Criado-mudo

"Desde que retornei pro meu sertão São Paulo, vindo lá do meu agreste Natal, ainda não me encontrei. E como estar se procurando diz respeito a não ter moradia fixa, ainda não sei o que é ter uma cama certa (tenho uma inflável, que carrego na mochila), tampouco um criado-mudo (até porque ainda não inventaram um inflável).

Sendo assim, 'mi mochila' é minha casa (ampla, espaçosa, confortável e se eu estiver na praia, com vista pro mar) e serve como meu criado-mudo, pois ainda não apresentou queixa formal contra os trabalhos forçados a que vem sendo submetida.

Pois bem, é nela que carrego boa parte dos livros que gosto de ler, ou ao menos um dos meus autores de cabeceira. Tem Palomar e Italo Calvino. Leminski e seu cachorro doido. José, fulana e Drummond. Garcia Marquez e seus cem anos de solidão. Marcelino Freire e seu angu de sangue (com jabuti e tudo). Michel Mellamed e seu lapso coca-cólico. A Trip do CEP20000. Nicholas Behr tomando iogurte com farinha. Campos de Carvalho e sua chuva imóvel. André Laurentino e sua pedra engaiolada. Adriana Falcão e sua máquina. Os dois volumes do Musashi e tantos outros Jovens Escribas.

Carrego neste criado-mudo itinerante também uma bela foto da minha senhora, (ou seria melhor uma foto bela da minha senhora?) de véu, grinalda e tudo.

Ela que não perto mas dentro, ouve comigo Itamar Assumpção e suas apaixonites agudas, Mundo Livre S.A. e suas galegas, Nação Zumbi e sua propaganda (dvd show obrigatório) ou um Jorge Ben (Jor?) e sua Jesualda.

E é o Tim Maia que está me ensinado a ser só, poder dormir sem te tocar... Mas só por hora, por que dentro em breve  pretendo ter um criado-mudo tão grande quanto esta minha mochila, com uma porrada de fotos dos filhos e outras coisas que a gente deixa pra escolher juntos."

Daniel Minchoni  - diretor de arte jr. da Africa