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Negacionismo: de onde vem, como combatê-lo?
Em 1904, em plena epidemia de febre amarela, um movimento popular tomou conta da cidade do Rio de Janeiro. Foi a chamada Revolta da Vacina, provocada por boatos de que a vacinação era uma coisa perigosa (por exemplo, que as pessoas ficariam com cara de boi).
O episódio foi relembrado pelo professor de comunicação Mozahir Salomão Bruck (da PUC-MG), ao pontuar que o negacionismo não ė um fenômeno novo – mas ganhou proporções impensáveis com as redes sociais.
O tema foi discutido no painel “Negacionismo histórico, científico e climático: analisando um fenômeno que não sai da pauta”, que abordou temas como desinformação, pós-verdade e jogos de interesses de todos os tipos – do político ao religioso, do econômico ao moral.
Ainda citando a questão da vacina, a mediadora Sanara Santos (cofundadora da transmidia.co) pontuou que, à época da pandemia de Covid-19, pesquisas mostravam que 89% dos brasileiros queriam, sim, se vacinar. "Como encontrar maneiras coletivas de combater o negacionismo de forma mais ampla, um negacionismo que contesta até fatos bem documentados?", questionou.
“Negacionismo é o apagamento deliberado de determinadas perspectivas científicas ou acadêmicas”, explicou Carla Ferretti Santiago, professora de história da PUC-MG.
A questão do holocausto ilustra bem esse cenário, com a multiplicação de episódios negacionistas, de forma pública e com efeitos muito negativos. O negacionismo do holocausto começa logo depois da Segunda Guerra Mundial, com vozes isoladas.
A partir dos anos 1970, temos a volta do discurso intenso de negacionismo por conta da ascensão do neonazismo e do neofascismo. E principalmente após 1990, várias vozes se levantaram para minimizar ou negar o massacre do povo judeu pelos nazistas.
“A principal característica desse discurso é a teoria da conspiração, de que tudo faz parte de um grande complô internacional de vitimização dos judeus, para que os mesmos consigam que se implementem 'políticas de reparação'”, apontou a professora.
O mesmo acontece com a negação do extermínio dos povos originários do Brasil, dos povos afro brasileiros, dos quilombolas, que são descritos como se "vitimizando".
“Somos tão dominados por narrativas que são sobre o outro que nossas próprias narrativas, nossos corpos, nossa cultura são invisibilizados”, afirmou a criadora de conteúdo Rayane Xipaia, que é "embaixadora" do clima e faz parte do time técnico jovem da COP30.
“Tem gente que questiona ‘como você é indígena se está usando óculos, se tem celular?’. Passamos por um processo no qual os indígenas são ‘fiscalizados’ por pessoas que só sabem sobre eles o que leram, por cima, nos livros de história. No Brasil temos mais de 300 culturas indígenas, 270 idiomas. Não é tudo igual”, argumentou Rayane.
Para ela, o negacionismo histórico relativo aos povos originários continua existindo porque suas vozes são silenciadas. “Quando começarmos a ocupar espaços e divulgar nossas narrativas, além de desmistificar muitas coisas, teremos mais ferramentas para combater esse tipo de negacionismo", disse.
Negacionismo x Revisionismo
Revisar consensos, discursos ou evidências faz parte do jogo, inclusive do jogo da ciência, destacou a pesquisadora da Fiocruz Marina Ramalho e Silva.
“Na ciência, criticar e ter dúvidas é algo legítimo. Mas os cientistas se autorregulam: temos revisão por pares, replicação de experimentos. O problema dos negacionistas científicos não é a dúvida, mas sim continuar defendendo uma ideia mesmo depois que a ciência comprovou que aquilo não é verdade”, analisou a pesquisadora.
Marina destacou que o negacionismo científico é um movimento organizado, coletivo, que trabalha para gerar dúvidas e criar desinformação.
Ela citou como exemplo o caso da indústria do tabaco, que passou décadas defendendo que o cigarro não fazia mal à saúde – inclusive financiando pesquisas que corroboravam essa visão – por interesses econômicos.
“O negacionismo é a anti-ciência, porque ele não tem a comprovação científica daquilo que é relatado”, afirmou o professor Mozahir, ao lembrar que a pós-verdade também não tem compromisso com a veracidade. “Eu compartilho porque acredito. Não importa se aquilo é verdadeiro, importa que é algo que vem ao encontro daquilo em que acredito”, explicou.
Para ele, quem defende a ciência e quer que ela seja um instrumento de esclarecimento da sociedade, tem que trabalhar com boa comunicação. “Temos que sair da bolha em que vivem os pesquisadores e contribuir para que a educação alcance o ‘homem da rua’, ajudando a formar cidadãos bem informados”, finalizou.
Leia anterior sobre o assunto aqui.
Eliane Pereira
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