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Colunas CCSP 2014

Pano Preto (por Rynaldo Gondim)

24.10.14


Quinta, 23 de outubro, foi dia do aviador. E já que meus amigos pilotos adoram falar sobre publicidade, eu pensei que meus amigos publicitários poderiam ao menos suportar um texto sobre aviação.



Mas, pensando bem, esse não é exatamente um texto sobre aviação. É um texto pretensioso. Falo aqui sobre publicidade, aviação e vida. Três assuntos que, respectivamente, meus conhecimentos são: razoáveis, fracos e praticamente nulos.



Se eu fosse você, acho que também não leria.



PANO PRETO.



Pilotos, assim como publicitários, são bastante exibidos. Por isso, gostam de alardear que os aviões em que voam são mais complicados de pilotar que os aviões dos colegas.



O piloto que voa convencional (aeronave que tem duas rodas na frente e uma na cauda), por exemplo, costuma dizer que esse tipo de avião é extremamente arisco, difícil de operar e que portanto é tarefa para poucos abençoados com uma aptidão natural para o voo.



No mundo da aviação, essa maravilhosa capacidade que os pilotos têm de fazer tudo parecer muito mais difícil do que de fato é chama-se Pano Preto.



Mas será que o Pano Preto é mesmo um hábito exclusivo dos pilotos de avião?



Eu já assisti a palestras de colegas que fizeram o nosso ofício parecer tão genial e sofisticado, que no final eu fiquei me perguntando se eu sabia mesmo fazer esse negócio.



E quantos diretores de marketing você conheceu em sua carreira que costumam atribuir novos nomes para velhos processos de trabalho, tornando tudo muito mais cabeludo?



Quantas vezes você ficou em uma sala de reunião se perguntando o que o sujeito estava tentando dizer? Até que alguém chega no seu ouvido e explica: “Ele quer uma campanha nova”.



E na vida? No nosso dia-a-dia, quantas vezes nós mesmos acabamos nos cobrindo com o tal do Pano Preto?



Essa mulher é areia demais para o meu caminhãozinho. Pano preto.



Esse deus grego é demais para mim. Pano preto.



Esse trabalho não é para o meu bico. Pano preto.



Mas aí o tempo passa e você acaba mudando de opinião. Normalmente, quando já é tarde demais.



A gente só descobre que nenhuma mulher é impossível quando ?o pinto não sobe nem com a ajuda de pílulas.



A gente só descobre que, com muita dedicação, aprende qualquer ofício quando a aposentadoria chega.



E só descobre que a felicidade é mais importante que a profissão quando mal tem forças para abraçar os netos.



A gente só aprende que a vida é simples quando ?já tem um padre rezando ao lado da cama. No momento em que estamos prestes a receber nosso último Pano Preto. O definitivo.



Eu tenho uma teoria que o tempo é muito injustiçado. Não é o tempo que passa rápido demais. É a maturidade, “essa mardita”, que está sempre atrasada.



Gostaria de dedicar este texto ao Comandante Eduardo Almeida, que tanto na aviação quanto na vida nunca usou o Pano Preto. Provavelmente, é a única pessoa que conheço que amadureceu na hora certa.



Por Rynaldo Gondim, diretor de criação da Almap BBDO e piloto privado de avião.



Leia texto anterior deste colunista aqui.


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