Era hora de partir”. Foi quando surgiu a BETC, da qual se tornou sócia. A empresa foi lançada em fevereiro de 2014. Ficou na sociedade até ver, mais uma vez, o negócio consolidado. E, assim, partiu para algo novo.  “Estou em busca de algo para construir. Tenho um business plan, mas ainda não decidi se vou empreender”.

Machismo em atitudes veladas

Por ter acompanhado de perto a evolução do discurso do empoderamento feminino no mercado, Gal percebeu que teve sorte. Frontalmente, nunca se sentiu ultrajada por algum preconceito. Mas, olhando para trás, ela percebe atitudes veladas que podem ter sido afrontas.

Um dos exemplos remete ao tempo em que atendeu conta de cerveja. Havia pouquíssimas mulheres nas reuniões entre agência e cliente. Às vezes, acontecia de ela chegar para a reunião e os homens pedirem a Gal que esperasse do lado de fora uns minutos para terminarem a conversa que estavam tendo. Ou eles faziam piadinhas aparentemente inocentes. “Achava normal. Fomos cultivadas no machismo. Apesar disso, sempre me senti respeitada”.

Gal sabe que a realidade da mulher brasileira é bem outra se comparada à sua trajetória profissional. Ao participar de diversos eventos debatendo a mulher no mercado, frequentemente foi abordada por participantes que lhe relataram cotidianos diferentes, principalmente nas pequenas e médias empresas.

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QUEM É SÓCIA

Christina Carvalho Pinto: reconhecimento

Primeira mulher na América Latina a presidir uma rede global – a Young & Rubicam –, Christina é considerada uma pioneira. Entrou para a publicidade em 1969, mesmo ano em que tinha ingressado em uma faculdade para estudar Comunicação e Publicidade. Era trainee na PA Nascimento, na época uma importante agência no mercado nacional. Logo deixou a universidade e se concentrou no trabalho.

Passou por diversas agências, conquistou prêmios, chegou a presidir interinamente o Clube de Criação (em 1977) e, em 1989, aportou na Young & Rubicam, primeiramente para implantar uma segunda agência da rede no país, mas no mesmo ano ascendeu à presidência da Y&R. Em maio de 1991, tornou-se sócia. Três anos depois assumiu como presidente do Grupo Young & Rubicam e foi escolhida vice-chairwoman para a América Latina (eram 26 escritórios na região). Em 1996, deixou a Y&R e abriu a Full Jazz, que desenvolveu cases para clientes como Natura, Peugeot, Santander, Farmais, Porto Seguro e Serasa Experian.

Criada numa família de pessoas de personalidade forte e junto com quatro irmãos, Christina já contou ao Clubeonline, em outro momento, que jamais lhe passou pela cabeça que ser mulher pudesse gerar algum obstáculo em sua vida ou em sua carreira. Nunca se sentiu desrespeitada nas agências, nem notou que foi atrapalhada por ser mulher. Porém um dia, não faz muito tempo, encontrou um criativo que conhecera do passado. Já estavam maduros, como se lembrou. De repente, ele a abraçou em prantos e pediu perdão. O criativo relatou que “tinham feito de tudo” para derrubá-la. Não estavam preparados para entender uma mulher como ela.

A turminha do uísque

Nas memórias de Christina, ainda que não houvesse nenhum episódio particular de sexismo, vem a imagem da “turminha do uísque”. Quando ela começou a ganhar prêmios e se tornou uma profissional reconhecida, percebeu que havia uma espécie de “Clube do Bolinha” no mercado. No final da tarde, os integrantes desse “clube” se encontravam para tomar um uísque. Nesses encontros, acontecia de um indicar o outro para uma agência que estivesse procurando um criativo. Claro, Christina não entrava nesse círculo de recomendações. Ainda assim, ela era contratada pelas agências. Não guardou mágoa disso. Em sua visão, mulheres não deveriam se ater a fragilidades humanas.

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Cintia Gonçalves: mais mulheres na liderança são oxigênio para acelerar transformações

Prestes a completar cinco anos como sócia da AlmapBBDO, Cintia Gonçalves revela que, em sua trajetória, já enfrentou obstáculos por ser mulher. “E em alguns momentos ainda vivo isso”, conta, sem detalhar esses episódios. Em sua opinião, o que vivemos hoje é reflexo de uma cultura que vem de muitos anos. Essa cultura estabeleceu modelos de comportamento que se manifestam de modo consciente e muitas vezes de maneira inconsciente também. “Mas é tempo de comemorar. Estamos tratando abertamente algumas questões que influenciarão de forma muito positiva as próximas gerações”, complementa.

Cintia, que também é diretora geral de planejamento e operações, analisa que, um dos problemas da falta de mulheres na composição societária das agências é o histórico do mercado, famoso por cargas horárias excessivas, muita pressão e alto nível de stress. Esse mesmo mercado desconsiderou por tempo demais o “valor que uma liderança mais diversa pode trazer”. Mas Cintia reforça que “o crescimento do número de mulheres nas posições de liderança é o oxigênio para acelerar a transição”.

Criada em uma família com muitas mulheres de personalidade forte, Cintia conta que elas nunca deixaram que a condição do gênero fosse limitadora de seus sonhos e suas ambições. “Nesse sentido, cresci achando que podia tudo, diferente das meninas da minha geração”.

E o assédio?

Com os números recentemente apresentados pelo Grupo de Planejamento sobre assédio moral e sexual nas agências – que apontou que 90% das mulheres que atuam no mercado sofreram algum desses tipos de assédio no trabalho (leia mais aqui) –, o tema vem entrando de vez na pauta das agências. O que fazer para reduzir os altos índices encontrados na publicidade? “Ter uma posição clara da direção, da liderança das agências é fundamental. Nesse sentido, temos discutido muito o assunto”, responde.

Cintia defende que quanto mais diálogo sobre o tema, mais o setor irá evoluir. “Um mercado com condições mais igualitárias, mais inclusivo e, portanto, mais conectado com o novo, precisa emergir. Que venham os novos ares”, completa.

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VALE A PENA EMPREENDER?

O Clubeonline perguntou a essas mulheres o que diriam sobre empreender no mercado de comunicação para as profissionais que estão atuando hoje e para a nova geração que está chegando.

Ana Lucia Serra observa primeiro que os profissionais jovens não lhe parecem ter o mesmo desejo de comprometimento com uma empresa como os publicitários do passado. Ficar anos em uma agência, portanto, não soaria algo tão apetecível como já foi, diz a ex-sócia da Age. No entanto, “todo mundo quer ser empresário”, um sonho que não existia entre as mulheres da sua geração quando estas entravam no mercado, afirma.

Gal Barradas diz que não consegue encontrar uma resposta certeira sobre a razão de haver tão poucas mulheres empreendedoras na comunicação – porque em outros setores, não é isso que se revela. Uma possível explicação é o peso da questão cultural. Mulheres não foram estimuladas a pensar em se lançar em negócios. Para mudar isso, é necessário um conjunto de ações. Mas um caminho que pode sinalizar uma transformação nesse sentido é o exemplo. “Se mais mulheres perceberem que há outras abrindo negócios, elas poderão se inspirar”.

Outra dúvida que surge é: vale a pena batalhar para ser sócia de uma agência? Gal questiona a escolha do tipo de negócio. Por que uma agência?Não sei se o quero abrir é uma agência. Quero fazer algo diferente”, acrescenta.

Ana Lucia afirma que o mercado está saturado. Ou seja, se a ideia for mesmo ter um negócio é preciso ofertar algo de fato novo. “Não pode ser novo no discurso. Se não for para ter um modelo de negócio diferente, com um trabalho relevante, melhor não abrir. Trabalhe em parceria”, recomenda. Ela é enfática quanto ao modelo. Por considerar que o vigente está se esgotando, é melhor começar algo totalmente do zero. “Vai ser mais fácil se for um novo modelo”.

Conselhos

A experiência de Gal demonstrou para ela que os homens fazem muito networking de negócios. Isso é algo em que as mulheres costumam investir menos. “É necessário ter um repertório de linguagem de business. Somos líderes sensacionais, mas para empreender é preciso mais. Há um conjunto de ferramentas que é mais duro, só que é fundamental conhecer. E a gente tem de fazer mais conexões de negócios”.

Outro conselho da ex-sócia da BETC é sair das áreas disciplinares e se envolver com outras. É importante entender uma série de disciplinas e não se aferrar a uma, como se fosse a única coisa a fazer. “Parece que sucesso para a gente é atingir um cargo de vice-presidente numa área técnica. Mas temos de adquirir repertório e estudar outros setores. Se a gente já for especialista em outras áreas, deve-se alardear isso. Não adianta ser especialista em rock inglês dos anos 60 e não manifestar que tem esse conhecimento porque, na hora em que precisarem, não vão saber disso”. Como ressalta, empreender é distinto de comandar equipes. “Quando você é sócia em um negócio, você está em um mundo diferente”.

Para Ana Lucia, há dois pontos fundamentais: trabalhar com paixão pelo negócio e ter o desafio de continuar aprendendo.

Já na visão de Cintia, ainda vale sonhar em se tornar sócia de uma agência. “Se 25 anos atrás, não encarei o fato de ser mulher como um ‘teto’ para qualquer uma das minhas ambições. Nos dias de hoje, então, nem se deve pensar nisso”. De acordo com ela, o importante é que o caminho faça sentido para a aspirante a sócia. Esse caminho tem de ser coerente com os valores de quem quer empreender.

Christina Carvalho Pinto foi procurada pelo Clubeonline para falar sobre a vida como sócia de uma agência. Por estar com uma agenda muito atribulada, enviou as seguintes mensagens: “Não me passava pela cabeça ser sócia”, diz.

Quando recebeu o convite de fazer parte da sociedade da Y&R, ela aceitou sem receio. Não se sentia intimidada pelo universo masculino. “Na minha família, todos gostavam de ser líderes. Meus irmãos e meus pais eram audaciosos, corajosos, mas não eram fáceis. Tive a sorte de ter nascido nesse ambiente. Porque isso me tornou forte. Com o tempo, fui me suavizando pelo caminho espiritual que trilhei. Tenho energia forte e tenho amor pelas pessoas e pela vida. Mas o mundo masculino me acolheu”. Christina acredita que muitas mulheres temem não ter esse acolhimento.

Seus conselhos são: faça o trabalho sem ter como objetivo alcançar o poder (mais importante é trabalhar pensando em realizar beleza, arte ou em dizer algo ao mundo), não crie pensamentos negativos (“toda vez que pensa que alguém está contra você, isso gera uma reação negativa em você”), e viva em estado de apreciação (“Se você se sentir inferior, você emitirá uma energia inferior”).

 

Lena Castellón

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