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Quem é sua marca na fila dos posts? (Naty Sanches)
"Ninguém está esperando o seu próximo post".
Ouvi essa frase durante um congresso de comunicação. Anotei. Voltei a ela dias depois. Essa provocação inicial pode soar dura, mas carrega uma verdade incontornável no cenário atual da comunicação e do marketing. Em um mundo digital, que parece reiniciar a cada nascer do sol, somos bombardeados por uma quantidade avassaladora de informações e a visibilidade compulsória nos obriga a um diálogo constante com nossas audiências como forma de sobrevivência. Mas será que essa corrida por volume está nos levando ao lugar certo?
Minha vivência de quase 20 anos no mercado de comunicação corporativa e empresarial, e a observação de tendências e comportamentos, me levam a acreditar que o burburinho do tema da presença digital desenfreada está se chocando com uma nova realidade: a da saturação e, paradoxalmente, a da busca pelo silêncio.
Nos últimos anos, as redes sociais tornaram-se o principal canal de comunicação e vendas, especialmente para as marcas. Há quem diga que se uma marca não está no digital, está fadada ao fracasso. Segundo dados da pesquisa NielsenIQ – Relatório Full View (2024), 56% dos consumidores brasileiros afirmam que as redes sociais influenciam suas decisões de compra. Além disso, mais da metade da Geração Z utiliza as redes como principal canal de descoberta e avaliação de produtos.
Ou seja, a presença digital se tornou tão habitual que hoje muitas marcas utilizam esse espaço para fazer seu barulho. No entanto, em um ambiente em que todos têm o direito de expressar suas opiniões, ideias e conhecimentos sem, necessariamente, estarem dispostos a ouvir, torna-se difícil construir um diálogo verdadeiro.
Vivemos a era da hiperpresença, mas não necessariamente da relevância. As marcas, pressionadas por métricas de frequência e visibilidade, entraram em um ciclo acelerado de produção de conteúdo. Publicam porque o calendário manda. Opinam porque a trend exige. Repetem fórmulas porque funcionaram uma vez. E nessa jornada, cada vez mais automatizada, mais pasteurizada e menos intencional, se esquecem de algo fundamental: o público já não está prestando tanta atenção.
Vivemos um paradoxo digital. Nunca tivemos tanto acesso à informação, mas frequentemente escolhemos não acessá-la de forma profunda. Estudos, como da Columbia University e da Universidade Estadual da Pensilvânia, respectivamente, mostram que uma parcela significativa dos links compartilhados em plataformas como o X (antigo Twitter) nunca é clicada (cerca de 60%), e que no Facebook, a maioria das pessoas compartilha conteúdo sem abri-lo, baseando-se apenas na manchete (70%).
Esse comportamento, que pode ser resumido pelo termo "tiktokificação da atenção", adotado pela empresa de pesquisa de tendências WGSN em um estudo de 2023, cria um ambiente em que a superficialidade reina e o julgamento é quase automático. Afinal, nossa capacidade de concentração em uma única tela sofreu uma redução significativa ao longo das últimas décadas. De acordo com Gloria Mark, professora de informática na Universidade da Califórnia, em Irvine, e autora da obra Attention Span, o tempo médio de foco caiu de 2,5 minutos em 2004 para apenas 47 segundos em 2021.
Como consequência, a informação de qualidade perde espaço para aquilo que gera reações rápidas e emocionais. Isso leva a uma ilusão de compreensão, onde as pessoas sentem que sabem mais sobre os assuntos do que realmente sabem, consumindo pouco e opinando muito. O resultado é um imenso ruído digital, onde todos falam, poucos ouvem e, de fato, ninguém conversa. Para as marcas, isso se traduz em posts que talvez não estejam encontrando o engajamento e a conexão que realmente buscam.
Durante anos, alimentamos o mantra do “seja sempre relevante”. Mas na prática, isso virou “seja sempre presente”. E no meio do caminho, esquecemos que presença não é sinônimo de significado. Uma marca que aparece todos os dias com conteúdo genérico ou sem alinhamento com o seu propósito está apenas cumprindo tabela. E o consumidor sente isso.
O problema é que a lógica algorítmica favorece a constância. E os times de marketing, ao invés de questionarem essa regra do jogo, muitas vezes se tornam reféns dela. Com isso, a quantidade substitui a estratégia. A pressa substitui a escuta. A performance substitui o propósito.
O resultado? Um feed lotado de postagens que não geram conversa, não criam valor de marca e, mais grave ainda, não são lembradas um dia depois.
Enquanto a ansiedade algorítmica nos impulsiona a não querer desperdiçar tanto tempo nas redes sociais e nos mantém presos à dinâmica do scroll infinito, uma contra-tendência emerge com força: a busca pelo prazer consciente de não participar, ou JOMO (Joy of Missing Out), em oposição ao FOMO (Fear of Missing Out).
A demanda por digital detox é palpável, com 40% dos lares em grandes economias preocupados com o tempo de conexão da família (dados da EY). Isso impulsiona um mercado crescente de aplicativos de bem-estar digital e até o retorno dos "dumb-phones" (telefones mais simples). O turismo também capitaliza, com "wellness retreats" que proíbem Wi-Fi e oferecem rotinas de respiração guiada, mostrando que o silêncio se tornou um produto valioso e caro.
O Brasil, com seu alto tempo de tela (9 horas e 32 minutos diários, o segundo maior do mundo, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2024) e a nomofobia (ansiedade por ficar longe do telefone) afetando 60% dos brasileiros (segundo estudo da Nomophobia.com), é um terreno fértil para essa aflição.
Esse cenário indica que, quanto mais barulhenta a vida online, além do silêncio, outras práticas que ganham relevância são a pausa e a curadoria. Esse movimento, antes associado ao comportamento individual, começa a influenciar também a forma como marcas se posicionam ou escolhem não se posicionar. Nem todo silêncio é omissão. Nem toda fala é autoridade.
Marcas que conseguem dizer “isso não é sobre mim agora” estão dando um passo estratégico importante: entender que relevância também é saber o seu lugar no contexto. E que, às vezes, o melhor movimento de comunicação é segurar a comunicação.
Está na hora de fazermos as pazes com o fato de que o público não está esperando o nosso próximo post. E isso é libertador. Significa que temos a chance de criar não para sermos vistos, mas para sermos lembrados. De usar a comunicação como construção, e não como obrigação. De devolver profundidade a uma disciplina que, em meio a tantos KPIs, às vezes esquece que no centro de tudo ainda está a cultura, o tempo e o humano.
Talvez a nova sofisticação do marketing seja essa: a coragem de falar menos, mas com muito mais significado.
Naty Sanches, diretora de operações na Growth Comunicações
Leia o texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.
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