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O último Tarantino (Marcello Noronha)
Em breve, qualquer um vai poder ser o Tarantino. Não por homenagem, nem por metáfora. Por ferramenta mesmo. Por algoritmo. Por versão beta. A inteligência artificial já escreve roteiros, constrói diálogos, sugere enquadramentos, dirige vozes, aplica fotografia, monta o corte final. Ainda erra? Claro. Mas erra rápido. Aprende mais rápido ainda. E repete. Vinte, cinquenta, cem vezes. Até acertar.
E então, lá estará ele. O filme. Com a ironia, a violência estilizada, o ritmo, a trilha sonora retrô. Aquele mesmo tom entre o elegante e o vulgar, entre o engraçado e o sádico. Só que não é dele. É de alguém em Bertioga. Ou em Tóquio. Ou em Caracas. E isso vai acontecer muito. Mil pessoas, duas mil, dez mil lançando seus próprios Tarantinos por semana. E aí vem a pergunta. Se todo mundo pode fazer, quanto vale o filme do verdadeiro?
A resposta parece óbvia, mas é exatamente o contrário do que se imagina. Ele vai valer mais.
Não porque seja melhor. Não porque é mais ousado ou mais impactante. Mas porque é dele. Porque, por algum motivo estranho, isso ainda importa. O valor vai sair da tela e voltar para a origem. Para o nome. Para o gesto. Para o tempo investido. Para o corpo que teve que viver antes de escrever.
Walter Benjamin falou disso. Da aura da obra de arte que se dissolve na era da reprodução técnica. Mas agora não é só a reprodução que está em jogo. É a criação em escala. Não uma cópia, mas mil obras inéditas que parecem originais. O efeito disso é curioso. Quanto mais obras são geradas, mais raro fica o autor real. A assinatura vira a obra. A autoria vira fetiche.
Harari avisa que vamos perder o monopólio das narrativas. Mas talvez não percamos o valor da narrativa real. Pelo contrário. Talvez ela fique mais cara. Como um vinil sujo no meio de um streaming perfeito. O que é vivido começa a valer mais que o que é apenas bem feito.
Byung-Chul Han chama isso de excesso. Excesso de imagem, de conteúdo, de estímulo. Um mundo saturado. Quando tudo é bonito, tudo começa a parecer igual. E aí a gente para de buscar o que agrada. E começa a buscar o que tem falha. O que tem biografia. O que tem sangue. Um ruído no meio do som cristalino.
Paul Graham diz que, nesse novo mundo, a curadoria vira tudo. A origem. A confiança. O selo. A assinatura. O nome. Porque a qualidade já não basta. A qualidade vira commodity.
Então sim, vai ter Tarantino de IA. Vários. Alguns ruins, outros geniais. Mas só um vai ter o peso da hesitação. O erro mantido. A convicção ilógica. O medo de fracassar. A decisão de continuar. O filme assinado por ele, mesmo que menor, vai valer mais. Pela escassez. Pela biografia. Pela assinatura.
E isso vale também para as marcas.
Porque sequalquer um pode criar uma marca perfeita, coerente, posicionada, com tom de voz e narrativa impecáveis, o que vai fazer diferença é a origem. O que está por trás. O que não se copia. O tempo que não se simula. O histórico que não se gera com prompt.
Marcas e autores vão dividir o mesmo destino. As que sobreviverem não serão as mais bonitas. Serão as que resistirem à perfeição. As que tiverem algo que a IA ainda não consegue fabricar: intenção.
No fim, se tudo pode parecer Tarantino, o verdadeiro Tarantino vira um farol. Um vestígio de humanidade. Um último original cercado por milhares de cópias impecáveis.
E esse será o novo luxo.
Marcello Noronha, CCO da Artplan
Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.
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