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Enquanto o adcept não vem

por Laurinha Esteves, da DDB de NY

10.11.07

Morando fora fica muito claro todas as coisas boas que o Brasil oferece. Ou pelo menos todas as ruins que ainda não chegaram aí.

Terremoto, por exemplo. Inverno de 5 graus negativos. O cantor Akon. Ah, eu poderia ficar aqui dias. Mas isso daria tempo para um mal terrível, que já invadiu as agencias em NY, chegar aí, devastando todas as idéias e campanhas. Esse mal se chama ADCEPT.

Parece nome de sabonete antibacterial, eu sei, mas é bem pior.

Começa assim. Um atendimento pede pra vir nos brifar num job. Marca hora, data e local. No dia seguinte, uns bons minutos atrasados, chega o fofo e a dona planejamenta.

A dona planejamenta tenta quebrar clima e engata uma convesa. “Ah, você é brasileira? Meu marido é de Barcelona”.

Eu fico muda, diante das inúmeras rotas que essa conversa pode tomar. Mas só sorrio, tipo 'que legal'.

O briefing mesmo é rapidinho. Falam do produto, do prazo pra entregar, levantam tipo “te cuida, gata” e vão saindo pela porta. Eu fico sem saber a única informação que me interessa:

- “Tá mas que peça é. Print? TV?"

E a dona planejamenta esposa do catalão revela:

- “É um adcept. A gente quer quatro adcepts”.

Eu franzo a testa. Puxa, eu realmente franzi minha testa. Sinal de que o efeito do botox está acabando e que está na hora de ir refazer no Brasil.

Ah, que maravilha o Brasil, onde se faz um botox e uma Onodera e se ganha uma depilação de buço, onde quer que isso seja. Isso é que é país evoluído. Um povo que depila buço. Não esse povo com esse tal de adcepts.

Aí ela tira um xerox  de um tal adcept de uma outra campanha. E explica: o adcept é assim, um esboço da idéia. Não é anúncio, não tem título ou visual. É assim uma possível direção do que o anúncio pode vir a ser.

Eu franzo mais ainda a testa e pergunto:

-“Bom, mas exatamente o que você faz com isso?”

- “Aí a gente pega esses adcepts e testa e vê como os consumidores reagem nessas direções. Depois de alguns meses, a gente volta pra vocês com uma noção mais clara da direção a ser tomada. Aí a gente escreve um briefing para vocês. Vocês criam e a gente testa novamente para ver se os consumidores aprovam essa direção tomada. Depois de meses testando, a gente volta pra vocês e se estiver correta a gente pode pensar em produzir o anúncio”.

Eu lembro de logo quando eu mudei pra cá. Era o dia da maratona de NY, 5 e pouco da manhã e todos os corredores tinham que entrar em um ônibus e seguir para onde é dada a largada.

Tô eu lá, zumbi, dentro do ônibus, até que o motorista freia e pergunta para os maratonistas se alguém sabe chegar no tal lugar porque ele está perdido. Foi uma confusão. 60 maratonistas com frio e sono falando trinta línguas diferentes tendo que adivinhar onde é a tal linha de partida em uma cidade que eles não moram.

Um bando de gente que não está lá pra dirigir mas pra ser guiado a um ponto, tendo que tomar decisões. Pensei na baderna que um focus group desses deve ser. Um bando de gente que veio só pelas bolachinhas de chocolate tendo que decidir se o produto se posiciona assim ou assado.

Criando mais etapas, burocracia, processo, emails, reuniões, post its, impressões coloridas e fatias de pizza desnecessárias em milhares de agências de todo o mundo.

Algo tipo Evo Morales, Chavez (o presidente e não o garoto de 90 anos mexicano), o Bush e os ceguinhos do Tribo de Jah, todos juntos tomando decisões geopolíticas.

Socorro, né? Mas o pior é que essas pragas se espalham rapidamente pelas multinacionais. Logo, logo chega o adecpt aí na sua agência, traduzido por alguém no meio do caminho como edicépti. E vai ser edicépti pra cá, edicépti pra lá.

Aí nessa hora eu queria ser a tia do café da agência só pra ouvir isso e ter a brilhante idéia de mais um nome pros filhos: Edimarson, Ediclever e Edicépti. 
 
Laura Esteves é redatora da DDB/NY mas vira e mexe sonha que voltou pro Brasil e que está comendo queijo frescal.  


Comentários

Fernando Campos -
Laís, por favor, crie um botão de pagamento com cartão de crédito para textos como este. Dá peso na consciência ler um troço tão bom de graça. A gente consome tanta merda pagando....Genial, absolutamente genial o texto, obrigado Laura. fcampos@santaclara.net

Alex Luna - deeeeeeus, outra praga inventada pra evitar que o pessoal dentro da agência pense? ai ai ai... melhor voltar pro Brasil mesmo, que pelo menos faz calor. dá uma angústia ver os 4º nos termômetros na rua e a chuva... :( alexandreluna@terra.com.br


Hugo - Laurinha, casa comigo? Te dou calça comprida e roupa rasgada e em troca só quero um bilhetinho ao dormir e outro ao acordar. hugoelaurinha@hotmail.com


Gabriel - Laura, muito divertido, fico imaginando os caras te pedindo isso na agência e achando a coisa mais normal do mundo. obrigado pelo texto, simplesmente "duca"!Alexandre

Feliciano -
Hahahaha, boa, mas infelizmente isso já chegou por aqui... já ouvi diversas versões... look & feel da campanha, peça-conceito, e a pior de todas... test-drive do conceito... Bjs e parabéns pelo texto. alexandre.feliciano@uol.com.br


Leandro Tuxo - Ficar por dentro do que rola no mundinho da propaganda da maior metrópole do mundo através de textos divertidos como esse realmente não deveria ser um serviço gratuito. E então, Laura, aceita PayPal?


Lúcio - Tá reclamando? Então vem pra cá fazer campanha de Imobiliário e pegar o trânsito da marginal. 


Mau Filho - Eu ainda preferia encarar o Adcept novaiorquino à receber 600 contos, enfrentar a marginal e criar pra Lojas SMWVYTUHGF Multimarcas (por essas que eu não recomendo aos mais jovens o curso de publicidade no vestibular).


felipe - pô, snif snif, tenho é inveja das suas preocupações, Laura, snif snif, duro é trabalhar no nordeste e ter que aguentar os "atendimentos" e "planejamentos" (salvo as exceções) daqui. quando a gente reclama que o briefing tá mal passado, eles logo tascam: "Ué, o chefe não disse que era pra vocês darem o sangue?"


Alexandre - Se não me falha a memória, a Roche, produtos quimicos e farmacêuticos, tem um remédio com este nome, ADCEPT. ou seria Viracept? Dá na mesma... rs


JB - Tô apaixonado... jbl.fontan@hotmail.com
 

Enquanto o adcept não vem

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