O Espaço é Seu

Estamos vivendo uma era de urgência, de aprendizados e adaptações. Essa era de imprevisibilidades começou bem antes da pandemia. Diria até que ela sempre existiu e só aqueles que conseguiam “financiar” suas inadaptabilidades não eram atingidos.

Mas agora, a pandemia transformou o mundo todo num grande território sem zona de conforto. Todo mundo aqui significa pessoas e empresas, até porque empresas são feitas de pessoas.

Hoje, na hora de adaptar-se, não importa mais qual é o departamento, a tecnologia, a metodologia e muito menos a especialidade das pessoas. O que importa é a nova realidade e a capacidade individual de construir na nova realidade.

Eu confesso que só fui ter um entendimento verdadeiro sobre capacidade adaptativa humana quando decidi estudar a educação e aprendizagem Montessoriana. Isso aconteceu quando tive que adaptar completamente o que eu fazia da minha vida, num novo país, numa nova realidade, numa nova vida. O que eu nunca poderia imaginar é que esse aprendizado se tornaria uma ressignificação do que era lidar com pessoas, com clientes, com filhos, com trabalho, com tudo o que eu conhecia e com tudo que eu ainda vou conhecer.

A educação Montessoriana foi desenvolvida por Maria Montessori, uma pioneira em muitas coisas. Basta dizer que ela foi a primeira médica mulher na Italia, e que desenvolveu um processo de aprendizagem para dar autonomia e capacitação ao ser humano diante das suas próprias necessidades, desde bebê. O método surgiu como ferramenta para crianças ‘diagnosticadas’ com necessidades especiais. Focado em dar autonomia, esse método se tornou amplamente difundido em todos os continentes pela sua eficiência. Não é a toa que a educação pública padrão na Holanda, uma das mais avançadas no mundo, é Montessoriana.

Me lembro que na época de estudos no instituto Montessori mergulhamos num experimento de observação do crescimento infantil no mundo inteiro. O estudo consistia em observar as crianças e como elas respondiam aos estímulos naturais conforme suas necessidades. Por incrível que pareça, todos seres humanos possuem exatamente a mesma programação motora, cognitiva etc. A diferença se dá na velocidade em que cada um se desenvolve, dependendo do ambiente em que vive. O mais surpreendente foi perceber que as crianças dos países mais pobres apresentavam geralmente muito mais velocidade e desenvoltura ao lidar com a novidade ou com uma nova necessidade.

O ambiente externo muito mais rústico e não adaptado à ergonomia ou limitações das crianças, gerava uma preparação e um entrosamento muito maior delas com as dificuldades encontradas, ou seja, elas reagiam com muito mais naturalidade além de sofrer menos com a necessidade do esforço. Já as crianças que possuíam uma realidade mais confortável levavam muito mais tempo para desenvolver sua capacidade adaptativa às necessidades comprometendo diretamente a sua autonomia.

O ser humano é a tecnologia mais sofisticada que existe. Pois já nascemos com todos os recursos embutidos, e o universo ao nosso redor aflora nossas capacidades diante das necessidades. Ou seja, a necessidade é o instrumento de transformação humana.

Você deve estar se perguntando, mas e o conhecimento adquirido não muda isso tudo? É claro que informação e conhecimento são ingredientes nesse processo. É como se no ser humano o conhecimento fosse software, enquanto a atitude e a capacidade adaptativa o hardware. O ser humano é uma plataforma que usa o ambiente externo para viabilizar o seu verdadeiro upgrade.

Assim, o momento atual em que vivemos é muito rico para recrutar pessoas, fornecedores, parcerias e relações com aqueles que já viveram diversidades, que lideraram histórias diferentes, que construíram ou viabilizaram coisas nunca feitas antes.

E o mais estimulante é que hoje, na Figtree, sou responsável pela gestão da operação da empresa e ao mesmo tempo lidero o time de desenvolvimento de inteligência artificial. Essa bagagem Montessori nunca me foi tão útil, pois a Inteligência Artificial - ao contrário do que muitos dizem - não é absolutamente nada além do que você ensina a ela. Ela não é nada autônoma, nem inteligente e nem cognitiva. O que a torna qualquer uma dessas coisas é a sensibilidade das pessoas que trabalham com ela, ao planejar, desenvolver, conduzir, inventar e inclusive mudar de opinião.

Essa tecnologia Montessori, é bem peculiar e muito valiosa, porque não dá para comprar, não dá para transformar numa metodologia e nem se aprende em curso. Essa tecnologia só se adquire vivenciando. Essa tecnologia é humana e intransferível.

liliane.arend@figtree.company

Co-founder / Chief Operation Officer da Figtree & Co.