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'O nicho da Piauí é o da massa cinza', diz João Moreira Salles
João Moreira Salles, cineasta, diretor e idealizador da revista Piauí, foi entrevistado por Laís Prado, editora do Clubeonline, na sala Simon Bolivar do Memorial da América Latina, na tarde deste domingo (02), durante o Novo Festival do Clube de Criação de São Paulo.
Laís iniciou o bate-papo comentando que, ao observar a proposta da Piauí, a impressão que se tem é de que Moreira Salles não deixou de ser documentarista, só mudou "da película para o papel".
Ele concordou e afirmou que realmente não mudou tanto quando se afastou de sua produtora VideoFilmes para criar a Piauí. "Isso porque é uma revista de reportagem e continuo no mundo da não-ficcção. Tanto no documentário quanto no jornalismo que a gente pratica na Piauí, buscamos uma forma de representar o mundo".
"Uma preocupação essencial da Piauí é de que o fato é importante, mas é mais importante ainda como contar o fato. O tema, em si, me interessa menos do que a maneira como eu falo sobre esse tema. Aliás, essa preocupação com a forma é a origem da Piauí. Todas as outras revistas lidam com o mundo real, também, a diferença da Piauí é o cuidado maior com a maneira como isso vai ser contado para o leitor", afirmou Moreira Salles, emendando que nos seus documentários, ele também dá essa atenção especial para a forma: "se o documentário conta uma historia que a princípio não interessa e o público se envolve pela maneira como a história foi contada, isso é o máximo. Da mesma maneira, na Piauí: assuntos que não estariam na cabeça do leitor podem encantá-los pela maneira que moldamos o barro", defendeu.
Apesar das semelhanças entre os trabalhos, ele apontou uma diferença que considera "essencial" entre produtora e revista: a publicação, segundo ele, é uma obra coletiva, é o resultado do que todo mundo escreve para ela, com variedade de assuntos e de pontos de vista, "um ecossistema de grande diversidade". "Já os filmes que eu dirigi são meus, eu sou responsável pelas virtudes e defeitos".
Ao ser questionado sobre se sente saudades de dirigir, Moreira Salles disse que sim, "mas a saudade não é maior do que o prazer que tenho em fazer a Piauí."
"Cinema no Brasil é muito difícil. Documentário, mais ainda. Não dá para terminar um filme e emendar o próximo. Uma vez terminado um, você volta a estaca zero da captação para o outro projeto. Essas barrigas são mortais, são muito angustiantes, tem muita espera em cinema. Eu queria ter uma rotina - e também queria ter de abrir mão das veleidades de artista, que se acha especial, que busca a perfeição. Com a revista, a rotina veio, porque o título tem que estar pronto todo final do mês; porque tem hora que temos que parar de escrever para editar; porque tenho que lidar com a imperfeição", observou.
Moreira Salles disse que também pôde exercitar muito esse "lidar com a imperfeição" nos anos em que fez publicidade, no período do governo Collor. Afinal, todos nós sabemos que publicidade é sinônimo de "para ontem".
Quando a editora do Clubeonline perguntou sobre a dura missão de manter viva uma revista e sobre como o mercado publicitário recebe a Piauí, ele falou que o mercado é simpático à revista, mas que os profissionais de mídia têm que trabalhar com critérios técnicos, e que a Piauí não se enquadra nesse tipo de critério. "A Piauí escapa desses critérios. O que a Piauí tem a oferecer não é uma coisa que uma planilha vá te convencer. É uma revista de nicho, é pequena. Para piorar, o nicho é metafísico, o nicho não está em lugar nenhum. A revista não é feminina, não é masculina, não é de culinária, não é revista para quem tem dinheiro ou para quem não tem, enfim, é difícil enquadrar a Piauí usando os critérios técnicos que pautam a vida nas agências", disse.
"O trabalho da área comercial da Piauí é o de mostrar que há um denominador comum no leitor da revista: um leitor muito bem informado - 90% têm curso superior e querem metabolizar a informação em um grau elevado. Não é um cara que se seduz por campanha simples, são pessoas que querem experiências mais profundas. Interessa para aquele anunciante que tem desejo de dizer para seu consumidor que tem compromisso com o país, não só na esfera da troca e comércio, mas que tem preocupações ambientais, talvez isso possa ser comunicado com mais eficiência para um leitor que valoriza essa informação, como o da Piauí", defendeu. "O nicho da Piauí é o da massa cinza, buscamos decodificar o país de maneira mais sofisticada e complexa".
Publicitários como Washington Olivetto (WMcCann), Rynaldo Gondim (Almap), Adilson Xavier, Fernando Campos (Santa Clara) e Fabio Fernandes (F/Nazca) também fizeram perguntas a Moreira Salles, exibidas por meio de vídeo. Além de ter respondido às questões e de ter falado sobre dirigir filmes publicitários, violência urbana e a sociedade de consumo, o cineasta explicou até mesmo o que significa ser "botafoguense". "É estar preparado para o pior, é valorizar a felicidade, porque ela é tão rara que, quando acontece, é sublime", destacou.
Ele encerrou dizendo que é possível, sim, fazer uma revista com a proposta de oferecer excelente jornalismo tendo bom retorno comercial, no Brasil, e que há um público muito maior para ser conquistado nesse segmento. "O fato de a Piauí ter sido criada há seis anos, ter sobrevivido e ter se fortalecido, pautado a grande imprensa e conquistado um número importante de leitores, prova que o país é mais inteligente do que muitas pessoas supõem. Aliás, eu enxergaria com muita simpatia uma revista concorrente", finalizou.