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No exílio (ou Caro ex-patrão)

por: Zé das Couves*

25.10.04

Aqui na Suiça tem sido assim. Trabajo, trabajo y mas trabajo. Viajar pelo interior do país para visitar fábrica, empresa e plantação disso ou daquilo para fazer campanha, evento e panfleto. País agrícola. Outro dia tivemos uma reunião em torno de um touro, puríssimo de origem, inteiro, e discutimos a estratégia de marketing da associação de criadores de gado leiteiro pardo. Fiquei com essa imagem gravada na memória. O lago azul ao fundo. Lembrava o tempo todo da infância e das conversas que tinha com meu pai, no curral de casa - as tais conversas de homem.


Os assuntos por aqui, além de gado, vão de flores a canivetes, passando por cigarros, chocolates, instituições financeiras, moda e representações internacionais.


Sento para criar olhando o frio lá fora, mas sem olhar muito, para não pensar em sair, passear pelas florestas de folhas amarelas, chegar numa cabana de madeira, com luz de fogo de lenha, comer um prato de caça e tomar um bom tinto.


A tentação é grande, mas lembro de sexta-feira à tarde, na agência.
A apresentação na qual trabalho (alimento para gatos) é para segunda, por isso escrevo do trabalho hoje, domingo.


Ainda bem que consegui saborear a comidinha da Marisa e tenho calor suificiente por dentro para concentrar-me no tema do trabalho.
Por aqui está todo mundo calmo, tomando chá, café e trabalhando. Tivemos as últimas reuniões antes do "go-go-go" ontem, e agora preciso vir de tanto em tanto aqui, para checar o rumo que a coisa está tomando. Assim, aproveito essa brecha para dizer alô pra vocês.


Como estará o Cuba? Adoraria ter um cahorro, mas não dá. Não há espaço e não tenho ninguém para cuidar dele enquanto trabalho. Dois cidadãos aqui têm cachorros e trazem eles pro trabalho. Eles dormem preguiçosos debaixo das mesas.


Aqui cachorro tem um status considerável.


Eles parecem saber disso e por isso se portam como gente. Esperam os donos nas portas dos supermercados, comportados. Só falta jogarem purrinha enquanto aguardam.


Como nosso produto é um alimento para gatos, o cão virou um de nossos temas principais.


Pensei numa gozação que um dia ainda farei. Não conta pra ninguém, mas vou produzir uns adesivos com o seguinte texto: "Se seu cachorro leva você para passear todos os dias, seja franco, fale com ele", e colar nos rolos de sacos de plástico, instalados nos parques da cidade e usados para recolher o cocô dos animais.


Voltando à campanha de alimento de gatos, ela fala de uma maneira bem engraçada da relação que as pessoas têm com os felpudos.


O briefing fala de uma coisa que se chama Ersatzhandlung, palavra que singifica a compensação da falta de algo com algum ato.


Assim, definiram que gato tem função de gente, que serve de amigo, confidente, de compromisso, que funciona como adorno, como um monte de coisa, que substitui relação com gente e que espelha outros detalhes da psique dos humanos. Engraçado ver a cultura de um país refletida num gato. E ainda por cima num que vive só em apartamento.


E pensar que aí no Brasil ele serve para pegar rato.


Bem, não me surpreenderia se daqui a pouco "levar a gata" ou "o gato" pro cinema venha a significar "ir ver Fellini com um felino".


A sociedade, aqui, se desenvolveu de tal maneira que cada um tem o que quer e como quer. E se gente é meio chato, gato. Como gato é independente e contemplativo, não atrapalha o ritmo da vida e ainda decora. Sei que muita gente não gosta de gato, mas parece que o bichano tem caráter e representa muitas coisas mais do que miau.

.......

Tive que parar de escrever, pois surgiu uma dúvida se deveríamos fazer uma campanha adicional para o/a gato/a, criando objetos e gadgets para ele/a se ocupar durante o dia e, quiça, até aprender algo.

Estou falando sério, foi sobre isso que conversamos!


Bem, abraços a todos.


Imagino que me achem um louco por deixar uma carreira promissora no Brasil e vir pro outro lado do oceano, mas precisava dar esse pulo. E com exceção dos jargões locais, propaganda é igual aqui, aí ou na China.


Independência de gato. Fidelidade de cachorro. A revolução dos bichos e campanhas para seus donos.


Tomara que um dia possamos abrir a filial de sua agência por aqui e fazer ainda melhor.


* Personagem criado por André Morales, que também vive na Suíca, também cria para gatos, também sabe o que significa Ersatzhandlung e não tem cachorro em casa


adzurich@smile.ch

No exílio (ou Caro ex-patrão)

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