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O Espaço é Seu

Instagram com tradução testa os limites da identidade (Vinicius Machado)

07.11.25

O Instagram agora traduz tudo, mas será que a cultura também é traduzível?

O Instagram acaba de lançar um recurso que promete transformar o modo como consumimos e produzimos conteúdo: a tradução automática de áudio e legendas em Reels, Stories e vídeos. Com suporte da inteligência artificial, um criador brasileiro pode falar em português e ter sua voz reproduzida em inglês, espanhol ou outro idioma — com timbre, entonação e sincronia quase perfeitos.

É o tipo de atualização que redefine fronteiras, tanto tecnológicas quanto culturais. Na superfície, o movimento parece óbvio e positivo: quebrar barreiras linguísticas e ampliar o alcance global de criadores e marcas. Mas, na prática, ele inaugura um novo debate sobre
o que acontece com a identidade cultural quando tudo passa a ser traduzido.

Porque, se tudo pode ser compreendido em qualquer idioma, o que ainda nos diferencia?

A promessa da tradução automática é sedutora: tornar o conteúdo verdadeiramente universal. Mas há uma diferença entre ser compreendido e ser sentido. O sotaque, o humor e as referências locais, aquilo que dá textura e humanidade à comunicação, correm o risco de se perder quando a IAneutralizaa fala para torná-la globalmente acessível. A globalização da influência pode, sem querer, se tornar a globalização da mesmice.

E o motivo é simples: quanto mais os criadores precisarem desenvolver conteúdos que ressoem igualmente em todos os lugares, mais seus códigos culturais tendem a se padronizar. Essa necessidade de “soar global” pode apagar nuances e particularidades que antes definiam estilos, sotaques e contextos.

Do ponto de vista do mercado, as implicações são enormes. Marcas passam a ter a chance de criar campanhas realmente globais, com creators de diferentes países dialogando com o mesmo público, sem ruído de idioma. É o sonho da escalabilidade total. Mas, para os criadores, esse cenário exige uma nova habilidade: equilibrar escala e autenticidade.

O diferencial passa a ser, paradoxalmente, aquilo que não se traduz. Num ambiente em que todos podem falar todas as línguas, o que se torna valioso é o olhar original, o repertório regional, os gestos e os símbolos que nenhuma tradução consegue reproduzir.

Podemos estar entrando numa era em que os códigos culturais serão reinterpretados não apenas pelas palavras, mas pelas imagens e pela semiótica, um idioma visual capaz de atravessar fronteiras sem perder contexto.

A tecnologia pode traduzir palavras, mas não traduz vivências.

O novo recurso do Instagram não é apenas uma atualização técnica. É o início de uma nova era para a influência: uma era em que a expansão global testa os limites da identidade.

Porque se, de um lado, o algoritmo passa a falar todos os idiomas, de outro, cabe a nós decidir quais partes da nossa cultura queremos que o mundo entenda sem precisar traduzir.

Por Vinicius Machado, fundador e CEO da Sotaq

Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.

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