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Festival do Clube 2023

Mas o que é ‘música latina’?

19.10.23

Cumbia, salsa, bachata, reggaeton... carimbó. Todos esses ritmos fazem parte de um conceito bastante genérico que foi cunhado pela indústria musical. O rótulo acaba recaindo sobre canções interpretadas em espanhol, deixando de fora a produção brasileira. Mas o que é, afinal, música latina? Essa pergunta norteou o painel "Ritmos latinos enfim estão conquistando espaço no Brasil?", realizado no Festival do Clube de Criação 2023.

O debate foi mediado pela comunicadora, DJ e empreendedora Flávia Durante. No palco estiveram Fábio Carrilho (diretor musical da La Caravana Orquestra), Felipe França Gonzalez (diretor da Difusa Fronteira, que organiza eventos e representa artistas), Hernan Halak (diretor da produtora cultural Mundo Giras, que promove o Festival Mucho, junto com a Difusa) e Tetê Purezempla (atriz, cantora e integrante do grupo Cumbia Calavera), que compartilharam experiências, reflexões e boas ideias (leia mais sobre as carreiras de cada um dos convidados aqui).

Flávia abriu o painel trazendo um dado da União Brasileira de Compositores, que aponta que a chamada música latina tem 1% consolidado do mercado nacional em 2023. "Não é muito, mas é um grande avanço, já que este número nunca havia sido alcançado", disse. Para tentar entender esse cenário, Flávia questionou os participantes sobre o conceito de "música latina".

"Se a gente encarar música latina marcando o território, da mesma forma como a gente se refere às músicas europeia, africana ou asiática, ou mesmo à brasileira, está tudo bem. Encaramos à música brasileira como esse coletivo de ritmos e sonoridades. Mas me incomoda colocar todos os ritmos da América Latina, um dos caldeirões mais diversos do mundo, na mesma gaveta. É preconceituoso e redutivo", afirmou Felipe França.

Para Tetê, mais preocupante que engavetar todos os ritmos é não incluir o Brasil nessa gaveta. "Ela poderia ser um armário bem estruturado, que comportasse todos os ritmos, inclusive a música brasileira. Porque somos latinos também", disse. "Quem define o que é e o que não é música latina? Por que o Brasil fica de fora disso?", acrescentou. Segundo a artista, a falta de integração é interesse do mainstream, que dita o mercado. "Se o espanhol fosse mais acessível no Brasil, com certeza teríamos mais integração social, cultural e política", defendeu.

Segundo Fabio Carrilho, apesar de o rótulo provocar certa confusão, ele pode ter um lado bom. "Às vezes, quando falo que tenho uma orquestra de música latina, isso me abre portas. Porque o meu interlocutor entende que não faço samba, não faço rock; faço música latina. Mas qual? Aí, entra a confusão", comentou. "O desafio para haver maior precisão e alcance aqui é conseguir trazer para as pessoas a diferenciação entre os estilos", afirmou.

Para aumentar o potencial dos ritmos latinos no Brasil, um caminho é criar o hábito de consumo, rompendo algumas barreiras, na visão de Felipe. De acordo com ele, a questão não está no idioma.O inglês é muito mais difícil de se entender e as grandes empresas fonográficas sempre nos empurraram goela abaixo as músicas da América do Norte”, afirmou. “Nós não conhecemos Charly Garcia, um dos maiores nomes do rock argentino, e os argentinos não sabem quem é Raul Seixas”, completou.

Outro aspecto a ser considerado se refere à maneira como a produção latino-americana vem entrando no Brasil. "Nos últimos 10 anos, tem sido mais pelo cinema do que pelos próprios artistas originais”, analisou Hernan Halak, que é argentino. Ele ressaltou que Jorge Drexler (Uruguai) entrou no Brasil pelo cinema e Fito Páez (Argentina), pela parceria com o grupo Paralamas.

Por outro lado, o streaming das músicas de origem latina cresceu exponencialmente nos últimos oito anos. "Acho que tem a ver com marketing e divulgação da música. Ficou mais fácil gravar e expor uma música, especialmente na pandemia. Isso equilibra o mercado no que diz respeito a como se mostrar. Com o TikTok, por exemplo, de um dia para o outro você pode explodir", justificou Halak.

E como fica a música brasileira no mercado regional? "Os grandes players estão olhando para a América Latina, mas tem uma questão que é diferencial: México e Brasil correspondem a quase 80% do streaming de toda a América Latina. Porém, o que mais empurra aqui no Brasil é o sertanejo, que não se exporta. No México, acontece o oposto: cerca de 80% da música é exportada", explicou Hernan, afirmando ainda que a origem do sertanejo está no Paraguai. "Inclusive eles copiam outros ritmos, como a bachata e a própria cumbia", emendou Flavia.

Para Felipe, a descentralização de quem dita os hábitos de consumo mudou totalmente o acesso aos estilos musicais da região. "Há 15 anos, para ouvir um álbum de cumbia, você ficava esperando o que as gravadoras lançavam. Hoje, você baixa uma playlist e descobre o que está sendo lançado em cada país da América Latina e ainda consegue segmentar por ritmo", declarou.

Flávia perguntou aos participantes como está o “ao vivo” para os artistas que tocam ritmos latinos. Ela comentou que, uma década atrás, seria necessário rezar para uma vez por mês ter uma apresentação em um Sesc.Agora, pelo menos uma vez por semana, tem show de bandas locais fazendo estilos latinos".

De acordo com Tetê, cresceu a oferta e as pessoas estão mais interessadas em ritmos latinos. "A própria Cumbia mostra isso. A nossa primeira saída, em 2017, tinha uma quantidade de público muito inferior à de hoje, que é enorme. Não sabemos, inclusive, se no próximo Carnaval vamos poder fazer no mesmo formato que fizemos até este ano, já não cabemos mais no bairro. Lembro que nós bancamos tudo. Não temos apoio público", disse Tetê.

Para Fábio, que trabalha com orquestra composta por 11 musicistas - e cujo repertório está focado em música afro-caribenha -, não é tão fácil se apresentar. "O formato do Cumbia, como fanfarra ou bloco, facilita bastante, porque o grupo consegue tocar na rua. No meu caso, preciso de palco, estrutura. Contamos muito com Sesc e algumas casas de cultura. Mas ainda há um grande potencial a ser explorado", disse. Tetê concordou: "Não é um jogo fácil. Ainda recebemos propostas de ajuda de custo irrisórias. Não é um mercado fácil. Mas estamos aí para o jogo.”

Focando na música brasileira, Flávia perguntou para Hernan e Felipe sobre o interesse dos produtores de grandes festivais na América Latina e Europa em relação à nossa música. Para Hernan, diante do potencial que a música brasileira tem, o interesse é praticamente nenhum. "Há grupos muito grandes no Brasil, com grandes estruturas e altos cachês, que, quando saem daqui, não atraem tanto. O contrário também é verdadeiro", comentou.

Já Felipe analisou que a cena dos festivais no país tem uma fortaleza que se transforma em debilidade. "O Brasil é um dos poucos países que conseguem ter headliners locais nos festivais. Isso faz com que as produtoras acabem entrando em uma zona de conforto e não apostem em artistas de fora", explicou. "Quem dá as cartas nesses festivais teria de abrir esses caminhos, até porque é uma tendência mundial. Mas não o fazem porque já lucram com as bandas daqui. Cabe a nós pressionar para que isso mude", completou.

Marcia Melsohn

11º Festival do Clube de Criação

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