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O Espaço é Seu

A primavera de Lisboa (Pablo Nobel)

01.06.20

Coincidência. É a única palavra que me vem à cabeça. Vou usá-la mesmo acreditando tanto em coincidências quanto em duendes.

O 'desconfinamento' da cidade acontece ao mesmo tempo em que a primavera dá as caras por aqui. Uma primavera com cara de verão.

“Vrão” como dizem os portugueses. E voltamos pra rua. E esperamos que o pior tenha passado. E tomamos o primeiro chopp num bar da praça. E olhamos  para as outras pessoas como se fosse a primeira vez. E voltamos para as praias rochosas e entramos no mar gelado. E as saudades do mar morno da Bahia. E o sol ardendo na pele salgada. Minha filha diz: a gente aqui se divertindo e o Brasil (...). Digo que uma coisa é uma coisa. Meio naquelas de pai. Mas no fundo. Entendo. O Brasil dói.

No fundo, o Brasil dói.

Mas é na superfície a paixão: e Lisboa apaixona.

Você aproxima a xícara à boca. É o nosso primeiro café.

Coincidência. É a única palavra que me vem. Mas prefiro não usar.

Este é o nosso primeiro café público. Nosso primeiro café, depois de quarentenar.

Saudades das padarias de lá. Mas me calo. O segredo é o nosso maior direito.

Quando você me diz: - olha quem está lá.

Me viro rápido no instinto de encontrar.

E lá está ele: impávido Tejo.

O Brasil dói e Lisboa há muito que sabe.

Essa luz boa que nos olhos da minha filha faz sombra, essa mesma  Lisboa hoje  está em festa.

Ninguém em volta tem pressa. Somos um bando de atores figurantes. Nenhuma intenção no gesto. Respiramos e nos olhamos.

Sim, como se fosse sábado.

E o Brasil?  Nunca pára.

Brincadeira. Meio daquelas de pai.

Mas no fundo. Entendo. O Brasil.

Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego.

Por Pablo Nobel, que vive em Lisboa, trabalha com Comunicação Estratégica e é ombudsman virtual

O Espaço é Seu

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