Criado-Mudo

Eu não tenho criado-mudo. Quer dizer, as duas mesinhas, cada uma de um lado da cama, estão lá. Mas não posso dizer que uma delas é minha. Na verdade, quando casei, escolhi o lado esquerdo da cama. Hoje, o lado esquerdo não tem mais dono. Assim como o direito. A infidelidade do casal é brutal. (Calma, a infedelidade dos lados da cama.) Hoje durmo no lado direito. Amanhã? Vai saber. Resultado: minhas coisas estão dentro dos dois criados-mudos. E em cima dos dois também. A Ulli (minha mulher) ajuda a mistura ficar ainda mais confusa. Talões de cheque dos dois? Estão nos dois. Canetas dos dois? Nos dois. Documentos importantes e não importantes dos dois? São achados nos dois criados-mudos. Tralhas que nós nem sabemos que temos? Também estão nos dois. Essa confusão tem um lado ruim. Mas o lado bom, é que nossa cama não tem um lado bom. Os dois lados são bons. Mas como todo criado-mudo que se preza, ele tem laptop, porta-retrato da Julinha (nossa filhota), telefone, despertador e nas gavetas, tudo aquilo que já mencionei. Trata-se de uma partilha confusa e justa de bens que, de vez em quando, dá briga. Aliás, como toda partilha de bens.

Fábio Pinheiro / Redator da TBWA

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