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Festival do Clube

Exaustão digital e os abismos da solidão

21.10.25

Em um mundo hiperconectado, a solidão e a exaustão digital emergem como epidemias silenciosas, impactando profundamente a saúde mental, social e a capacidade criativa. Foi com essa urgência que o Festival do Clube de Criação abriu espaço para um debate essencial, reunindo especialistas para desvendar os desafios e apontar caminhos para encontrar o reequilíbrio.

O painel “Exaustão digital, epidemia da solidão e a busca por saúde social” trouxe à tona dados alarmantes e reflexões profundas. O mediador, Rui Piranda, sócio e CCO da ForALL, iniciou a discussão com um alerta contundente: “a razão de nos reunirem aqui é intensa: uma em cada quatro pessoas sofre de solidão. E o Brasil é o primeiro no ranking”.

O estudo “Our Epidemic of Loneliness and Isolation”, de 2023, reforça a relevância do tema, por exemplo, ao explicar que a solidão está associada a um grande risco de doenças cardiovasculares, demência, AVC, depressão, ansiedade e morte prematura.

A discussão rapidamente se aprofundou, impulsionada pelo que o psicanalista Christian Dunker descreveu como uma estratégia de "aumentar o sofrimento para elevar o desempenho", o que contribui para essa realidade de saúde social prejudicada. Para ele, a linguagem digital, ao contrário das formas de comunicação anteriores, carece de elementos cruciais para a conexão humana. “Essa linguagem não tolera prosódia, desculpa, modulação, negociação, uma série de processos linguísticos e cognitivos que são decisivos para você se sentir pertencendo e perspectivando um futuro articulado pelo seu passado, e possa pensar a transmissão social do desejo”, explicou.

Essa dinâmica digital, que borra as fronteiras entre o público e o privado, gera uma "embolia narcísica", onde o sujeito, ao viver como um personagem, experimenta um esvaziamento interior. A solidão, paradoxalmente, torna-se o antídoto para a própria solidão – a capacidade de estar consigo –, constantemente interrompida pela demanda digital.

A consultora e psicanalista Carol Romano trouxe a perspectiva do ambiente corporativo. Segundo ela, na "era do desempenho", as pessoas sacrificam o processo em prol do resultado, gerando uma exaustão na própria relação com o trabalho. Também cofundadora da @futuro.co, Carol ressaltou que as relações no ambiente de trabalho são um dos principais gatilhos para o adoecimento mental global. Ela criticou a percepção distorcida de valor na era digital. “Escutei esses dias que a gente começou a acreditar que a gente é mídia, mas a gente é só social”, falou, enfatizando que os times de alta performance são aqueles com alta sinergia, com relações qualitativas e nos quais há espaço para o emocional, valorizando a unicidade, a utilidade e o reconhecimento.

Carol pontuou ainda que a qualidade das interações no ambiente profissional, onde passamos boa parte da nossa vida adulta, é o motivo central para o bem-estar ou adoecimento. "Os times de mais alta performance são aqueles de pessoas com alta sinergia, porque elas têm vínculo, elas se relacionam", explicou, enfatizando que a colaboração e a conexão genuína são indispensáveis para enfrentar as complexidades do mercado atual, indo além da mera busca individual por resultados.

Complementando essa visão, Daniela Dantas Vilar, vice-presidente da WGSN América Latina, com sua expertise em tendências, reforçou a natureza instintiva da necessidade humana de pertencimento. Ela observou que, embora a hiperconectividade online dê uma falsa sensação de pertencimento, ela não supre a necessidade real de conexão. “Quando a gente olha para marcas, não é à toa que a gente fala tanto de construção de comunidade. Uma marca que consegue construir uma comunidade real sai na frente, porque se conecta com essa necessidade do ‘eu sou pertencente’, de fato”, apontou.

O papel da IA

A discussão também abordou o impacto da inteligência artificial na saúde mental e social. Carol Romano levantou uma questão crucial sobre o uso da IA por jovens como "terapeuta" e para conversas íntimas. “A gente pode começar a ficar atrofiado, porque falta a fricção”, alertou, referindo-se à complexidade e aos conflitos necessários para o desenvolvimento das relações humanas. A IA, ao oferecer uma "perfeição algorítmica" nas interações, pode nos privar da riqueza das trocas reais.

Dani Vilar, por sua vez, analisou a evolução pendular das tendências. A publicidade anteriormente criava um aspiracional inatingível e as redes sociais, inicialmente mais "reais", evoluíram para uma curadoria excessiva. Agora, a nova geração já busca um retorno ao "real", mesmo que pensado.

Segundo a executiva, a crescente demanda por autenticidade e propósito nas campanhas publicitárias, observada nos últimos anos, reflete essa busca do consumidor por marcas que realmente se conectem com valores humanos e não apenas com aspirações superficiais. Ela provocou o público a entender os "porquês" por trás das ações e a criar narrativas e contextos que façam sentido, conectando-se com as emoções.

A plateia presenciou ainda a discussão sobre o papel da publicidade na saúde social. Todos os participantes do painel concordaram que as mensagens publicitárias por vezes contribuem para a objetificação da perfeição e que, portanto, têm agora um papel crucial na solução da epidemia de solidão. “A gente alimenta a doença e a gente pode ser uma das soluções para ela”, pontuou Rui Piranda. A capacidade de escutar, de fomentar a conexão entre pessoas através das marcas, e de valorizar o humano sobre o personagem, são os caminhos, de acordo com os convidados.

Christian Dunker ressaltou que o antídoto para o cansaço e a solidão é a escuta. “Para a escuta acontecer, de fato, implica nesse balanço entre você se aproximar de um ideal comum e você introduzir uma falta”, comentou. Essa "falta", ou seja, a vulnerabilidade, é o que produz engajamento duradouro nas relações, e não a instrumentalidade produtiva. Ele também mencionou Sigmund Freud: "não tem um lugar no qual os analistas cheguem que antes não tenha sido ocupado pela arte".

E foi a arte o caminho indicado pelo moderador Rui Piranda para encerrar o encontro, com um convite para que todos visitem a Bienal de São Paulo. “A arte é sempre uma inspiração, e a mais poderosa ferramenta de comunicação. Ela nos conecta com outras eras, outras culturas, outras pessoas. Vá lá, perca-se e deixe o celular na bolsa”, concluiu.

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Patrocínio Master (ordem alfabética): Globo; Grupo Papaki; Warner Bros. Discovery

Patrocínio (ordem alfabética): AlmapBBDO; Antfood; Artplan; Barry Company; Boiler Hub; Cine; Galeria; Halley Sound; Heineken; Ilha Crossmídia; Jamute; Lew'Lara\TBWA; Love Pictures Company; Not So Impossible; Monks; Mr Pink Music; Netflix; O2; OMZ; Paranoid; Piloto; Publicis Production; Sadia; Sweet Filmes; The Clios; UBC - União Brasileira de Compositores; Unblock Coffee; VML Brasil

Apoio (ordem alfabética): Anonymous Content Brazil; Artmont Creative Action; BETC Havas; Broders; Carbono Sound Lab; Casablanca Audiovisual; Corazon; Estúdio Origem; Fantástica Filmes; Felicidade Collective; Grupo Box Brasil; Grupo Tigre; Human; Jungle Kid; Magma; MiamiAdSchool; Prosh; Punch Audio; Stickman Studio, Sympla; Unlimitail; UOL; Zanca Films.

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