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Festival do CCSP 2014

Vik Muniz: se o trabalho do artista não é importante, não sei dizer qual é

09.10.14


Contando como aconteceu a evolução de sua carreira e os elementos que o levaram de uma criança com dificuldades de aprendizado com as palavras para um dos mais respeitados artistas da imagem, na atualidade, Vik Muniz lotou a sala MINI da Cinemateca, no último dia do Festival do CCSP.



Em palestra com oferecimento da Delicatessen Filmes, ele iniciou suas palavras brincando com a disputa natural existente entre artistas e publicitários. “Às vezes, parece regra que artista plástico tem que odiar publicidade. Eu, por outro lado, tive que compatibilizar ambos, porque comecei com a publicidade”, lembra.



A história de Muniz teve início na periferia de São Paulo, com sua vó o ensinando a ler – vó autodidata que, sem frequentar a escola, aprendeu com os jornais que embrulhavam os doces vendidos por seu marido. Passando o conhecimento à frente, ela utilizava uma velha enciclopédia da família para mostrar as palavras ao artista, passando seus dedos sobre elas e explicando os significados.



“Eu estava aprendendo a ler como as pessoas disléxicas. Brinco que sou um disléxico autodidata. Demorei três anos e meio para escrever a primeira palavra. E tudo que aprendi foi visualmente. Quando a professora fazia ditado, eu mais desenhava que escrevia. Meu caderno parecia um conjunto de hieróglifos”, contextualizou.



Foi graças a esse comportamento que, aos 14 anos, um professor o mandou para a diretoria junto com suas anotações. “Achei que ia ser suspenso, mas na verdade ele queria me inscrever num concurso de desenho para pessoas da minha idade. Fiquei em primeiro lugar e fui fazer desenho acadêmico na Escola Panamericana de Arte”.



Daí em diante, veio a experimentação, com aulas de teatro, passagens pelas faculdades de Arquitetura e Publicidade e sua ida para Nova York, bem como as descobertas e, sobretudo, a o pensamento filosófico sobre o significado das imagens. Isso tudo fez seu trabalho evoluir até transformá-lo no artista atual.



“A ideia do desenho por si só sempre me fascinou. Acordamos diariamente para um mundo que já conhecemos, e esquecemos que essa familiaridade existe a partir de conexões imagéticas. Um animal não constrói memória e cultura exatamente porque não tem como registrar, não tem como desenhar. Vivemos em um universo de imagens muito fortes, mas esquecemos a força da imagem em si”, analisou.



Voltando à relação entre artistas e publicitários, Muniz declarou que não tem nada contra ser um artista comercial – classificação que geralmente fica entre o artista erudito e o publicitário. “Minha intenção inicial de estudo era a psicologia, mas não consegui passar no vestibular e acabei indo para a publicidade. No começo, queria ser publicitário seduzido por aquele livro que falava sobre as imagens de gente pelada dentro dos cubos de gelo dos comerciais de uísque. Depois percebi que não queria vender uísque, mas sim o gelo”, explicou. “Não tenho nada contra ser artista comercial. Acho que vocês publicitários roubam muita ideia de artista, então, a gente pode roubar um pouco de vocês também. Eu sempre fui mais para a cultura da TV que da arte em si. Aprendi muito mais com o Chacrinha que com o Hélio Oiticica”, brincou.



Outro tópico abordado pelo artista foi o do conceito da imagem e de como cada espectador a interpreta – algo muito latente em seu trabalho, já que há significantes e significados muito mais amplos diante da composição de imagens com a utilização de outras imagens ou elementos que por si carregam uma mensagem contrastante ou complementar à sua obra final.



“Temos um ‘defeito’ chamado 'atenção', o qual nos faz conseguir nos comunicarmos apenas com linearidade. Se você vê uma figura desenhada a lápis e depois percebe que na verdade ela é a foto de uma escultura feita de arame, você passa a pensar mais profundamente no material, qual o tamanho real daquilo, quando e como ela foi feita. A partir daquele momento, você já não está mais vendo, está pensando. Comecei com o arame, passei pelos desenhos feitos com açúcar, depois com chocolate, brinquedos, sucata, lixo, diamante, caviar. É incrível como o tipo de material usado influencia diretamente no entendimento e interpretação de cada imagem”, enfatizou.



Finalizando sua apresentação, ele fez mais uma reflexão sobre como cada pessoa interpreta estímulos visuais, reforçando a relevância do artista nesse processo. “Quando você reconhece uma zebra, ela é baseada em milhares de referências que você tem de várias zebras, que formam uma zebra que é só sua, em um mundo que é só seu. Se eu fosse definir o papel do artista, diria que é polir essa membrana que separa o mundo material do imagético. E se o trabalho do artista não é importante, não sei dizer qual é”, concluiu.



Por Karan Novas

 


Festival do CCSP 2014

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