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Quando o sul global mostra o caminho (por Auê)
Se Cannes Lions é o espelho mais potente da indústria criativa global, o reflexo que vem nos mostrando é cristalino: o centro está se deslocando e é para o Sul. Com a energia vibrante de quem tem história pra contar e propósito como bússola, o sul global deixou de ser promessa periférica e se tornou liderança estratégica, afetiva e disruptiva.
Logo na abertura, o festival quebrou paradigmas ao homenagear, pela primeira vez, a criatividade de um país inteiro. E o escolhido foi o Brasil. Não só por seu histórico invejável de mais de 1,9 mil Leões, mas pela forma como sua produção criativa tem tensionado o presente e redesenhado o futuro. No painel apresentado por William Bonner e Maju Coutinho foi impossível não se emocionar com o encontro de gerações e visões sobre o papel da propaganda no país. Bonner, publicitário de formação, cravou: “Publicidade é um dos pilares de uma imprensa livre”. Um lembrete necessário, sobretudo em tempos onde a desinformação ameaça a democracia. Já Maju trouxe a perspectiva mais urgente: “Publicidade vai além de vender. Pode engajar, transformar e trazer questões sociais pra conversa. Ainda mais num país como o nosso.”
E se o palco celebrou o presente, a rua celebrou o legado. Washington Olivetto, um dos nomes mais icônicos da publicidade brasileira (e mundial), foi homenageado com a reverência que só ele merece e do jeito mais brasileiro possível: um trio elétrico. Sim, Cannes parou. A Croisette virou passarela. Teve samba, teve axé, teve Simoninha, Jairzinho, Acadêmicos do Baixo Augusta, teve confete, suor e orgulho. Uma ode à criatividade que não se limita ao roteiro, que atravessa o asfalto e dança em cima do caminhão. Mais do que uma festa, foi um manifesto: o Brasil não veio apenas para falar — veio para cantar, sambar, ocupar. Neste momento do dia a mensagem era: criatividade com alma, com corpo e com chão.
À tarde, os brasileiros se reuniram em um rooftop, recém-inaugurado, próximo à Rotonde, para um happy hour com roda de samba. No repertório? Clássicos do pagode, marchinhas, sambas eternos. No clima? O calor de quem entende que networking também se faz com tamborim na mão e coração aberto.
E entre uma batida de surdo e um brinde à ancestralidade criativa, ficou a pergunta no ar: quantos festivais no mundo conseguem abraçar tanto sem perder o eixo? A resposta talvez esteja na frase que ouvi de um criativo africano: “Enquanto o Norte exporta lógica, o Sul exporta sentimento.” E Cannes, este ano, parece finalmente pronto para sentir.
A inteligência artificial, por sua vez, tem sido pauta em diversos painéis. Mas, ao contrário da expectativa de substituição, o discurso dominante é de coexistência — ou melhor, de colaboração. Como resumiu Tor Myhren, vp de marketing e comunicação da Apple, “não há IA no mundo mais capaz de nos fazer sentir do que a mente humana.” A criatividade, afinal, é menos sobre predição e mais sobre fricção. É ali, no ruído e na emoção, que nascem as ideias que ficam.
E talvez seja essa a maior lição de Cannes até agora: a criatividade que o mundo quer (e precisa) agora vem com sotaque, batuque e coragem. Ela não pede licença. Ela entra em festa, com ginga e potência.
Por Renan Damascena | co-founder e CSO da Auê – Hub Criativo de Impacto e Inteligência Cultural