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O Espaço é Seu / Categoria Estudante

Interpretação de Briefing (Alexandre Kazuo)

17.08.20

Vai participar da Categoria Estudante do Clube de Criação?

Então, vem comigo. Este texto é pra te ajudar a entender o briefing.

E, se você não tá nem aí pra este assunto, mas sente dificuldade em interpretar briefings no dia-a-dia da agência, aqui tem umas dicas gerais que podem ser úteis.

Resolvi escrever isso por causa de uma aula da Miami Ad School que Lucas Ribeiro e eu (Kazuo) demos semana passada. Lá, passamos o briefing do Clube como exercício e pedimos 5 ideias pra cada aluno. O resultado foi bastante impressionante pra nós: 99% das pessoas trouxeram ideias que não respondiam ao briefing. Isso mesmo. Quase todo mundo errou.

Mas por que será? Claro que a culpa não foi dos alunos. Se todo mundo foi pro mesmo lado, algo de errado tinha. E, realmente, o briefing tem umas pegadinhas. Sabe questão do ENEM de interpretação de texto que colocam uns trechos pra confundir o candidato? E a alternativa "a" já é exatamente relacionada aquele trecho e todo mundo vai nela, né? Pois é.

O briefing deste ano é da Fiat. Aqui nesse link você pode ver na íntegra.

O que chamou nossa atenção foi que ~quase~ todos alunos trouxeram ideias com bicicletas. O carro aparecia quase como um vilão. E para responder um briefing da Fiat, isso seria, no mínimo, estranho. Então voltamos no documento para entender os porquês disso.

Tudo começa no começo (não poderia ser diferente). O primeiro parágrafo traz um contexto, assim:

"Nos últimos anos, os brasileiros tiveram acesso a novos modais de mobilidade, como bicicletas, patinetes, carros por aplicativo, transportes públicos integrados e mais. Com isso, a maneira como se locomovem pelas grandes cidades mudou. Possuir um automóvel continua sendo importante, mas agora existe todo um ecossistema de mobilidade para ser utilizado."

Aqui já dá pra sentir um conflito na mente do autor. Ele (ou ela) quer falar da realidade atual, mas não pode esquecer o produto dele, então adiciona o trecho "possuir um automóvel continua sendo importante". E então, acaba fazendo isso ao longo do texto inteiro. Sendo assim, aqui vai a primeira dica:

Leia as entrelinhas.

Ler o que não tá escrito. Em um briefing geralmente tem muita informação. Contexto da marca, cenário atual, descrição do produto, e por aí vai. Mas a gente tem que buscar o que o cliente realmente quer dizer nas entrelinhas. Pense nos conflitos mentais do autor. Ele precisa dar muita informação, mas quer falar uma coisa só. O que me leva a segunda dica:

Pense com a cabeça do cliente.

Pra nós, "publiças hypados", mobilidade urbana envolve os meios alternativos. A gente evita o carro. Sempre que dá, pegamos nossa bike ou nosso patinete elétrico. Se pensarmos com essa cabeça, vamos trazer soluções que nos agradem.

Mas, e se pensarmos com a cabeça do cliente? Imagina os (as) engenheiros (as) da Fiat que passam o dia inteiro pensando em carro, usando carro, vendo referência de carro, criando carro, carro, carro. A coisa muda, né não?

Agora que entra a questão da interpretação de texto. O próximo parágrafo começa com "no entanto", ou seja, contrapõe o primeiro. Saca só:

"No entanto, o contexto covid-19 tende a impactar essa nova realidade. Ao mesmo tempo em que as pessoas buscarão por jeitos mais ágeis e conectados de se locomover, elas vão querer ter maior segurança e com isso, os carros novamente se tornarão essenciais."

E termina com a principal frase do documento inteiro: "os carros novamente se tornarão essenciais".

É isso. Uma oportunidade pra Fiat (e seus carros) se manter relevante nesse contexto pós-pandêmico.

No próximo parágrafo, mais uma confusãozinha.

"Nesse cenário, a Fiat está em busca de entender como pode ajudar a melhorar a mobilidade do brasileiro. Com mais de 40 anos de história no Brasil e uma trajetória consagrada na indústria automotiva nacional, a companhia está se reinventando para liderar esse novo capítulo da mobilidade urbana no país."

Como não se falou em carro, mas sim em mobilidade urbana, a gente automaticamente pensa em meios alternativos ao carro, como transportes coletivos, bicicletas, patinetes.

Porém, aqui vai outra dica:

Não podemos esquecer a essência da marca.

A não ser que o briefing falasse que a Fiat está pensando em mudar de segmento e virar concorrente da Caloi (o que não é o caso), não podemos esquecer que esses "40 anos de história consagrada" que eles falam, envolve diretamente seu produto, sim ele, o carro.

Com esses três primeiros parágrafos já sabemos exatamente o que o cliente quer. O objetivo real do briefing:

Ideias que tragam os carros da Fiat como solução em um contexto pós-pandêmico.

Você deve estar pensando "mas Kazuo, os próximos parágrafos trazem os objetivos e são bem diferentes disso que você escreveu". É, então.

"Objetivos da Campanha:

Pensar em uma iniciativa ou serviço que a Fiat poderia desenvolver para melhorar a mobilidade dos brasileiros no contexto pós-pandemia.

Criar uma campanha para divulgar a iniciativa ou serviço."

Primeiro ponto aqui: muitos briefings vem com sugestões de solução. Nesse caso, "iniciativa ou serviço". Mas se está no briefing, a gente esquece que é apenas uma sugestão e acha que é mandatório.

Porém, o nosso papel como publicitário é justamente propor a melhor solução. Nós que conhecemos a variedade de formatos possíveis para executar os pensamentos que surgirem.

De novo, temos que nos colocar no lugar do cliente e, talvez, pra ele, iniciativas e serviços sejam as únicas referências de solução possíveis. Então, na verdade, a gente só precisa encontrar o problema.

Entenda o problema real (às vezes ele nem tá escrito).

Não precisamos ficar presos a soluções que sejam iniciativas ou serviços. Se acharmos que a solução é um produto novo, uma música, um manifesto, um adesivo, uma corrente, um experimento, uma hashtag, tudo bem. Eu sei, todas essas formas podem ser iniciativas, mas de novo, cuidado com palavras truculentas. Como ela é muito abrangente e a palavra seguinte, "serviço", é muito clara, a gente fica com essa última na cabeça. Por isso, a maioria das ideias que surgiram eram de serviços envolvendo bicicletas.

Quer mais um parágrafo pra te deixar confuso?

"Conectados e heavy users de plataformas digitais encaram mobilidade como uma forma de se locomover de maneira livre pela cidade, com agilidade e praticidade."

Sim, isso mesmo que você está pensando. Parece que está falando sobre bicicleta e patinete. Mas esquece sua referência pessoal. De novo, se coloca no lugar do cliente.

Nesse ponto, já sabemos o que precisa ser feito. Tá tudo claro, mas aí surge esse último parágrafo para deixar a pulguinha da bicicleta viva.

"Esse briefing é sobre criar um projeto de mobilidade. Pode ser um serviço próprio a ser desenvolvido pela Fiat, parcerias com outros players, um desenvolvimento de um produto, uma tecnologia, um carro, outro modal de mobilidade. O que vale é pensar em uma solução que melhore a experiência das pessoas, tornando a locomoção simples e sem barreiras."

É, amigo. Eles falam que a solução pode ser "outro modal de mobilidade". Então, vamos lá. Pensa de novo com a cabeça do cliente. Ele tá escrevendo um briefing pra aqueles publiças hypados patineteiros da Vilompa. Ele quer ser bem visto pelo seus leitores. Então, resolveu colocar 4 palavrinhas, dentre tantas outras, e pensou que seriam inofensivas. Mas não foram. Então, vamos esclarecer: a ideia pode sim envolver bicicletas.

Mas como elas ajudam os carros a serem protagonistas, ou ainda, como o carro pode ser um aliado das bicicletas?

Mas, pera aí, não acabou, não. Tem mais dica do tio Kazuo.

Destaque as informações essenciais do briefing.

Sublinhe, use caneta marca-texto, anote no caderno os principais pontos que você não pode esquecer.

Questione o briefing.

Na agência, é sempre bom esclarecer todas as dúvidas, conversar com o atendimento, o planejamento, o(a) diretor (a) de criação, mas nesse caso não dá pra fazer isso, infelizmente. Mesmo assim, faça uma lista de perguntas. Tire todas as dúvidas da sua cabeça e coloque-as no papel.

Não esqueça do nosso produto: a criatividade.

Mesmo que a ideia seja um serviço ou uma iniciativa, como foi pedido, antes de tudo, ela tem que ser disruptiva. Tem que trazer um pensamento novo, ter uma virada, ser interessante, charmosa, causar um estranhamento ou alguma emoção.

Analise briefings e vencedores anteriores.

Faça esse exercício. Pesquise os briefings dos anos passados e veja quais foram as ideias vencedoras. Tente entender por que aquelas ideias se destacaram. O júri muda, mas a maneira de avaliar é sempre a mesma.

Bom, pode ser que eu esteja errado e a ideia escolhida seja um serviço de bikes elétricas da Fiat, mas deixo aqui a última provocação: se todo mundo está olhando pra um lado, a melhor forma de se destacar é olhar para o outro.

Alexandre Kazuo, diretor de arte da CP+B

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