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Coluno do W.O.

Sexo, Rock’n’Roll e Droga

05.07.21

Neste primeiro semestre de 2021, a campanha de publicidade de maior repercussão no Reino Unido não vendeu um produto. Vendeu uma ideia: o prazer do sexo na terceira idade (leia e veja aqui).

A campanha foi criada pela Ogilvy UK, e eu pedi ao diretor de criação da agência, o brasileiro André Laurentino, que me contasse um pouquinho dos bastidores daquele trabalho.

Segundo Dedé, apelido desse pernambucano com sotaque londrino, a Relate é uma ONG britânica que trata das relações entre pessoas.

Como todos sabem, um dos últimos tabus da vida é o sexo na terceira idade, assunto que raras vezes foi abordado pela mídia de maneira tão aberta e direta. O corpo muda, a elasticidade também.

Mas o amor e o prazer não tem prazo de validade. Ressaltar esse fato era a função da campanha.
Num dos mais lindos depoimentos dos casais que aparecem nos anúncios (são casais na vida real), uma senhora diz: "O sexo é uma extensão da nossa amizade".

As belíssimas fotos foram feitas pelo mestre Rankin (John Rankin Waddell), e houve um acompanhamento dos fotografados antes, durante e depois das sessões de fotos, para que todos estivessem confortáveis com o resultado.

Todas as fotos foram aprovadas por eles e, as poucas que foram recusadas, foi mais por motivos de vaidade do que por alguma indiscrição retratada.

Essa campanha, protagonizada por casais com mais de 70 anos de idade, teve uma enorme repercussão, pelo atrevimento do tema e pela exuberância estética. Mas é apenas uma das muitas campanhas sociais realizadas no Reino Unido.

Nessa categoria existem as charity shops, como a Octavia Foundation, que recebem a doação de coisas usadas, as revendem a quem não pode comprar coisas novas e doam o dinheiro arrecadado para entidades como a Save the Children ou a Cancer Research UK.

O NHS, que é o SUS dos ingleses, mensalmente convoca os habitantes das cidades para exames gratuitos de todos os tipos, desde a prevenção do câncer no seio e na próstata até exames de acompanhamento do desenvolvimento físico das meninas e meninos.

O NHS inglês e o SUS brasileiro são duas entidades exemplares, que continuam parecidas na sua competência. Mas, observando alguns fatos que têm acontecido no cotidiano da Inglaterra e do Brasil nos últimos tempos, fico com a sensação de que, mesmo com as suas parecenças na medicina pública, Brasil e Reino Unido são hoje dois mundos absolutamente diferentes.

Um vive crises sanitária, política, ética e ambiental; o outro trata de tudo isso com cuidado e respeito.

Num, já passa de 520 mil o número de mortos pela Covid-19 – e esse número continua crescendo; no outro, que também começou negacionista no episódio da Covid-19, mas se corrigiu a tempo, a pandemia está praticamente dizimada, graças ao uso coletivo de máscaras, a um lockdown rigoroso e a um programa de vacinação competente.

No Reino Unido, todos já estarão vacinados até 31 de julho; no Brasil, o programa de vacinação ainda não tem datas nem números confirmados e virou uma CPI.

Enquanto, no Brasil, muitos continuam se aglomerando irresponsavelmente em manifestações a favor ou contra o governo, em Liverpool, terra dos Beatles, mais de 5 mil jovens se reuniram para um evento de rock’n’roll, com acompanhamento médico e científico, iniciando as pesquisas sobre o que pode acontecer se os shows ao ar livre voltarem.

Últimos dados dessas comparações, mas também importantes porque falam de dinheiro, coisa que, de um jeito ou de outro, é o que move esses dois mundos: no Brasil, a Bolsa de Valores continua volátil, subindo vários pontos nos últimos dias por causa da queda dos juros nos EUA; e o dólar – que em 2018 estava R$ 3,20 e em 2021 chegou a R$ 6,00 – agora até baixou um pouco, mas continua colado na casa dos R$ 5,00. No Reino Unido, segundo as previsões do Financial Times, a economia deve crescer no ritmo mais rápido dos últimos 70 anos.

A verdade é que, em 2021, enquanto muitos ingleses comemoram o amor e o sexo na terceira idade, vários radicais brasileiros comemoram a volta do país à Idade da Pedra ou da pedrada.

Acho esse tipo de comportamento uma droga.

Washington Olivetto
Publicitário

washington@washingtonolivetto.com.br

Texto publicado no jornal O Globo

Leia texto anterior da Coluna do W.O., aqui.

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