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Criado-Mudo

"Ah se ele falasse!"

07.03.07

Sempre fiquei pensando sobre a importância de um criado-mudo na  vida da gente. Coitado é mesmo um lacaio: despeja-se tudo nele e ele não emite um muchocho.

Certo dia recebi um e-mail da Maria Lúcia, (a que dorme do lado oposto ao meu criado-mudo), com um texto do Bial sobre o exagero que é a morte. Você está lá, vivo, e de repente tchau. Deixou tudo de uma hora para outra, sem avisar. Gavetas com cartas, segredos, fotos, coleção de moedas que não valem um tostão, relógios herdadados e quem sabe um seguro de vida para amenizar a vida dos que ficam.

Logo lembrei novamente do meu criado-mudo. Tadinho, lá encostado, levando portadas do armário e claro, sem reclamar.

Fiquei pensando no que ele guarda pra mim ou pra alguém que um dia virá abrí-lo. Pensei na Maria Lúcia, Mary para os íntimos, como para o criado-mudo que já ouviu e viu coisas que só não o fizeram falar porque além de fiel, como todos sabem, é deficiente.

Como precavido que estou ficando, respondi o e-mail no ato:
“Mary, caso alguma coisa me aconteça e você não encontre a sua, a minha tesourinha de unha está no criado-mudo. Aquele que sempre guardou tudo pra mim, principalmente as boas lembranças.


E o seu vai guardar o que para os seus?


Ricardo Paoliello é redator desde os tempos do Silvio Lima, do Luís Horta, do Luis Cristino, do Feijão. Desde os tempos que os criados das agências não precisavam ser mudos. Criavam.


Comentários

Daniela Martins - Uau! Adorei o texto! E sorte mesmo que nosso criado-mudo é mudo e eficiente, guarda tudo e ponto. Mas me peguei um tanto pasma, ao ler " Você está lá, vivo, e de repente tchau", fiquei aqui, pensando e repensando se vale ter segredos!?! Ai ai... segredos e criados-mudo, quem os explica? Ps: adorei a parte final, depois do final mesmo, que diz que um dia já houve criativos que criavam sem precisar ser mudos. Queria ter vivido esta fase da publicidade, uhuuu... dany.dcm@gmail.com

Mário E. C. Nascimento - %u201CCriado-falante%u201D Ao ler as crônicas da seção %u201CCriado-mudo%u201D foi que me dei conta de que não tenho criado-mudo. Em parte pelas dimensões acanhadas de meu quarto e muito mais por desleixo mesmo, tenho levado a vida sem os préstimos desse silencioso serviçal. Há ao meu lado na cama apenas uma luminária de pé sobre cuja base amontôo uma pilha de livros que chega (olhe a coincidência!) até a altura de um criado-mudo padrão. Mesmo sem planejar, uma certa ordem como que espontaneamente se estabeleceu obedecendo, talvez, aos princípios da %u201Cemergência da complexidade%u201D: o livro que estou lendo (o famoso %u201Cde cabeceira%u201D) fica em cima, logo abaixo vem um de poemas, depois um de contos e, na seqüência, sempre na descendência, os de assuntos espinhosos (política, filosofia) que leio aos soluços como se fossem de consulta. Sobre a pilha de livros repousam o despertador, os controles remotos (são dois!) da televisão e os óculos (também dois), depois da leitura e de uma espiada no Discovery para chamar o sono. Embora modesta (não guarda tesourinhas, relógios velhos, coleção de moedas e que tais), essa %u201Cinstalação%u201D que tenho ao lado da cabeceira, como se diz em informatiquês, %u201Cemula%u201D um criado-mudo que tem a peculiaridade de falar incansavelmente através das bem mais de mil páginas que vigiam pelo meu sono. Mário (Marinho) Nascimento, Diretor de Criação da Sight-Momentum, também contemporâneo e parceiro do Silvio Lima, do Feijão e do Luís Cristino na MPM -1 (A Gênese).  mario.nascimento@sight-momentum.com.br


Roger Bassetto - Você esqueceu de avisar a Maria Lucia que ali, no criado-mudo, estão guardados os seus títulos de capitalização da MaxBlue. rbassetto@uol.com.br


 Sonia - Ricardo, adorei o seu criado mudo que agüenta calado as porradas do armário. E adorei também o criado mudo que o Marinho não tem. Beijo pra vocês dois. soniademeo@uol.com.br


 

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