Acesso exclusivo para sócios corporativos

Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
Acesso exclusivo para sócios corporativos
Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
Cannes: 'todos vamos pagar por isso'
Uma das discussões mais aguardadas do Festival do Clube 2025, o painel "Uma reflexão sobre nossa busca incessante por prêmios: o que precisa ser revisto?", indicou alguns caminhos a seguir, depois de descoberto o uso de dados falsos em cases inscritos e premiados em Cannes, este ano. Uma análise completa do ocorrido foi publicada aqui no Clubeonline, em julho passado (relembre).
Recordando alguns dos fatos ocorridos: a DM9 usou conteúdo manipulado e gerado por IA para simular eventos reais e resultados de campanha. A organização do evento retirou da campanha "Efficient Way to Pay" um GP na categoria Creative Data, e um Leão de bronze em Creative Commerce (leia aqui). E a agência decidiu retirar as inscrições dos trabalhos "Plastic Blood" para a OKA Biotech e "Gold = Death" para Urihi Yanomami (aqui). Já a Africa admitiu ter inflado os números de uma campanha realizada para a Brahma e a startup de moradia Housi, enquanto a LePub teve que admitir que não vendeu 45 mil camisas do São Paulo Futebol Clube em uma única noite.
“Todo ano tem algum projeto sendo premiado em Cannes que ninguém viu. Desta vez, a coisa explodiu, porque era o Ano do Brasil e porque, por um lado, cartas e vídeos com denúncias começaram a circular, e por outro, um repórter foi investigar”, destacou Fernando Figueiredo, fundador e CEO da Bullet, que fez a moderação do painel.
A sofisticação na produção de cases hoje é tão grande que fica difícil para os jurados (e para qualquer um) saber o que é real ou não, apontou o sócio fundador da CP+B Brasil, André Kassu. “Quando explode um caso desses, é hora de a gente se perguntar ‘por que estou fazendo isso? É porque gosto de trabalhar com publicidade ou porque gosto de ganhar prêmios?’. A comunidade publicitária não para para discutir essas questões. E isso que estamos fazendo aqui é mais do que necessário”, analisou.
A vice-presidente de criação da Fbiz e copresidente do Clube de Criação, Carla Cancellara, se disse chocada com o modo como a questão foi tratada.
“Na hora de receber o prêmio, um monte de gente subiu no palco, mas, depois que a coisa estourou, só duas pessoas foram punidas, ambas da criação. Isso coloca os criativos como se fossem os únicos responsáveis por tudo o que está errado, mas existe um sistema inteiro por trás disso”, apontou.
Esse sistema inclui, entre outras coisas, o uso dos festivais de publicidade como trampolim para impulsionar carreiras, inclusive as dos CMOs, e a pressão das redes de agências pela conquista de prêmios – sempre em quantidade maior do que a do ano anterior. Porque no final das contas, prêmios - especialmente Leões - viraram uma poderosa commodity para os Grupos, que se traduz em valorização e grana.
“Há pressão por parte dos próprios clientes para 'fazer cases' para Cannes, sem contar a pressão das holdings, que investem muito dinheiro no festival. Prevejo que os jurados brasileiros do ano que vem vão ‘apanhar’ muito”, comentou Figueiredo.
Sobre essa pressão em cima dos jurados, Carla fez uma comparação entre o júri de Cannes (do qual fez parte este ano) e o do Clio, em que foi jurada em 2024. “O clima varia muito de premiação para premiação. Em Cannes existe essa expectativa de que o jurado ajude o Brasil a ganhar prêmios, que ele ‘puxe’ trabalhos que poderiam ser descartados. No Clio não é assim.”
Para Kassu, o ocorrido em Cannes este ano vai impactar não só os jurados de 2026, mas todos os publicitários brasileiros. “A verdade é que, quando uma agência se dá mal, todo mundo sai perdendo. Temos que refletir sobre porque fazemos o que fazemos. A pressão é enorme: as pessoas ficam depressivas quando comparam seus resultados com os dos outros e as redes de agências demandam que a gente ganhe sempre mais prêmios E a pressão só aumenta de ano para ano”, apontou.
A presidente da Abap defendeu o modelo brasileiro de negócio, com criação e mídia atuando juntas, argumentando que quanto mais complexo e mais fragmentado o mercado, melhor ter a mídia e criação sob o mesmo teto e maiores as possibilidades de sucesso de “campanhas reais”.
Ela incluiu na discussão a questão da bonificação por volume como um instrumento legítimo para sustentar o trabalho das agências. “Em todos os setores existe algum mecanismo de incentivo. Essas verbas servem para as agências pagarem infraestrutura, ferramentas, segurança de dados, servidores. Alguém tem que pagar essas despesas”, apontou. “Temos que construir um sistema sustentável. É nossa responsabilidade cuidar das pessoas que trabalham nesse mercado. Também temos que discutir como fazer um trabalho incrível, todos os dias, um trabalho que as pessoas gostem, que gere resultado, para que isso seja premiado. O prêmio é consequência de várias coisas, coisas que, se deixarmos de fazer, farão falta para as próximas gerações”, alertou.