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O ‘molho secreto’ de uma agência super premiada
CCO global da rede independente Rethink, do Canadá, Aaron Starkman lidera um time que vem se destacando internacionalmente. No Cannes Lions 2024, ela foi escolhida como Independent Network of the Year. Além disso, a agência de Toronto ficou em segundo lugar na escolha de Agency of the Year, atrás da Publicis Conseil, de Paris. A empresa canadense também levou o título de Independent Agency of the Year.
Receber o reconhecimento como melhor agência independente parece ter virado hábito, já que a companhia tem os troféus equivalentes em festivais como The One Show, Clio e London International Awards. No caso do Andy’s, a Rethink conquistou o prêmio pela segunda vez consecutiva. Isso demonstra a musculatura de seu trabalho entre as redes independentes, no mercado de comunicação.
Qual o “molho secreto” da Rethink, afinal? Nesta entrevista, Starkman explica a metodologia empregada pela casa, batizada de Crafts. Uma “receita” aplicada em todos os clientes, alguns deles bastante premiados, como Heinz. Aliás, foi com esta marca que receberam o GP de Creative Effectiveness no Cannes Lions 2024, e por cinco anos vem colecionando Leões de Ouro, com cases como “Draw Ketchup” e “Ketchup Fraud”.
Antes da Rethink, onde entrou em 2012, Starkman foi CCO da CP+B, no Canadá.
Premiado por campanhas para anunciantes como Vim, Corus e Ikea, o criativo foi reconhecido como um dos cinco melhores CCOs globais pela Ad Age em 2022, 2023 e 2024. No ano passado, foi nomeado o CCO número 1 do mundo pela Campaign.
Pelo Clio Awards 2025 – que revelará os GPs em festa na noite desta terça-feira, 13, em Nova York –, Starkman atuou como presidente de júri da categoria Direct. Foi em um dos intervalos do julgamento - que pela primeira vez aconteceu no Brasil, - que ele concedeu entrevista ao Clubeonline.
Clube de Criação – Durante os trabalhos do júri da sua categoria no Clio Awards, você identificou alguma tendência?
Aaron Starkman – Já faz algum tempo que temos visto a criatividade ser usada não apenas para fazer as pessoas rirem ou sentirem alguma emoção. Ela vem sendo usada para realmente provocar mudanças. A criatividade tem buscado explorar brechas ou hackear o sistema — maneiras de contornar leis, restrições, burocracia. Vimos isso em muitos trabalhos no Clio. Como por exemplo em “Pub museums”, de Heineken, que ganhou ouro em Direct na subcategoria Business to Business (veja todos os premiados com Ouro, Prata e Bronze; e aqui os brasileiros que conquistaram metais no Clio).
Clube – A Rethink ganhou muitos prêmios como agência independente nos últimos anos: Cannes, Clio, Andy’s. Qual é o “molho secreto” da agência?
Starkman – Vou dar uma resposta de quatro minutos. Muitos clientes acham que o segredo de uma agência está em ter criativos sendo loucos e excêntricos, correndo por aí com cabelos malucos e sendo livres para ter grandes ideias. Nós acreditamos que a melhor forma de liberar a criatividade é por meio de processo. Nosso “molho secreto”, acredite se quiser, é ter um processo criativo organizado, que gera os resultados que nossos clientes precisam — e o tipo de trabalho que é reconhecido em festivais e na imprensa. Seguimos um acrônimo: Crafts. C de “clear” (clareza). R de “relevant” (relevância). A de “achievable” (exequível). Conseguimos executar bem? F de “fresh” (inédito). Já foi feito antes? T de “true” (verdadeiro). É verdadeiro para a marca? É exclusivo? E S de “shareable” (compartilhável). Nosso segredo é esse. Pedimos aos criativos que sigam esse modelo. Criamos com esse filtro em mente. A maioria dos grandes criativos do mundo segue o Crafts de forma intuitiva. Eles nem sabem que estão fazendo isso ao criar ideias premiadas, mas estão. Para quem está começando na área, ou mesmo para diretores, planners, é importante usar isso como um checklist. Como uma receita: “siga e você fará algo incrível sempre”. Se você olhar para nosso trabalho com Heinz nos festivais e na mídia, verá que ele realmente se encaixa no Crafts, especialmente em “relevância”. O que está acontecendo na cultura que todos estão comentando? É também “verdade”? O que é próprio da marca? Por que só Heinz pode fazer isso? Quando a IA “surgiu”, pedimos para ela desenhar ketchup — e ela desenhou Heinz. Durante a pandemia, quando as pessoas tinham tempo de sobra, fizemos o “quebra-cabeça mais lento do mundo”. Era todo vermelho. Heinz é sobre ser mais lento. A lentidão era extremamente relevante na pandemia. Puzzles estavam em alta. Fazer esse quebra-cabeça era algo que só Heinz poderia fazer. Então, é isso. Nossa agência segue essa receita, com foco especial em relevância, autenticidade da marca e no “T” de verdadeiro.
Clube – Vocês usam essa metodologia com todos os clientes?
Starkman – Com todos nossos clientes. Usamos tanto no lado criativo quanto no momento do briefing. Sempre nos perguntamos: o que estamos repensando na categoria, no mercado? Essa é a pergunta. E a ferramenta que usamos para repensar é o Crafts.
Clube – O mundo está evoluindo em um ritmo impressionante em termos de tecnologia, cultura e movimentos. Como gerar ideias atuais, relevantes e afiadas nesse cenário dinâmico?
Starkman – Desculpe ser repetitivo, mas é isso: Crafts. Porque as coisas estão se movendo numa velocidade insana na cultura: novas tecnologias, novas mídias, novos escândalos, fatos noticiáveis... Para nós, quando você encontra a junção entre o que é relevante na cultura e o que é exclusivo da marca, cria-se um casamento serendipitoso de criatividade.
Clube – Para vocês, qual é o maior desafio das agências independentes hoje?
Starkman – Para ser honesto, acho que quem está enfrentando os desafios são as redes. Agências independentes conseguem agir mais rapidamente. A gente não se prende à burocracia, nem precisa responder a uma holding em Nova York ou Paris. Respondemos a nós mesmos. É por isso que as agências independentes estão prosperando. Mas não se trata apenas de ser independente — e sim de ter um espírito independente. Se você tem um espírito independente, paixão por realizar coisas por amor às pessoas e ao trabalho, você vai prosperar. Se lucro e receita forem sua maior preocupação, a criatividade e a cultura vão sofrer. Mas se você prioriza pessoas, produto e, então, lucro, nessa ordem, coisas boas acontecem, especialmente no cenário atual. Não quero soar convencido ou excessivamente confiante. Do jeito que o mundo está se movendo, diria que é uma grande oportunidade para as independentes crescerem.
Clube – Estamos vivendo em um mundo caótico. Como as marcas podem criar conexões significativas nesses tempos?
Starkman – Acho que as pessoas estão estressadas com dinheiro, política, guerras e tantas outras coisas. Como indústria, podemos oferecer entretenimento e melhorar o dia a dia das pessoas, em 30s ou 60s de cada vez. Ao mesmo tempo, podemos ajudar não só a marca, mas a economia como um todo. Uma economia saudável precisa que produtos e serviços sejam consumidos.
Clube – Mas tempos caóticos exigem soluções mais criativas, certo?
Starkman – Tudo parecerá novo porque estamos vivendo um tipo de caos diferente agora, com o Trump. Mas acho que quanto mais estímulo houver no mundo, seja por meio de notícias ou de tendências culturais, isso ajuda a criatividade. Ajuda a manter as ideias frescas, especialmente se parte do caos for algo que nunca vimos antes. Se pudermos, sem sermos muito sérios ou muito políticos, aproveitar uma tendência ou um momento que seja grande na cultura e associá-lo à marca – seja por meio de um slogan que existe há tempos, um mascote ou uma qualidade da marca, como ser mais lenta – estaremos associando algo relevante a uma verdade sobre a empresa.
Clube – Vamos falar de Donald Trump e Canadá. Como viu esse desejo dele de anexar o Canadá?
Starkman – Acho que ele subestima os canadenses. Temos fama de ser gentis e educados. Temos a reputação de não causar muitos problemas. Mas é como no nosso esporte nacional, o hóquei no gelo: se você quiser começar uma briga, não arrume uma briga com um canadense. Veja a linguagem que ele usou, nos chamou de 51º estado. “Queremos que o Canadá seja o 51º estado”. Creio que ele não percebeu o quanto isso despertou nosso espírito do hóquei. Não importa qual seja seu partido político, se você é mais à direita ou à esquerda — estamos todos bastante unidos em relação ao nosso orgulho. Em relação à publicidade, as marcas no Canadá estão aproveitando esse orgulho. Estamos vendo produtos feitos no Canadá sumirem das prateleiras. É importante que marcas com conexão com o país falem sobre isso. Marcas nascidas no Canadá estão adaptando seus planos para se conectarem com esse sentimento nacional.
Clube – A Rethink está fazendo algo em relação a isso?
Starkman – Sim. A maioria das agências, marcas e clientes têm atualmente briefings voltados ao tema “canadense”. A nossa cerveja nacional, Molson Canadian, lançou um comercial que trabalha com alguns estereótipos sobre canadenses — e mostra como eles simplesmente não são verdadeiros (confira o filme mais abaixo).
Clube – Mudando de assunto, como vocês estão lidando com a Inteligência Artificial atualmente?
Starkman – A IA está avançando rapidamente no que diz respeito às oportunidades criativas. O que me preocupa é que, como ela avança nesse ritmo, certas coisas ficam datadas muito rapidamente. Você vê trabalhos por aí que falam especialmente sobre as falhas da IA — como os dedos extras, as mãos a mais — e isso já parece ultrapassado, porque esses problemas estão sendo corrigidos. Então, se você tem uma ideia com IA, ela terá vida curta.
Clube – Mas a agência usa IA no dia a dia para briefing ou criação?
Starkman – Não. Ainda somos bastante centrados no humano. Diria que, de modo geral, não dependemos da IA. Onde ela pode nos ajudar é na eficiência — para poupar tempo ao desenhar storyboards, por exemplo. Ela também pode ajudar o cliente a entender melhor a visão criativa. Você consegue montar uma versão de 30 segundos da ideia com IA. Claro, a IA está muito longe de substituir o que realmente fazemos. Mas ela pode dar ao cliente uma noção melhor do produto final do que palavras e imagens, isoladamente.
Clube – Estamos vendo grandes empresas mudarem suas políticas de Diversidade e Inclusão, especialmente por influência do Trump. O que você acha disso? O mesmo acontece com a sustentabilidade?
Starkman – Acho vergonhoso que empresas estejam se afastando das políticas de DEI. Na publicidade, é extremamente importante ter perspectivas diferentes, vivências diferentes entre as pessoas que criam as ideias. Para não vermos sempre as mesmas coisas. Do ponto de vista de negócios, é estupidez não ser diverso. Muitas empresas deixaram de divulgar seus números. Nós divulgamos os nossos com orgulho. Somos muito transparentes. Compartilhamos nossos números de diversidade, mostramos como estamos indo. Queremos ser cobrados. E a melhor forma de fazer isso é mostrar publicamente nosso progresso. Não vamos deixar de registrar e compartilhar esses dados em nosso site e nas redes sociais. Sobre sustentabilidade: como mencionei no início da entrevista, nós, criativos, somos capazes de fazer muito mais do que só levar as pessoas a rirem. Acredito que qualquer problema, por maior que seja — e a deterioração do meio ambiente é um dos maiores —, pode ser enfrentado com criatividade.
Clube – Para nós, esse é um tema muito importante. O Clube quer ajudar a fazer a diferença. E parece que todos os criativos concordam que é importante. “Vamos fazer algo”. Mas, no fim das contas, há muito pouco sendo feito.
Starkman – Acho que, para as coisas mudarem para melhor, os criativos têm um papel fundamental. Não importa o setor em que atuem e há quanto tempo atuam. O que vai ajudar a mudar o mundo é o pensamento criativo. E isso inclui criatividade em relação a legislações, aumentando a pressão pública. Vi muitas ideias no Clio deste ano que mostraram maneiras criativas de pressionar por mudanças em leis. Esse tipo de pensamento criativo pode ser aplicado no enfrentamento do problema climático.
Lena Castellón
Clube de Criação 50 Anos